Greg Sestero: “O Tommy (Wiseau) nunca teve a oportunidade de ser levado a sério como ator”
Greg Sestero foi o convidado de honra da última Sessão de Culto, organizada por Filipe Melo no Espaço Nimas. Ao longo deste projeto, alguns dos maiores clássicos do cinema ‘de culto’ foram exibidos ao público no Nimas, numa quarta-feira aleatória de cada mês. Chegou ao fim uma parceria de um ano entre Filipe Melo e a Medeia Filmes, que trouxeram aos ecrãs filmes como El Topo, Gremlins ou The Fearless Vampire Killers, e onde personalidades como Zach Galligan e agora Greg Sestero deliciaram os fãs com sessões de perguntas e respostas, bem como apresentações e factos curiosos sobre os filmes onde estavam envolvidos.
Ditou o destino que estas sessões haviam de acabar tal como começaram: com a visualização do clássico The Room, considerado por muitos como o melhor mau filme algum dia feito, e que ganhou a carinhosa alcunha de O Citizen Kane dos maus filmes. Greg Sestero interpreta Mark em The Room, o melhor amigo do personagem principal, Johnny (Tommy Wiseau), que se encontra dividido entre a amizade que nutre por ele e a tentação de estar com a futura noiva do mesmo, Lisa (Juliette Danielle). O ator veio promover o filme, bem como o seu livro The Disaster Artist, que foi alvo de uma adaptação cinematográfica com a realização e o protagonismo de James Franco. Conversámos com o ator sobre todos os seus projetos. Podes ler a entrevista aqui:
Estás aqui para promover o teu livro, The Disaster Artist, que conta a história de The Room, bem como as aventuras que a ele levaram, e as curiosidades de backstage. Começando pelo início, como é que tu e o Tommy (Wiseau) se conheceram, e como acabaram por trabalhar juntos?
Conheci o Tommy numa aula de representação em São Francisco, por muito estranho que pareça (risos). Tinha 19 anos; o Tommy estava a representar na aula, e a discutir com o professor e toda a gente estava com um ar de incredibilidade na cara, com certeza a pensar «quem é este homem?». Era misterioso e parecia-se com um vampiro. Por outro lado, eu fiquei fascinado com o que teria levado este homem a querer ser um ator, e o que o levava a ter a confiança para discutir com o professor quando ninguém o tinha feito ainda, e então quis conhecê-lo, e abordei-o para fazermos uma cena juntos. Acabámos por funcionar juntos de uma maneira muito bizarra; ambos queríamos ser atores mas não éramos aceites no nosso meio e nas nossas vidas, e isso de certa forma uniu-nos imenso.
O que alimentou a ideia de fazerem o vosso próprio filme, The Room?
Tinha-me mudado para Los Angeles para tentar a minha sorte como ator, isso inspirou o Tommy a mudar-se para Los Angeles também, e estávamos a viver como colegas de quarto. Ele não era de todo aceite por Hollywood, e então pensava «a única maneira de eu ter uma oportunidade é se fizer o meu próprio filme». Eu também estava a passar por dificuldades na altura, e ele convidou-me para participar nesse projeto, para fazermos um filme juntos.
Foste chamado à última hora para substituir um outro ator que já tinha sido escolhido para interpretar o papel de Mark. O que te fez aceitar esse convite, e o que te fez permanecer no projeto?
Já tinha aceite ajudar o Tommy atrás das cenas, como parte da equipa técnica. Ele tinha escrito o papel de Mark para mim, mas eu não quis fazê-lo. Ultimamente aceitei fazê-lo quando na noite anterior ao primeiro dia de rodagens o Tommy disse que se eu não fizesse o The Room, seria o pior erro da minha vida. Disse que me arranjava um carro novo. E eu pensei que se já ia estar no set, porque não entrar no filme? Pensei que ninguém ia ver o filme, que eu ia ter um carro novo, e que podia seguir em frente com a minha vida.
Porque estavas relutante em aceitar o convite de Tommy à primeira?
Porque… li o guião e sabia que o Tommy tinha uma maneira muito peculiar de fazer as coisas. Quando estás a começar, estás sempre um pouco nervoso e relutante em participar em algo tão diferente, e achei sempre que algo maior poderia aparecer a qualquer momento.
