Filipe Sambado combate a discriminação no seu segundo álbum, com os Acompanhantes de Luxo
Filipe Sambado é um nome cuja relevância no panorama musical português se revê em mais do que uma vertente: o cantautor e multi-instrumentalista que, de há uns anos para cá, prioriza a sua musica a solo, fez também já parte de algumas bandas, como os Cochaise, e produz projetos para uma quantidade de novos músicos nacionais.
O seu primeiro álbum a solo, Vida Salgada, um conciso e articulado compêndio de músicas indie pop-rock românticas e atrevidas, conseguiu, pela sua estrutura mais estática e muitas vezes centrada na repetição, alcançar uma elevada rodagem nas rádios, conferindo ao artista uma visibilidade que até então não havia conhecido e que lhe garantiu um acordo de três álbuns com a Nortesul, editora da Valentim de Carvalho.
Ora, ainda que o Vida Salgada tenha sido bem sucedido primordialmente graças ao trabalho individual de Sambado – que escreveu, tocou e produziu o álbum –, para o sucessor, o cantautor optou por confiar os arranjos instrumentais à banda com quem tem tocado ao vivo nos últimos anos. Os Acompanhantes de Luxo são então Alexandre Rendeiro (Alek Rein), Manel Lourenço (Primeira Dama), Adriano Fernandes (C de Crochê) e Luís Barros, e foram uma peça fulcral na transmutação da sonoridade que caracteriza este álbum.
Filipe Sambado e os Acompanhantes de Luxo revela uma evolução na perceção artística de Sambado. Talvez por ter cedido a instrumentalização e a produção, parece haver uma maior atenção na componente vocal, particularmente na segunda parte do álbum. O cantor parece dedicar-se mais à sua performance do que depender dos efeitos vocais e técnicas de gravação – por exemplo, de uma “Subo a Montanha” – e ainda a jovialidade heartbreaking de “Aprender e Ensinar” parece ter evoluído para os vibratos maduros de “Em Paz”.
Também as letras denotam muito mais cuidado, repletas de observações criativamente mais complexas e politicamente mais relevantes. Houve um consciente afastamento das temáticas do amor, que – diz Sambado em entrevista à CCA – só foi possível agora que, tendo vindo a adotar um estilo mais andrógino e feminino, começou a sentir discriminação em primeira mão. Na “Deixem Lá”, primeiro single; na “Dá Jeitinho”, que abre o álbum; e na “Indumentária”, que o encerra, sem papas na língua, o cantor refuta tanto as ideias de generalização, discriminação sexual, de género e racial, como responde aos que por aparências se deixam ser levados: o tom narrativo e caloroso que utilizou para descrever um estilo na “Moda” transformou-se na hostilidade claramente necessária de “Indumentária” – “Gosto de vestir saia, de pintar os olhos e a boca / Gosto que estejas calado / Quando não tens nada p’ra dizer / Parece que a liberdade tem um catálogo por escrever”.
Os momentos mais levianos, de lírica menos introspetiva, tais como o “Dono da Bola” ou “Alargar o Passo”, não deixam também de ser pontos altos do álbum; a articulação melódica da guitarra e teclas complementam com distinção a emoção da voz de Sambado, enquanto a secção rítmica se apresenta mais consistente que nunca, variando de acordo com os saltos estilísticos que as músicas sofrem entre elas: da “Onda”, rock de garagem máximo; à sonoridade intervencionista da “Dono da Bola”; passando pela omnifulgente “É Tu”, um apogeu instrumental deste álbum, que melhor resume todo o trabalho de equipa do qual o mesmo nasceu.
Felizmente, Sambado não se deixou estagnar com o sucesso de Vida Salgada e, fazendo-se acompanhar de uma equipa carregada de mestres dos seus ofícios, entrega-nos este ano um álbum necessário em sabor e palavreado. A igualdade que apregoa é pouco ou nunca referida no cancioneiro contemporâneo nacional, sendo este um projeto que a introduz na musica de intervenção moderna.