Gobi Bear: ‘Queria que o meu disco fosse sobre a nossa casa e coração, que fosse feito no mais íntimo possível’
A propósito do último trabalho de Gobi Bear Our Homes & Our Hearts, a Comunidade Cultura e Arte sentou-se à conversa com Diogo Pinto o cantautor que encabeça este projeto. Falámos sobre o início da carreira, o novo trabalho e o quão pessoal este é. Houve ainda tempo para descobrir como as colaborações surgiram e também o que o futuro próximo de Gobi Bear nos reserva.
Em entrevistas anteriores dizias que começaste a tocar sozinho enquanto estavas em Lisboa a estudar, porquê?
Verdade, verdade. Não sei. Sou hiperativo, preciso de coisas para fazer. E vim para cá fazer o meu primeiro ano de universidade num curso de que entretanto me desacreditei, e então queria debruçar-me sobre alguma coisa que me ajudasse a abstraír-me um bocado de tudo, e ao mesmo tempo a concentrar-me nas duas. Eu tenho de fazer sempre muita coisa ao mesmo tempo. E tinha uma guitarra. Tinha comprado uma guitarra quando era adolescente mas nunca tinha aprendido a tocar. E comecei a tocar e comecei a fazer as minhas músicas ao mesmo tempo.
Nunca sentiste a necessidade de tocar num formato de banda?
Inicialmente até era o meu objectivo…eu fazia músicas para ter outra pessoa a cantá-las e eu…que estava a compôr instrumentais e letras, não me sentia muito à vontade para cantar. Entretanto saí de Lisboa, mudei-me para Coimbra nessa altura e pessoas que estavam à minha volta, amigos meus de longa data começaram a insistir que se calhar eu devia desistir dessa ideia de ser um duo, ou de ser um trio e ser só eu a solo. Algures nessa altura aconteceu um concurso de bandas em Guimarães e eu mandei uma música, uma gravação muito foleira que tinha com o telemóvel…e ganhei. E então foi tipo “bem”…senti-me à vontade. Aí tive que compôr…não foi assim tão simples…participei, toquei e aí tive que preparar um concurso de uma hora, numa altura que eu tinha tipo 20 minutos de música. Então tive que começar a compôr assim agressivamente. E foi muito fixe, senti-me super à vontade. Nunca estive tão nervoso na minha vida…quando vais para cima de um palco sozinho…Ainda por cima eu estava com um sistema muito diferente – estava a fazer loops e ao mesmo tempo com um bombo e pandeireta nos pés, e a tocar guitarra, melódica e harmónica. Montes de coisas, mesmo one-man band a sério. Depois entretanto desisti dessas coisas todas, acabei por reduzir um bocado aquilo que estou a usar. E depois sim, depois do concerto – e estava muito nervoso no concerto – quando acabou fiquei cheio de saudades automáticas de fazer aquilo, então comecei a querer tocar. Ao fim de uma dúzia de meses, já estava intuitivo.
O live-looping e este registo folk foi algo que surgiu por necessidade, ou já o querias fazer?
Não, surgiu como…o live-looping surgiu como solução para as músicas que eu estava a compôr. Aliás, duas músicas que ainda toco agora nesta tour são das primeiras que fiz e só funcionam com loops. Quando as compus não estava…não conhecia esse conceito…depois tive que ir descobrir, como forma de resolver problemas, aliás. Muito do que faço é a minha cabeça a querer criar alguma coisa e eu depois ter que, com material, resolver esses problemas. Não sou muito criativo nesse sentido, sou mais pragmático – sou muito engenheiro, sabes, tenho um problema e tenho que o resolver…só que não é com fita, é com pedais.
Antes de abordarmos o teu novo trabalho Our Homes & Our Hearts; Queria referir que em pouco tempo, já tens muito material. Porquê a necessidade de ser tão profícuo?
