‘For Ever’, dos Jungle, é como um Verão a chegar ao fim
Mal ouvimos a primeira canção do novo álbum dos Jungle, “Smile”, apercebemo-nos de que o som da banda está mais cheio. A percussão dinâmica, vozes multiplicadas por si mesmas e produção mais cristalina são atípicas relativamente àquilo que havia sido a realidade musical do duo – feito septeto – até então. O núcleo duro que não muda é o falsetto inconfundível dos homens ao leme do projecto, Josh e Tom. Mas não se deixem enganar, no entanto: For Ever continua a ser uma reimaginação da soul e do funk, com o toque britânico adoptado de bandas suas conterrâneas, surgidas nos anos 80 e 90; aqui, a música simplesmente veste uma roupagem um pouco mais dramática, com instrumentalizações e temáticas mais hollywoodescas, possivelmente influência do local onde gravaram o álbum.
Os Jungle sempre foram um projecto mais dedicado a conjurar um ambiente de nostalgia – por vezes dançável, mas sempre aconchegante – do que a quebrar barreiras da música. Dentro dessa esfera, esculpiram um lugar para si mesmos através de canções imediatas e desmesuradamente descontraídas como “The Heat” ou “Time”. Os principais detractores da banda apontam como falha o facto de o que eles fazem não ser propriamente novo. A pergunta que se impõe é: o que é realmente novo hoje em dia, no mundo da música? O que realmente importa é que a música seja honesta na sua intenção, e o que os Jungle querem é fazer com que nos sintamos bem.
Em For Ever esta intenção mantém-se, mas as medidas tomadas para a concretizar dão a impressão de ser mais forçadas. No fundo, sente-se um pouco o peso da tentativa de evitar o falhanço do segundo álbum, reduzindo a fluidez natural associada à sua música. Acima de tudo, isto é notório na segunda metade do álbum, altura em que a chama criativa parece extinguir-se como um Verão a chegar ao seu ocaso – agora parece ainda mais adequado que o álbum tenha saído a meio de Setembro. Esta metáfora veranil é ainda mais eficaz se pensarmos nas primeiras seis canções, que emanam um brilho e calor puramente Jungle, reflectido na cor dourada da capa minimalista.
“Heavy, California” foi um dos quatro singles lançados a priori e talvez seja a principal culpada das expectativas para For Ever estarem tão elevadas. É uma canção soalheira, com os seus sintetizadores tropicais e a batida infecciosamente dançável, que lembra palmas. Soa orgânica e tem uma frescura retro que poderia definir o funk moderno. “Happy Man”, outra das primeiras amostras, lembra-nos de “Platoon” (do álbum homónimo), com o seu ritmo corrido e incansável, apenas parando para a bridge que nos traz o refrão de volta com ainda mais força. É mais um exemplo de boa composição por parte dos Jungle, que sabem como manter o entusiasmo ao longo de uma canção, dando mais e retirando nos momentos certos. “Casio” traz uma das grandes surpresas do álbum: a vocalização sem falsettos de Josh, mesmo estando altamente processada. O ritmo minimalista e teclados (serão Casio?) reluzentes e brincalhões dão-lhe ainda uma sensualidade subtil.
“Mama Oh No” marca um ponto de viragem no álbum. Ocupando a mesma posição que o proto-interlúdio “Smoking Pixels” no álbum anterior, a sua sonoridade segue a mesma direcção, mas depois estende-se em frases retalhadas e sem grande foco, que não levam a lado nenhum. Pelo meio, “House in LA” e a sua meditação contemplativa (numa faceta mais melancólica dos Jungle, que é bem-vinda) trazem algo de interessante à mistura, mas a experimentação com novas sonoridades em canções posteriores fá-las parecer mais rascunhos do que obras que realmente devessem compor um álbum da banda. O peso das expectativas é tramado; mas o trabalho homónimo é tão coeso, e tem uma visão bastante definida, ainda mais impressionante quando consideramos que se tratou da estreia do grupo.
A batida urbana chocalhada de “Give Over” é interessante, mas a canção acaba por não ter mais nada para dar; os samples e o arpeggio melodramático do teclado de “Cosurmyne” acabam por não ser mais do que uma curiosidade repetitiva e algo cansativa; “More and More (It Ain’t Easy)” parece inacabada, com as vozes entrecortadas e aquela batida que exigia um clímax. Por outro lado, “Home” e “Pray” acabam por fortalecer esta segunda metade com emoção genuína. A primeira é uma balada, com teclas como bolhas a vir à tona da água e o falsetto frágil e emotivo de Tom, e tão depressa aparece como desaparece, mas não sem impressionar com o seu minimalismo; a segunda fecha o álbum com pompa e circunstância, com violinos cinemáticos e uma sonoridade épica incomum nos Jungle.
Os quatro anos de interregno aumentaram as expectativas, com os diversos concertos incríveis que a banda foi dando por todo o mundo (incluindo quatro espectáculos em Portugal), assim como os singles de antecipação, que faziam prever este como um dos álbuns mais fortes do ano. Infelizmente, For Ever fica confuso entre aquilo que os Jungle são e aquilo que algumas pessoas acham que deveriam ser, resultando num álbum de momentos muito inspirados, com alguns desvios que na verdade não trazem grande coisa de novo e nos fazem ter saudades das confiáveis batidas aveludadas e baixo envolvente que caracterizam o colectivo.