‘For Crying Out Loud’, onde está o melhor dos Kasabian?
Depois do sucesso moderado de “48:13” (2014), a banda Kasabian está de regresso aos trabalhos de estúdio. 2017 não esquece as glórias que a cidade inglesa de Leicester, da qual o grupo é proveniente, colecionou no ano passado, com a surpreendente conquista do campeonato inglês por parte do Leicester City, para além do bicampeonato do mundo em snooker de Mark Selby. No rescaldo de um concerto – que se recomenda – dado pela banda no estádio do clube, – o King Power Stadium – este acabou condensado na versão deluxe de um álbum que traz pouco da efervescência e da criatividade instrumental que caraterizou a banda nos seus tempos áureos.
Para trás, ficam os êxitos “Kasabian” (2004), “Empire” (2006), “West Ryder Pauper Lunatic Asylum” (2009), e “Velociraptor!” (2011), que bem expressam o condão identitativo de um grupo composto pelo vocalista Tom Meighan, pelo guitarrista Sergio Pizzorno, pelo baixista Chris Edwards, e pelo baterista Ian Matthews. No entanto, e desviando-se muito daquilo que o seu indie rock, numa mescla com o mais eletrizante e estridente, a banda caminhou para lides mais comerciais, um pouco à imagem do que trouxe em “48:13”. Alguns dos predicados que fizeram captar o furor da banda foram relegados para segundo plano, num trabalho que perspetiva mais experimentar um novo caminho, que procure conciliar a criação musical com o fator comercial.
Antes do devido escrutínio de todo o álbum, vale a pena referenciar a capa do mesmo, da autoria do designer argentino Aitor Throup, e que apresenta uma fotografia de um roadie da banda, de seu nome Rick Graham, em tronco nu, a verter lágrimas digitalmente animadas para o preto que rodeia a figura. Colaborando com o fotógrafo Neil Bedford, e com o designer visual Daft Apeth, o trabalho visou explorar a beleza do óbvio e do básico, sendo o próprio título no álbum uma amostra disso, estando escrito num tipo de letra simples, e o próprio rebordo da figura de Graham.
Tudo começa com “III Ray (The King)“, que acaba por ter proporções pouco antes exploradas no sentido rítmico e músico. A faixa é entoada como se de uma superação pessoal – dominada por um “we” – se tratasse, adornada por sons que não estão longe do EDM. Segue-se “You’re In Love with a Psycho“, que incorpora alguma da passada instrumental do passado, embora sem o fulgor de outrora, e mesmo sem abandonar os traços mais comerciais, e que agradam às estações radiofónicas. A letra suscita uma paixão que monopoliza o pensamento de quem a canta, que não faz questão de se livrar da sua desejada. “Twentyfourseven” traz mais daquilo que é a essência deste grupo, incorporando o vigor que é usualmente transmitido por este nos seus concertos. A letra, apesar de simples e descomplicada, procura libertar o ser para além das suas preocupações, dores, e tormentos com os seus pensamentos diários e constantes. “Good Fight” volta a não ser muito entusiasmante do ponto de vista musical, voltando um pouco ao diapasão acima exposto, apesar de um final interessante. Liricamente, é, novamente, uma abordagem íntima, que procura seduzir uma espécie de divindade na forma de uma mulher.
De seguida, está “Wasted“, que não corre mal do ponto de vista musical. Apresenta-se sólida, firme, com uma letra que procura reviver um passado feliz num presente nostálgico, com vista a um futuro de continuidade com o que lá vai. “Comeback Kid” volta a encaminhar-se nas experimentações, tentando arrastar e estalar as melodias e as vogais. No meio da retumbância auditiva, perde-se o substrato de uma música que até foi a primeira a conhecer o público geral. Seguidamente, “The Party Never Ends” vem aliviar o rodopio sonoro da faixa transata, assentando mais a poeira que percorre os instrumentos, voltando-se para uma narrativa mais pausada e lógica. Não obstante, a própria narrativa foca-se na desorientação que uma série de momentos boémios e festivos proporcionam no final de contas, onde, mesmo nesse desnorte, a festa prossegue. “Are You Looking for Action?” traz algumas vibrações interessantes e envolventes, numa experimentação instrumental bem realizada, mas que não se revê numa confirmação em êxito. É mesmo o trabalho dos músicos que provoca o desejo de agir, de vibrar, de dançar, deixando a incógnita da resposta deste lado.
“All Through the Night” também traz pouco de novo àquilo que é o repertório virtuoso e elétrico dos Kasabian, passando por uma fugaz mas sentida noite, que se assombra na ausência do amor, e que se torna introspetivamente amolecida. “Sixteen Blocks” é pautada por coros, entoações e assobios, entrelaçando com um rendilhado curioso com os extremos da tecnologia musical, e meditando sobre uma amizade falhada, para além da dificuldade que é encontrar uma estável e saudável. A penúltima é “Bless This Acid House“, orientado por um solo similar ao punk rock bem britânico, não obstante fugir das premissas habituais da música produzida pela banda. A força vocal está lá, e transmite uma jovialidade quase adolescente, que remata com a beleza e o positivo momento presente. A composição original do álbum finda com “Put Your Life On It“, numa toada que, apesar de compassada, caminha numa serenidade sossegada e detentora de uma esperança de superação em conjunto, a dois, em que o amor se superioriza através da dedicação das duas partes.
A banda de Leicester, apesar de alguns momentos mais ou menos positivos, não deixa nada que marque, e que faça retornar para uma segunda, terceira, quarta e quinta audições. Tudo se fixa num nível mediano, sem grande prevalência em relação aos trabalhos antecessores. Depois de uma discografia em que o registo experimental, elétrico, e efervescente, numa toada muito perto do indie, se destaca, Kasabian apresentam um disco bem mais compacto em ideias, em sensações, em prazeres. Cumpre-se agenda, possibilitando que os seus concertos tenham algo de novo. No entanto, e para o bem que deixaram feito, “For Crying Out Loud” não corresponde, situando-se numa mediana viagem pelo que, do passado, se fixou numa miragem.