Não é actual…eu agora lancei este disco com a ideia…e isto é só uma ideia, porque na verdade isto pode mudar muito rapidamente, mas com a ideia de poder estar livremente a apresentar este concerto durante os próximos…um ano, se calhar dois anos. Acho que já disse isto uma vez e depois passado 6 meses lancei um EP…mas a ideia para já é essa. No início as coisas funcionaram de uma forma diferente: eu lancei o meu primeiro EP, que se chamava Demo, no final de 2011, e tinha 5 músicas. Lancei esse EP porque…ia dar…consegui para aí 5 concertos, assim de uma forma meio aleatória, lancei-me para alguns sítios, queria era passear porque tinha 19 anos, ou 20 anos, e queria era andar por a passear, e comecei a dar voltinhas pelo país de autocarro – ia a sítios e tocava aquelas músicas. Era um EP de 5 músicas e eu dava concertos de uma hora. Portanto, tinha mais músicas já…então, passado 4 meses lancei um novo EP, que se chamava LP, porque tinha muitas músicas. Nessa altura eu era jovem e gostava muito de inventar nomes engraçados, que eu achava que eram hilariantes para os discos; depois do LP lancei um que se chamava Mais Grande – e não era, era mais pequeno [risos]. Na minha cabeça isto era hilariante, eu estou sozinho na estrada durante muito tempo, por isso o meu sentido de humor começa a virar para dentro e não para fora. E estes 3 EP’s seguidos foram lançados todos no espaço de um ano. Por isso na verdade foram mais estes que fizeram a diferença nesse tipo de composição profícua, como disseste. E eles acabaram por surgir porque eu estava constantemente na estrada, e aí aconteceu tudo muito rápido nesse primeiro ano. Participei no [Festival] Termómetro, e fui Novo Talento FNAC, e tive no Bons Sons, e numa série de outros festivais a tocar. Isto foi tudo numa fase em que, para mim, ainda estava…sabes…eram os meus primeiros concertos. Então a partir daí tive uma necessidade muito rápida, de, no ano a seguir a esse estive a fazer a minha primeira tour europeia, tive muita sorte de ter muita gente a apoiar-me no que eu gostava de fazer, e eu era muito jovem e tinha muito tempo porque estava a fazer a Licenciatura então podia não ir às aulas, não é? Então…abusei. Não acho que tenha abusado no mau sentido, abusei porque podia, e fiz muito bem. Se fosse agora não conseguia, já não tenho capacidade física nem mental…estou no quarto dia de tour agora e estou a morrer, já. [risos]
Relativamente a esta tour europeia, qual foi a maior diferença que sentiste entre tocar lá fora e tocar cá?
Não sei se há assim nada de outro mundo. É muito diferente, o público é muito diferente, mas sei lá, é impossível descartar as coisas óbvias, as barreiras linguísticas e culturais – apesar de ser dentro da Europa, existem muitas – eu sempre que vou a concertos cá em Portugal, de bandas estrangeiras, dizem todas que o público português é muito caloroso, mas eu senti o mesmo na Europa toda, não senti grande diferença – se calhar tive sorte. Aliás, estranhamente, o público mais caloroso que eu tive foi na Suécia! Ao lado do Português. É diferente também, não é, não sei se é dos concertos…em Portugal tive para aí 250, então, por isso…é claro que já tive muitos concertos com público menos caloroso em Portugal também. É muito difícil de comparar, acho que precisava de fazer 300 concertos em cada país para te conseguir comparar, não é bem assim…para ter uma amostra científica [risos].
Relativamente ao teu último trabalho, Our Homes & Our Hearts, gostávamos de saber qual foi a tua inspiração – não necessariamente musical – mas onde é que te ancoraste para criar este disco?
É assim: em primeiro lugar é um disco que eu já estava a idealizar há muitos anos. Eu estive parado…eu lancei um EP que se chamava Bear – lanço muitas coisas em pares ou em trios, gosto de ter muitas ligações entre as coisas que faço. O Mais Grande foi lançado no dia 5 de Novembro e o meu disco a seguir, que é o meu longa duração, tem uma música chamada November que fala do dia 5 de Novembro. E o meu primeiro longa-duração chama-se Inorganic Heartbeats & Bad Decisions e este chama-se In Our Homes & Our Hearts. Tem muitas estas ligações. Eu depois deste, do Inorganic lancei um disco chamado There e um chamado Bear, que eram duas brincadeiras com a mesma relação, com o nome…eu gosto muito de criar estas relações entre as coisas, e este disco tem muito essas relações, e nesse sentido é um disco que eu idealizava há muito tempo – queria um disco em que muitas músicas existissem aos pares: neste disco existe a Succumb & Peak e existe a Our Homes & Our Hearts, existe a About You e existe a About Time, existe a Sealion e a Fall, existe a Unloved, que são três músicas de um só nome que têm parceiras femininas – isto eram tudo várias coisas que eu queria que existissem já há muito tempo, sobretudo depois de terminar o meu primeiro longa-duração, quando fiz um disco em que quase nenhuma das músicas existia por si só, todas começavam ou terminavam com o início das anteriores. E isso entretém-me muito, sobretudo quando estou na fase de compor um disco grande, sozinho ou quase…então, no caso deste mais ainda, porque neste fui que fiz tudo: fui eu que fiz a gravação e a produção e o aspeto gráfico foi todo pensado com a Catarina, que é a minha namorada, e é ela que está na capa, e foi ela que fez as fotografias todas, e o artwork, então foi…o disco foi todo criado mesmo no nosso quarto; as gravações foram todas feitas no quarto, as convidadas vieram todas para o meu quarto gravar…só não tirámos a fotografia no quarto porque não temos aquele pontão no quarto e tivemos de ir até Gaia. Mesmo assim foi só atravessar o rio, que era para ser perto. E queria que o meu disco fosse sobre a nossa casa e o nosso coração fosse feito no mais próximo, sabes, no mais íntimo possível – e foi. Esse foi o conceito.
