‘Flying Microtonal Banana’ e as notas no meio das notas
King Gizzard & the Lizard Wizard têm uma missão para 2017: o grupo australiano de rock psicadélico pretende lançar cinco álbuns durante este ano, sendo Flying Microtonal Banana o primeiro. Esta ambição musical não surpreende vinda de um grupo que nos últimos cinco anos lançou oito álbuns de qualidade consistente, aprofundando cada vez mais o seu repertório musical, apostando em diferentes abordagens e aprimorando o seu som com conceitos distintos e resultados vistosos. No ano passado editaram Nonagon Infinity, talvez o álbum mais ambicioso da banda. O projecto está construído como um longa música de quarenta minutos, desde o começo da primeira faixa “Robot Stop”, que nos “atira” para o meio da acção e para o meio de um espaço auditivo sem princípio nem fim, até à faixa final “Road Train”, que se liga perfeitamente com o primeiro tema do álbum. As várias músicas que compõe Nonagon Infinity escorregam descontraidamente de uma para a seguinte e são ligadas entre si por melodias vocais ou instrumentais que se fazem repetir ao longo da sua duração. É um projecto extremamente desafiante e bem composto, um álbum de garage rock intenso com muito fervor, uma obra “destinada” a ser tocada em loop constante, uma impressionante fita de Möbius sonora.
Em Flying Microtonal Banana a banda aventura-se mais uma vez a explorar novas barreiras e, desta feita, embrenham-se no universo dos micro-tons, intervalos sonoros mais pequenos que um meio-tom (a distância sonora entre uma tecla branca do piano e a tecla preta que a sucede). A música microtonal é uma abordagem sonora pouco explorada no sistema musical ocidental que permite um maior número de notas a ser utilizadas e que possibilita o desbloqueamento de mais oportunidades para criação musical. Desde a primeira faixa que notamos uma “estranheza” associada às melodias de guitarra, principalmente nas notas mais agudas: “Rattlesnake” faz soar o crepitar dessas notas mais estranhas ao nosso ouvido e nota-se um certo desconforto perante notas incertas que, não sendo desafinadas, passam por isso. É a música mais longa do álbum, talvez com o propósito de habituar o ouvinte às diferentes frequências sonoras e instaurar de forma vincada a diferença tonal desde o início. A sonoridade microtonal mostrada ao longo do álbum alude a ritmos orientais, algo extremamente evidente na faixa título final “Flying Microtonal Banana”, um frenesim de flautas e notas escondidas no meio de outras notas, mas que se faz ouvir também em sons menos óbvios como “Open Water”, um tema que junta a pujança do garage rock com a música progressiva e ritmos mais “arábicos”, acompanhada metodicamente por um grande ritmo de bateria, possante e activo.
Há uma fluidez inerente aos quarenta minutos de duração do álbum. As transições entre músicas são leves e relembram Nonagon Infinity nesse aspecto. A tensa “Anoxia” escorrega tranquilamente para a maléfica “Doom City”, e “Rattlesnake” dá lugar a “Melting” de forma bastante suave, soando o segundo tema como um seguimento perfeitamente lógico da música que o antecedeu, dotado de um som meio tribal e oriental com um bom pormenor de teclas. Esta e outras músicas espelham o desejo de King Gizzard de abraçar novos horizontes, mas acabam apenas por demonstrar minimamente o conceito de microtonalidade. Depois de um período de habituação, a estranheza aliada a esta abordagem instrumental deixa de se sentir verdadeiramente e o potencial desta divisão de frequências sonoras acaba por não ser atingido ao máximo. Mas a exploração origina músicas muito prazerosas, como é o caso de “Billabong Valley”. Ao som de notas pouco familiares e um refrão que fica na cabeça, é contada uma história “à volta da fogueira” sobre um temido bushranger australiano, uma faixa de psych folk atípica devido às suas notas estranhas, mas com valor, e uma das melhores do álbum.
O primeiro lançamento de 2017 para King Gizzard & the Lizard Wizard não é excepcionalmente impressionante, mas é fiel ao estilo da banda, potente e com muita energia. O proficiente grupo procura sempre esticar os limites da sua musicalidade e, nesta nova etapa, conseguiu criar um álbum de garage rock complexo, mas efectivamente simples, adornando o seu som aguerrido com uma sonoridade pouco comum e desafiante para a grande maioria de pessoas que possam não estar familiarizadas com o universo microtonal. Para o primeiro de cinco álbuns não está nada mau e é inquestionavelmente mais uma prova de qualidade desta banda australiana, uma das mais entusiasmantes dos últimos tempos e altamente produtiva, que, ano após ano, nos habitua à qualidade musical, enquanto explora, descobre e reinventa a sua sonoridade.
Músicas preferidas: “Rattlesnake”; “Melting”; “Billabong Valley”; “Nuclear Fusion”
Músicas menos apelativas: “Doom City”