“Good Luck Everybody”, dos AJJ: um péssimo 2020 a todos

por João Diogo Nunes,    31 Janeiro, 2020
“Good Luck Everybody”, dos AJJ: um péssimo 2020 a todos
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Os AJJ — anteriormente conhecidos como Andrew Jackson Jihad — têm um estilo bem próprio, ora pelos temas sociais que abordam, ora pela sonoridade folk que transmitem com guitarras acústicas quase sempre presentes. Depois do curto EP Back in the Jazz Coffin em 2018, Good Luck Everybody é o novo trabalho da banda do Arizona e continua o típico perfil AJJ: um anti-folk fatalista e depressivo com uma pitada concentrada de resignação.

O disco começa com “A Poem”, que se caracteriza pela letra de marca da banda com reviravolta humorística acerca da relação entre poesia, música e audiência, tudo acompanhado por uma pandeireta e uma melodia contrastante que cria um efeito bastante curioso. “Normalization Blues” é uma grande faixa de blues com vocais a condizer e rendilhados de guitarra a albergarem o comodismo da era digital e o governo americano, temas que, à semelhança de todo o álbum, são entregues de forma pessimista. Em “Body Terror Song” temos umas descaradas cordas percussivas a assinalar o ritmo numa música tão deprimente quanto engraçada. Teclas e reverberações de voz fazem um circo no meio acolchoando o refrão memorável “I’m so sorry that you have to have a body” até ao extraordinário final com interferências digitais. Passando para “Feedbag”, tambores estereofónicos por cima de paisagens sonoras pesadas e de acordes esporádicos geram uma música austera que vem ter um efeito lounge na listagem, que, por usar menos cordas, prepara a chegada de “No Justice, No Peace, No Hope”, toda em piano e voz. Esta inicia-se com um verso de destaque imediato: “The lake of dead black children that America created”, após a qual a narrativa continua até ao título da música no fim. É uma canção sentida que forma a artéria central do álbum.

AJJ / Fotografia de AJJ

A sexta faixa, Mega Guillotine 2020, é mais lenta e relaxante, mas consegue demonstrar de uma forma mais macabra a insatisfação com a administração americana (e tem um videoclipe bem engraçado). O título refere-se a uma hipotética mega guilhotina e no espaço criado por este tema “Loudmouth” ataca subitamente. Aqui, Sean Bonnette coloca-se na pele do músico intervencionista comum e compara-se a ele numa faixa de rock mais rápida e de interpretação mais normalizada. “Maggie” é mais melódica e afastada, com a sua interpretação ajuda a relembrar que ainda estamos num álbum da banda, ainda que o final mais barroco com reco-reco lhe misture um novo fôlego, um bom exemplo da evolução.

Apesar de este tema ser mais monótono, prepara a cama para o míssil que se segue: “Psychic Warfare”, a faixa estrela do disco. É curta e direta, agudiza e centraliza as ideias; a composição épica mais orquestral mostra que é aqui que a intervenção atinge o auge. É quase um Manifesto Anti-Dantas, neste caso anti-Trump. É uma faixa exuberante, confiante e cheia de identidade. Mostra a diversidade sonora e capacidade de composição e de evolução da banda e fica connosco bem depois de acabar, algo que não demora em acontecer. De seguida, “Your Voice, as I Remember it” é música de elevador para o que ficou da excelente faixa anterior. Mais repetitiva e neutra, denota uma escolha ideal de alinhamento ao ser colocada neste ponto da tracklist. “A Big Day For Grimley”, por fim, consagra a sátira numa música altamente folk com bandolim, banjo, assobios e um coro ao estilo gospel. É uma faixa genialmente composta que nos relembra de que 2020 vem aí e, tal como o ano anterior, vai ser uma valente porcaria — boa sorte a todos!

Feitas as contas, são 27 minutos de álbum divididos em músicas curtas e poderosas, como nos habitou a banda. Os comprimentos das músicas são perfeitos, as que precisam de mais tempo (“No Justice, No Peace, No Hope” e “A Big Day for Grimley”) têm mais tempo e estão no meio e no fim, as com mais impacto (“No Justice, No Peace, No Hope” e “Psychic Warfare”) têm uma escadinha de duração de faixas anteriores a antecedê-las, uma descendente e outra ascendente. Pode ser coincidência, mas parece ter efeito na dinâmica geral do disco. Destaque também para a interpretação de Sean Bonnette, como sempre, com as suas mudanças de tom repentinas e ataques subtis ao microfone que fazem toda a diferença — não podia ser mais ninguém a cantar isto. Esta interpretação crua pode não ser para todos, e já se sabe que o elevado valor acústico da banda exala ruralidade e é sempre um gosto adquirido para quem está pouco familiarizado com o caos da música tradicional ocidental. Apesar da qualidade musical e lírica, a produção fica ligeiramente aquém, e esta é das poucas queixas que há a fazer. Com mais sons digitais e paisagens sonoras, afastam-se ligeiramente do som que os caracteriza. Mas ao mesmo tempo, a variedade entre as músicas parece ter melhorado — são estes dois fatores que justificam a inclusão de Good Luck Everybody entre os melhores álbuns da discografia da banda.

Good Luck Everybody é excelente. A composição é inventiva, florida e extremamente dinâmica. Como um todo, o álbum funciona exemplarmente, com um alinhamento muito bem conseguido (já que as durações das músicas ondeiam sensualmente para criar uma experiência auditiva completa e sinérgica), uma interpretação incrível de Sean e letras comunicativas recheadas de humor e foco. A nível das letras, não é o melhor trabalho da banda, mas a nível de consistência poderá muito bem ser. Para além disso, é multifacetado e consegue expandir o território estilístico do grupo. Para os fãs, este será um ótimo regresso, talvez não tão apelativo como o disco de culto People Who Can Eat People Are the Luckiest People in the World, mas não deixa de ser uma proposta fantástica e recheada de bons momentos de escrita e música, bem ao estilo folk-punk de intervenção da banda. 2020 chegou, é tudo igual, amigos. Boa sorte.

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