Vou pegar numa coisa que disseste, que era a minha próxima pergunta, que é relativamente às colaborações. Portanto, disseste que foram colaborações femininas – a Emmy Curl, a Surma, e Helena Silva – e gostava de saber como é que isto aconteceu. Foi convite, querias especificamente estas pessoas para estes temas que já tinhas idealizado, ou foi muito orgânico e não tão intelectualizado?
Era muito engraçado se eu te dissesse que não eram as primeiras escolhas e elas iam adorar [risos]. Não, foram todas as primeiras escolhas. Como é que surgiram: a Surma e a Helena eu já conhecia há algum tempo, e já tinha vontade de colaborar com elas há algum tempo também. Já as conhecia pessoalmente. Na altura a Surma estava a dar os primeiros concertos, e foi muito fixe, porque foi assim num dia em que ela veio ao Porto tocar, e eu tinha-lhe ligado no início da semana a dizer que tinha uma música e queria que ela cantasse, e ela é super-querida, foi logo tipo “Ya, bora!”. Então ela no dia a seguir de manhã acordou, foi lá a casa e eu mostrei-lhe a música – ela não tinha ouvido a música ainda. Mostrei a música, já estava quase toda gravada, e ela cantou. E foi só isto. Foi-se embora. E depois ela só ouviu a música quando saiu como as pessoas normais porque eu não tenho preferidos. A Helena já conhecia há mais tempo porque ela também anda há mais tempo na estrada com os Indignu e eu já tive a produzir…tinha gravado já uma música dela, de uma altura em que ela teve a ideia de ter músicas a solo. E eu gravei uma música dela, lá em casa, e fiquei com a ideia que, já que estávamos a preparar alguma coisa e eu tinha a Fall, que é uma música feita em duas partes – uma parte agressivamente instrumental e uma parte agressivamente despida, que é como funciona ao vivo. E senti sempre a falta de…queria ter ou um violino ou um trompete a acompanhar-me na minha segunda parte, mas a minha grande preferência era um violino, e…ela estava lá em casa e tinha um violino…e eu…olha, vamos, já agora. Então ela improvisou, por cima daquela música fez a gravação na hora e ficou assim, foi muito fixe. Sou muito fã da música da Emmy Curl há muitos anos, e a internet é um universo muito fixe porque uma vez ela encontrou-me no Facebook e mandou-me uma mensagem – nós nem nos conhecíamos – a dizer que tinham estado amigos em casa dela, ou assim, e alguém tinha levado um CD com a minha música, ou tinha estado a ouvir a minha música e que tinha gostado muito…que foi assim um dos grandes momentos fanboy da minha vida. E a minha resposta foi: “Uma dia vamos ter que cantar uma música juntos”. Para aí 3 anos depois disso, eu lancei um disco e tinha uma música que era a Unloved, que estava só meia escrita. Era só um ponto de vista de uma questão. E eu gosto muito da escrita da Emmy…então eu mandei-lhe a música. Então ela compôs a segunda parte da música como forma de resposta àquilo que eu tinha feito. Calhou numa altura muito boa, muito própria da vida dela porque aquilo fazia algum sentido com coisas que lhe estavam a acontecer. Então surgiu uma coisa muito verdadeira e muito bonita. Depois disso tornámo-nos bons amigos, agora somos vizinhos no Porto…e na verdade das três é com quem eu tenho uma relação mais próxima. O que até é engraçado tendo em conta que quando fizemos as gravações era a única que eu não conhecia pessoalmente…só de ter visto concertos dela e assim. Não há nenhuma razão em particular por serem todas colaborações femininas – na verdade nunca tinha feito – as únicas que tinha feito eram com o J-K, fizemos duas músicas juntos, uma versão da Canção de Engate que está num disco meu, e um instrumental que eu fiz para uma música dele do novo disco, que é o single, a Despedida, que é muito bonita. Gosto muito de colaborar com pessoas com quem eu sinto que de alguma forma as nossas auras se encaixam, e achei particularmente engraçado começar a fazer colaborações como o J-K há uns anos atrás por ser tão longe daquilo que eu faço. E correu muito bem, gosto muito. Continua a ser das minhas colaborações favoritas. Para este disco não queria homens. Foi só mulheres.
