‘Fraktur’ de Gilles Ribero, a coreografia de um Maestro
É um filme realizado pelo jovem Gilles Ribero, um estreante no mundo da realização; produzido pela conhecida escola Le Fresnoy, marca presença, este ano, na Competição Internacional de Curtas do IndieLisboa. Traz um novo olhar sobre a vida, com ideias refrescantes, significativas e espontâneas.
Os 18 minutos da curta-metragem dão-nos um longo sentimento; de coexistência, de imensidão. Narram quase que um monólogo só, uma dança solitária de um Maestro em palco. Este envolve-se na música que o rodeia, e gesticula intensamente como se algo o preenchesse. É um filme que nos apresenta uma simples equação, cujos resultados são amplos e significativos. A ideia é inteligível; já aquilo que sentes sobre a ideia é altamente complexo e muito bem explorado.
O realizador segue aquilo que a música de Strauss lhe traz – uma das obras do fim da vida do compositor. É uma música complexa, que combina diferentes estados emocionais, por vezes emoções contrárias, que a tornam pesada. Gilles Ribero explorou os efeitos e as sensações da música, e combinou-as com o gesticular do maestro. A melodia é um dos principais elementos para o filme, porque essencialmente lhe traz toda uma estrutura.
O Maestro movimenta-se de forma densa e estruturada, tem como função liderar os músicos da orquestra. Sem músicos, o maestro não é nada, não tem nada. Esta dança a que o maestro se compromete, adensa-se com o passar da música, respira e transpira melodia, fica-se pelas notas íntimas da pauta e de si. Fala-se sobre este baile solitário, este diálogo sozinho entre o maestro e si mesmo. Uma orquestra inexistente, e um maestro ermo em cima de um palco cheio, uma autêntica luta individual dele com os seus pensamentos e sentimentos.
Fraktur é o título do filme. Vem com um propósito: é uma fonte de letra gótica, que Strauss também usava. Parece escrita à mão, e marca uma espécie de silêncio; assim que Fraktur entra no filme, ficamos com uma fusão entre a música, o cinema e o texto. Nesta curta-metragem a imagem também é composta por texto, os planos textuais narram os estados de espírito do maestro. O texto traz a ideia íntima, como se fosse um livro, ou um diário, em que lemos os seus pensamentos, como se o realizador escrevesse à mão uma conversa entre o público, a câmara e o maestro.
A esta coreografia do maestro junta-se uma memória corporal de um corpo melódico, cheio de notas, uma lembrança ao automatismo da escrita à mão que se assemelha à arte que o maestro traz. São técnicas que nos tentam mostrar como resolver os nossos problemas de comunicação. Por vezes falamos, e falamos, e nada resolvemos; por vezes escrevemos, outras vezes ouvimos, muitas das vezes ficamo-nos só pela vontade de comunicar.
A solidão chega na escuridão, tal como está o público numa sala de espetáculo, em silêncio, em uníssono. O mestre é o maestro, é a figura que se vê e que dança numa artificialidade sobre algo bem real, a música. Para o maestro, também ele pessoa, tudo respira com música, a música é a 1º arte, e é a arte que chega mais rápido ao ser humano. Esta respiração existe porque o maestro ouve e faz aquilo que gosta, como que o vento que passa. “ … O vento é precioso, sem ele ficamos sem fôlego”.
Tal como a câmara, o maestro também parece um impostor. A câmara segue-o nos seus movimentos, de lá para cá. Por isso o objecto que se filma, e a câmara, têm uma grande ligação entre si. Por vezes parecem um só, outras vezes parecem distintas e distantes. A câmara reflecte o Homem e a sua imagem, os seus movimentos surgem de forma natural e orgânica, tal como a expressão e o movimento do corpo. Ambos se encontram no mesmo espaço, e por isso fazem parte da mesma realidade.
A música pára, o maestro desaparece, e a câmara recua nas calhas do charriot. Deixa o maestro na sua conversação solitária, numa dança onde por vezes os movimentos são também eles invisíveis.