Fotógrafa Maria Abranches espera que prémio do World Press Photo permita falar sobre reparação histórica

por Lusa,    27 Março, 2025
Fotógrafa Maria Abranches espera que prémio do World Press Photo permita falar sobre reparação histórica
Fotografia de Maria Abranches – World Press Photo

A fotógrafa portuguesa Maria Abranches espera que o trabalho com o qual venceu um World Press Photo (WWP) possa ser “ponto de partida para o debate sobre reparação histórica”, que seria “determinante” para alterar estruturas sociais em Portugal.

Maria Abranches, de 33 anos, conquistou o prémio WPP na categoria “Histórias”, na região Europa, com a reportagem “Maria” sobre a empregada doméstica e cuidadora Ana Maria Jeremias, “traficada de Angola para Portugal aos nove anos, sob falsas promessas de educação”, como indica a apresentação do projeto no site oficial do WPP.

Fotografia de Maria Abranches – World Press Photo

Em declarações à Lusa, horas depois de o prémio ser anunciado, a fotógrafa partilhou ter “esperança que a visibilidade de um trabalho sobre as cicatrizes que foram deixadas pelo colonialismo português possa ser um ponto de partida para o debate sobre a reparação histórica”.

“Esse é o meu principal objetivo, e também fazer uma homenagem a todas estas mulheres, que, como a Ana Maria, dedicam as suas vidas a construir o mundo e a permitir que as pessoas e as instituições continuem as suas vidas”, disse.

Além disso, “Maria” é ainda, “de certa forma, uma homenagem à presença secular africana em Portugal, que também foi determinante para construir a identidade portuguesa”.

Reconhecendo que houve já “muitas tentativas de outras pessoas” para colocar a reparação histórica no seio da discussão pública, Maria Abranches defende que “já se devia ter começado a falar mais sobre isso do que se fala”.

“Acho que nunca foi um tema que tivesse a atenção que merece, e acho que seria determinante para mudar um bocado as estruturas sociais do nosso país, que se mantêm desde o colonialismo, e o racismo, que vem como consequência disso”, afirmou.

Fotografia de Maria Abranches – World Press Photo

O “trabalho invisível, mas com enorme impacto e que muitas vezes não é reconhecido”, de mulheres como Ana Maria Jeremias, foi uma das coisas que impulsionou Maria Abranches a querer contar esta história. A consciencialização para esta questão foi surgindo à medida que foi crescendo.

“Fui criada por uma mulher chamada Júlia, que, com a minha mãe, ajudou na minha construção enquanto pessoa e tem uma história que, apesar de não ser igual, faz-me muito lembrar a da Ana Maria Jeremias. A Júlia vem de uma terra pequenina no interior de Portugal para Lisboa à procura de oportunidades e teve esse papel muito importante que ia muito além das suas obrigações profissionais”, contou. A isso juntou um outro tema, que lhe é “muito familiar”: o colonialismo.

O pai de Maria Abranches foi combatente na Guerra Colonial e isso “deixou-lhe cicatrizes profundas”, tanto que “era um tema de que não se falava em casa”.

“As duas coisas ligaram-se e eu sabia que queria contar esta história. Isso só foi possível quando fui selecionada para a Masterclass Narrativa, com o fotógrafo Mário Cruz, que foi quem orientou e editou este trabalho e que me ensinou a contar histórias”, referiu.

Chegar a Ana Maria Jeremias foi fácil, até porque também fez parte da sua infância. “Ela começou a trabalhar em casa de uma grande amiga minha, Madalena, quando finalmente se conseguiu libertar da família de portugueses que a levou para Coimbra. Era uma pessoa muito afetuosa, alegre, que partilhava sempre histórias”, recordou.

Fotografia de Maria Abranches – World Press Photo

A notícia de que “Maria” venceu um WPP deixou Ana Maria “felicíssima”, mas Maria Abranches sente que o mais importante para ela “foi poder ver a sua história contada em voz alta, que era algo que ela nunca tinha feito assim a sério”.

“Houve coisas de que ela se foi lembrando no processo, enquanto eu estava a fotografar e quando lhe fazia perguntas, porque havia muitas coisas que estavam adormecidas”, partilhou.

Mais do que exposições e prémios, Maria Abranches acredita que o que Ana Maria Jeremias “verdadeiramente queria era ver a sua história em livro, para poder de alguma forma organizar as suas memórias e dar-lhes um novo significado também”. Algo que irá acontecer.

O livro “em formato diário” sobre o trabalho premiado no WPP é apresentado no dia 27 de abril, no espaço Narrativa, em Lisboa.

Além das imagens premiadas, o livro inclui “uma série de colagens do arquivo fotográfico da própria Ana Maria, porque ela tinha um registo enorme da sua vida, de documentos a fotografias, postais, e tudo isso está no livro”. A isto juntam-se dois textos escritos à mão por Ana Maria, “que são muito fortes”.

O prémio conquistado por Maria Abranches coloca-a como finalista para a “Fotografia do Ano”, cujo vencedor é anunciado em 17 de abril.

Fotógrafa ‘freelancer’, Maria Abranches trocou a Arquitetura pela Fotografia há cinco anos.

“Despedi-me em 2020, uma semana antes da pandemia. Acabou por correr bem, mas na altura foi um susto. Decidi fazer o curso de fotografia no Ar.Co, depois fiz estágio no Público e começaram a abrir-se portas”, recordou.

Maria Abranches espera que o prémio WPP lhe permita, acima de tudo, “continuar a contar histórias sobre mulheres”.

“Mas não tenho pensado muito no futuro. Tenho ideias para outras coisas que quero fazer, mas para já estou focada nesta história e no livro que vou lançar em abril”, afirmou.

A fotógrafa espera também que o prémio “abra portas para futuros trabalhos” e que lhe traga mais possibilidades para poder dedicar-se mais ao fotojornalismo e à fotografia documental. “Porque tenho de fazer outras coisas para poder sustentar-me, além destes trabalhos de paixão”.

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