E a Planalto como é que surgiu?
Um dos músicos da Planalto é o Gabriel Salgado, que tem um projecto de one-man band que se chama Ana. O Gabriel é meu amigo desde o 10º ano – tivemos a nossa primeira banda juntos, e coloco todas as aspas que consigo na palavra banda, demos um concerto no Sarau da escola, que foi…não há adjetivos maus suficientes para descrever aquele concerto. Eu tocava guitarra há…uma semana, se calhar. Mas isto não é a parte fundamental, ele é um pianista fenomenal, ele toca muito bem piano…e esteve a viver em Coimbra também uns anos, e em Coimbra não tinha nenhum piano em casa, então emprestei-lhe uma guitarra, e ele começou a tocar guitarra. Começou a fazer músicas muito bonitas e muito inspiradas na guitarra, arranjou um pedal de loops, começou a fazer músicas ainda mais bonitas e ainda mais inspiradas. E eu estive durante vários anos a insistir que ele devia começar a gravar aquelas coisas, começar a dar concertos…porque para outras pessoas para além de mim e de mais para aí 6 amigos precisavam de ouvir aquilo. E ele nunca achava que as coisas estavam finalizadas, ficava assim sempre muito retraído com a ideia de mostrar aquilo a outros…até que no Verão de 2016, portanto, há coisa de ano e meio atrás, obriguei-o: fiz-lhe um ultimato, para ele ir a minha casa no Porto – tenho um estúdio em casa. Ficava lá uma semana, gravávamos o disco, eu produzia o disco, eu ia lançá-lo, eu ia marcar-lhe concertos, para ele começar a tocar. Porque estava farto de ele não estar a fazer isso. A Planalto surgiu sobretudo para aquilo – também porque na altura eu estava labelless e tinha acabado o meu mestrado, portanto os meus dois anos hiato estavam a terminar, e eu ia lançar também o meu EP, e queria começar a dar concertos e sentia que podia fazer sentido nós os dois estarmos agregados sobre um coletivo ou uma editora. Depois essas coisas evoluíram muito rápido: comecei a ter muitos amigos da área de música que começaram a rever-se na estética que estávamos a pensar, ou que se podia estar a mostrar mesmo sem a nossa intenção. E as coisas evoluíram muito rápido desde aí: isto agora passou um ano…já temos 9 edições da Planalto, que é uma brutalidade! [risos] Agora, 10 nomes, 10 bandas. Tanto coisas novas ou quase inéditas como alguns nomes que eu gosto muito e sigo já há muitos anos, como o David Lobão, vocalista de Bisonte, e como Daily Misconceptions. Então está numa altura muito feliz: aquilo basicamente somos um coletivo/editora todos ligados por esta estética e vontade de fazer coisas.
Para terminar a curto-médio prazo, musicalmente, quais são os teus projetos? No espaço de um ano, dois, é para continuar Our Homes & Our Hearts, já disseste que não sabes se daqui a 6 meses irá aparecer outro projeto.
Até para a semana já…eu nunca sei. [risos] O plano é agora apresentar este disco como Gobi Bear. Estou a construir este conceito, ainda estou numa fase muito inicial desta tour em que ainda estou a criar aquele que é o meu espaço para conseguir apresentar, na melhor forma possível o Our Homes & Our Hearts, e…irei atingir isso nos próximos meses. Vou andar a tocar, tenho muitos concertos marcados…vou a Espanha, este ano, quero começar a tocar mais em Espanha.
Porquê Espanha?
Porque é perto. [risos] Moro no Porto, a Galiza é pertinho. E depois quem está na Galiza está nas Astúrias, e…é sempre perto. Já lá fui uma vez e gostei muito da experiência e quero muito voltar. Então vou lá já em Fevereiro. Vou no próximo ano começar finalmente os concertos com O Doido e a Morte, que é a minha outra banda – a minha banda que começou antes de Gobi Bear, uns meses antes…em Coimbra, e temos um EP lançado em 2015, o que é muito fixe, só que nunca tocámos ao vivo porque estivemos sempre a viver longe. E agora ele é meu vizinho da porta ao lado no Porto, mora no mesmo prédio que eu…e então, é agora. Estamos a fazer ensaios intensivos, estamos a fazer montes de músicas e estamos confiantes que este ano vão começar concertos e vamos ter uma edição nova. Vou andar a tocar muito com a Mathilda, estamos na final do Festival Termómetro, no [Cinema] S. Jorge, e temos muitos concertos para tocar este ano, vai ser muito fixe. E continuar a fazer com que a Planalto fique maior e melhor, e tentar que todos lá dentro tenham mais e melhor. Parece-me OK.
Entrevista com a colaboração de João Rosa