‘Green Twins’ de Nick Hakim mostra a beleza inerente à tristeza de viver
A tristeza é um sentimento tremendamente explorado na música. Há infinitos exemplos que poderiam ser referidos, essa emoção já foi e certamente continuará a ser abordada em incontáveis músicas sobre corações partidos, sobre a morte e o seu efeito nos que cá ficam, ou sobre algo tão simples como um dia mau, em que por momentos o mundo desabou. O ouvinte revê-se no autor, é estabelecida uma relação de empatia com uma melodia, uma letra, um acorde que soa mais soturno, e deixamo-nos levar pelas notas que melhor se adequam ao nosso estado de espírito. Na exploração sonora da tristeza, Nick Hakim destaca-se.
O artista norte-americano já sentiu essa profunda mágoa na pele: filho de pais emigrantes, a sua adolescência foi marcada por dificuldades de aprendizagem e exclusão social, saltitando de escola em escola e repetindo um ano. Mas Hakim encontrou na música um aliado poderoso e revitalizador, acabando por ser aceite na aclamada Berklee College of Music, também frequentada por outros prestigiados músicos como Esperanza Spalding, Steve Vai ou St. Vincent. Durante o seu tempo em Berklee, Nick lançou o seu EP Where Will We Go, um EP bonito que não abraça limites diferentes, é convencional na sua formosura e na maneira como a voz sedutora de Nick brilha no meio dos instrumentais delicados e por vezes aguerridos. Há uma atmosfera taciturna em várias das músicas acoplado a um encanto jovial: “Cold” mostra o seu neo-soul descontraído com uma atmosfera blues bastante afectiva, alegre na sua tristeza, e na emocional balada “I Don’t Know” Nick questiona a amada que partiu e contempla o seu estado de espírito com um solo conclusivo e semelhante a um choro. Finalmente, “The Light” mostra um pouco do caminho que liga este EP ao álbum que lança este ano, Green Twins. Tem uma sonoridade semelhante e podia facilmente fazer parte deste projecto.
A faixa título inicia Green Twins da melhor forma possível. O coro temerosamente “profético” sobe de intensidade até entrar a voz suave de Nick acompanhada de um teclado assertivo, uma música triste que eleva a sua atmosfera depressiva com um psicadelismo inerente. Nota-se a fragilidade de Nick, é uma flor delicada no meio do ambiente psicadélico que o circunda (“I admit inside me lives fear/Fear I never wanted to show you”), e a sua voz destila-se no meio das batidas que produz. A sonoridade psicadélica é reminiscente de bandas como Unknown Mortal Orchestra e a melodia vocal de Hakim em “Roller Skates” lembra a voz de Ruban Nielson, o vocalista dessa banda. A batida soa digital, a guitarra arranhada traz o rock para esta música e complementa fielmente a voz “suspirada” e engolfada em efeitos, com um glorioso esforço vocal de Nick a certa altura que transcende a música, um cantor tímido e reservado mas que denota grande sentimento.
É fantástica a maneira como Nick consegue tecer melodias e músicas tristes que soam tão bem, e os momentos mais incríveis em Green Twins são sem dúvida os mais tristes. “Cuffed” fala sobre uma rainha, alguém importante para o autor, mas o pad tristonho e a bateria expressiva denotam um tom sério e agridoce, contrário, que nos leva a concluir que a história que conta provavelmente não teve um desfecho feliz. “Miss Chew” é verdadeiramente bela, conseguimos perfeitamente imaginar Hakim a compôr a música sozinho num dia de chuva, olhando de forma soturna para a janela de vez em quando. Os sopros elevam o sentimento, frenéticos na sua entrega e tristemente agressivos. “Bet She Looks Like You” soa a declaração de amor em desespero e todos os seus elementos revelam uma simbiose musical prazerosa: o solo encharcado que é cordato e recatado, o xilofone que mostra a inocência do amor, o suspiro final de guitarra que soa distante mas tão perto do coração, o timbre vocal de Nick que espelha dor… E em “The Want” os tristes “latidos” melódicos de Hakim são acoplados a uma batida digital que eleva as palavras magoadas do vocalista, que fala sobre um querer que o próprio autor não está certo de desejar (“I wanted her/She wanted me/ It’s a mistake/ At least I want it to be).
Há uma comunhão entre música bem produzida e um sentimento honesto e verdadeiro, que transparece de forma confiante para os ouvidos. Por vezes são simples pormenores mas fazem toda a diferença: a batida “urbana” de “Farmissplease” e o seu riff encantador, a batida que começa meio tribal de “Those Days” alimentada a sopros, com uma sentida nostalgia assombrada pelo já habitual véu da tristeza, e uma instrumentação de cordas discreta mas potente na descarga emocional. No entanto, há espaço para músicas mais animadas pois não só de tristeza vive Nick Hakim. “JP” termina o álbum de forma excelente, com o assobio leve e agradável ao ouvido, com mais uma batida digital muito bem construída. Ao estilo do cantautor, a música começa calma, mas depressa evolui para um turbilhão de percussão distorcida, suspiros vocais potentes e um ambiente alegremente caótico. “TYAF” também mostra uma atmosfera mais descontraída e sem a aflição característica de Green Twins mas o tema é mal explorado, acaba depressa sem expôr os seus principais atributos como deve de ser.
A música é uma linguagem universal, tal e qual como a tristeza é uma emoção comum a todos os seres humanos que sentem. Em Green Twins, Nick Hakim consegue transpôr a sua dor de alma para a música de uma maneira magnífica, aliando a sonoridade ao estado de espírito de forma fiel e cativante. Álbuns como este são assustadoramente belos, deixam-nos receosos mas ao mesmo tempo confortam, porque sentimos que não estamos sozinhos na nossa dor e sentimos a coragem que advém de exprimir os aspectos menos bons da vida com uma harmonia sonora incrível a espelhar essas emoções. Green Twins eleva os dias cinzentos a um patamar “prazeroso” e mostra-nos que a tristeza também tem o seu encanto.
Músicas preferidas: “Green Twins”; “Roller Skates”; “Cuffed”; “Miss Chew”; “Those Days” e “JP”
Músicas menos apelativas: “Needy Bees” e “TYAF”