‘Fin’, a aventura a solo de Syd que (ainda) não tem pernas para andar
Fin é o álbum de estreia da cantora e produtora Sydney Bennett, conhecida como Syd. Os primeiros passos da carreira musical da artista remontam aos inícios da colectiva de hip-hop alternativa Odd Future, da qual faz parte Tyler, The Creator, um dos membros fundadores, e por onde já passaram nomes como Frank Ocean ou Earl Sweatshirt. Grande parte das músicas na génese desta colectiva foi gravada em casa de Syd, num pequeno estúdio que a mesma construiu e que lhe permitiu desenvolver os seus atributos como produtora. Além da sua carreira a solo (que conta já com um EP de instrumentais, Raunchboots), Syd é também a vocalista da banda de neo-soul The Internet, um grupo que já tem três álbuns sob a sua alçada, sendo que o último projecto Ego Death, lançado em 2015, foi nomeado para um Grammy. A nomeação é perceptível, tendo em conta o projecto: Ego Death é um álbum agradável de se ouvir, composto por temas relaxados de atmosfera suave e apelativa, que mostram as qualidades de Syd enquanto cantora e a capacidade da banda de criar músicas facilmente apreciáveis com um groove característico.
Nesta primeira aventura a solo, Syd demonstra os dotes já conhecidos pelo seu público: o seu estilo suave e delicado de cantar e uma união relaxada entre a voz e a batida. Mas é um projecto que se vai fazendo ouvir sem grande interesse e denota uma falta de esforço na sua produção. Os seus melhores momentos são as músicas em que Syd não foge à fórmula e ao que sabe fazer: “Know” é sem dúvida uma das melhores músicas do álbum, conduzida pelo falsete sedutor da cantora acompanhado de uma batida discretamente mexida afogada em sintetizadores a lembrar violinos transfigurados, com uma letra em que Syd descreve secretismo e um caso fugaz. “Dollar Bills” é som de festa, de puro lazer, de ócio divertido e, juntamente com “Smile More”, relembram a sonoridade de The Internet com uma abordagem mais pessoal. Mas nos temas em que Syd tenta mostrar novos elementos, a qualidade musical sofre um decréscimo considerável.
A repetição em demasia é o principal problema de Fin, algo que transparece em várias das músicas do projecto. “Body” é demasiado discreta, prolonga-se sem destino nem motivo aparente, e o instrumental minimalista ainda contribui mais para um aborrecimento que a doce melodia de Syd não consegue evitar. “Got Her Own” também exemplifica claramente esse conceito: a música é banal e lembra a sonoridade trap que hoje em dia se ouve em todo o lado, com um refrão que insiste numa melodia de provocar o bocejo e um verso sem chama, quase monocórdico que ironicamente demonstra a seca monumental que esta música provoca. A sonoridade trap deslocada de “Got Her Own” também é visível no single “All About Me”, mas esta música consegue ser menos estagnada e apática, com uma harmonia de voz de Syd muito mais orgânica e cativante e um flow fluido, com maior destreza, acompanhado por um teclado crepitante que fica no ouvido. São duas abordagens diferentes com resultados claramente diferentes e que demonstram a dualidade musical presente neste álbum.
Além da repetição, a inclusão de certas músicas não tem qualquer tipo de sentido na estética do álbum. “No Complaints” é uma praga sonora caída de pára-quedas que não acrescenta absolutamente nada ao álbum, uma miniatura musical com uma marcha incessante de barulho que nos deixa a pensar se Syd não se terá esquecido de tirar esta demo do meio do álbum. Não tem qualquer tipo de ligação com “Know” ou “Nothin to Somethin”, as músicas que vêm respectivamente antes e depois. A frustração continua em “Drown in It”, mais um resto de alguma coisa, um interlúdio que podia ser muito mais, mas que, por alguma razão, não o é, e espantosamente é incluída no álbum. Neste caso, é desapontante, porque a ideia não é má, é apelativa e tem um arranjo simples e eficaz a acompanhar a linha vocal de Syd. Mas é um elemento de transição, não é uma música.
Fin tem pormenores que dão gosto desvendar: o arranjo coral de “Insecurities”, a progressão “misteriosa” de acordes em “Smile More”, a batida corrida mas aos soluços de “Know”… Mas um álbum não é feito de pormenores. Não é feito de faixas “insonsas” e “mornas” que não puxam verdadeiramente pelo ouvinte, é feito de músicas cativantes e que ficam na mente. E infelizmente o primeiro lançamento a solo da cantora norte-americana tem poucas dessas faixas. Mas Syd está a desvendar o seu caminho, não só como cantora, mas como produtora: apesar da fraca “No Complaints” ser produzida pela artista, “Nothin to Somethin” e “Smile More” também são assinadas por Syd e mostram um potencial nas suas técnicas de produção, uma habilidade por descobrir e que mostra uma mudança significativa desde os instrumentais primitivos de Raunchboots.
Em “All About Me”, Syd canta de forma imponente e com segurança “My grave gone be my music, my soul is living through it baby”. Enquanto esperamos por uma “sepultura” digna para a cantora, mantenho a esperança de que ela vá existir, só temos de dar tempo ao tempo e deixar Syd expandir os seus horizontes musicais.
Sydney Bennett, a talentosa vocalista que lidera The Internet, apresenta o seu primeiro álbum a solo com alguns momentos bons mas que não chegam para fazer deste projecto um dos grandes de 2017.
Músicas preferidas: “Know”; “Dollar Bills”; “Smile More”; “Insecurities”
Músicas menos apelativas: “No Complaints”; “Got Her Own”; “Body”
Texto de Miguel Santos