“Flores”, de Afonso Cruz, é o livro do mês
O Prosa no Ar é o clube do livro que é também um programa da rádio da Escola Superior de Comunicação Social, a ESCS FM. Todos os meses, há uma leitura conjunta que culmina numa discussão entre 2 dos leitores e o respetivo curador.
Em maio celebrou-se o Dia do Autor Português e, como tal, foi tempo de ler Afonso Cruz, uma sugestão da curadora Sónia Pinto. Enquanto criadora de conteúdos, dedica-se ao book blogging desde 2016 como forma de incentivar a leitura em Portugal, especialmente junto dos mais jovens. O seu objetivo é “ajudar, um livro de cada vez”.
Nesta primavera, encheu o Prosa no Ar com “Flores”, numa conversa com Raquel Aguiar e Ana Sofia Alves sobre a memória, as relações humanas e a beleza da rotina.
De uma perspetiva mais geral, a curadora começou por destacar vários paralelismos a nível temático com outras obras do autor: o amor à música e à literatura, a menção ao Alentejo e a perda da memória são uma constante.
A par destes temas, o autor procura retratar o quotidiano e a rotina de uma forma realista, ainda que intercalada com alguns episódios bizarros. Discutimos a dualidade entre a leitura como escape à realidade e como espelho da mesma, como acontece em “Flores”, e a perspetiva pessimista da humanidade que lhe pode estar inerente.
Entrando “mais dentro da espessura”, neste caso, na personagem do Senhor Ulme, explorámos o papel da memória na construção da identidade das pessoas, tanto a sua, como a dos outros. Para Sónia, conhecer o Senhor Ulme através de “fragmentos das memórias das outras pessoas” é o que o humaniza, na medida em que “todo o ser humano acaba a ser um pouco assim, tão complexo e até um pouco contraditório.”
A existência, ou não, de memórias afetivas tem também impacto no relacionamento das personagens com os que as rodeiam. Neste campo, há uma dicotomia clara entre Kevin e Senhor Ulme. Na escrita de Afonso Cruz em geral, e em “Flores” em particular, a construção do caráter das personagens é muito realista, o que as torna mais humanas, por um lado, mas por outro pode dificultar a empatia do leitor, talvez por vermos nelas os defeitos que não gostamos de reconhecer em nós próprios. Em Kevin, identificamos uma apatia face aos problemas do mundo e narcisismo, o que gerou uma reflexão acerca do papel das redes sociais e da evolução da sociedade.
Notámos, no entanto, uma evolução ao longo do livro, de uma personagem que considerava que “viver não tem nada a ver com isso que as pessoas fazem todos os dias, viver é precisamente o oposto, é aquilo que não fazemos todos os dias”, para alguém que aceita um chapéu em cima da cama e percebe a importância da rotina e dos momentos banais na construção das relações humanas.
Este é, portanto, um livro sobre redenção, onde as flores são particularmente simbólicas, não fosse esse o título do livro. Se por um lado são associadas à morte e aos funerais no início do livro, bem como ao passado do Senhor Ulme no Alentejo, por outro representam a esperança de uma vida mais feliz.
Para saberes mais acerca deste livro podes ouvir o episódio do Prosa no Ar. Em junho celebramos o orgulho LGBTQIA+, em conjunto com os curadores Álvaro Cúria e o Ludgero Cardoso, do projeto Literacidades. Se quiseres participar na leitura conjunta de “O Quarto de Giovanni” e fazer parte do grupo de discussão, basta enviares mensagem à ESCS FM no Instagram.