Quando viram a versão final do filme, e estando no cenário no dia-a-dia, algum dia imaginaste que o filme poderia vir a tornar-se tão grande como se tornou? Ou achaste que ia ser um desastre total?
Honestamente nem pensei que chegasse a ser lançado. Pensei que fosse ser mostrado apenas numa sala, se tivesse sorte, e que nunca mais veria a luz do dia. Tinha mostrado a filme a família e amigos e rimos durante todo o filme, e pensei mesmo que nunca seria lançado.
Alguma vez quiseste abandonar o projeto?
Tornou-se muito exaustivo para o final, mas era uma daquelas coisas que querias acompanhar até ao fim, para perceber se algo tão anormal conseguiria de facto chegar ao fim.
Como era um dia normal no set do filme?
Muito caótico. Nunca sabias o que ia acontecer a seguir, se a equipa técnica inteira se ia despedir nesse dia, ou se íamos alterar um ator… Todos os dias eram uma experiência nova.
Sobre o teu livro, The Disaster Artist. O que podemos encontrar no livro que não percebemos ao ver o filme?
O livro é ultimamente sobre a amizade improvável entre o Tommy e eu, que levou à existência do The Room. Acho que é mesmo uma história universal, no sentido de que é sobre a perseguição de um sonho, sobre nos sentirmos alienados. Acho que se viste o The Room, vais perceber que a história por detrás dele é ainda mais inacreditável, mas ao mesmo tempo que por trás de tudo o que o The Room tem de mau, encontra-se uma história muito humana sobre pessoas a tentar concretizar os seus sonhos. Acho que é uma das histórias mais bizarras de Hollywood.
O teu livro teve uma adaptação cinematográfica que está quase a estrear mundialmente. James Franco é o cérebro por detrás dessa adaptação. O que tens a dizer sobre esta adaptação? Vai fazer justiça ao que escreveste, e acima de tudo viveste, em The Room?
Acho que o James (Franco) foi a pessoa perfeita para adaptar o livro, porque tal como eu, ele entende a que sabe mudarmo-nos para Hollywood para tentar sermos atores, e todo o esforço e luta nisso envolvido, o desafio mental de nos mantermos focados nos nossos sonhos quando nada indica que lá chegaremos. O James também compreendia o Tommy em muitas coisas, e fez um filme que é fantástico e que captura a essência do livro, a insanidade por detrás do The Room. Ele interpreta o Tommy e apresenta-nos com uma performance brilhante, como não vi em anos, e dá vida a este personagem que mesmo pessoas que nunca tenham visto o The Room vão achar fascinante.
Como está a equipa, e especialmente o Tommy, a lidar com o facto de nesta adaptação todos serem caracterizados como péssimos atores?
Acho que toda a gente está muito surpreendida pelo facto de termos chegado a isto passado tanto tempo, a falar do filme passados 15 anos, é surreal. Todos estamos completamente abismados com tudo o que aconteceu desde a estreia do filme, e isso inclui o livro e a adaptação. Sinto um clima de entusiasmo à volta deste projeto.
Quando, e porque achas que The Room se tornou neste sucesso de culto?
Acho que nunca se tinha visto algo assim, e sinto uma resposta orgânica e natural do público quando se sentam e vêm o filme. Sinto que o público consegue perceber o tamanho da paixão por detrás do filme, mesmo que este seja executado de uma maneira tão… péssima, do ponto de vista quer do público quer dos profissionais da indústria. Há uma paixão por detrás do filme que na minha opinião é muito cativante e cómica ao mesmo tempo, sinto que nunca existiu nada como isto e acho que é uma experiência comunal que não consegues obter em mais lado nenhum.
Este deve ser uma ótima altura para ser Greg Sestero. O teu livro está a voar das prateleiras, o The Room continua a encher salas, mesmo passados 15 anos, e tens outro filme a caminho, Best F(r)iends, que te reúne ao Tommy. Sobre o que é este teu novo filme?
É baseado em experiências reais que tive com o Tommy, numa roadtrip. É sobre duas pessoas que não se adaptam e que estão à beira de um colapso emocional e mental. Estas pessoas conhecem-se e montam um negócio que põe a sua amizade à prova. Fizemos algumas projeções de teste e as pessoas ficaram muito surpreendidas quanto a quão bizarro e diferente do The Room este filme é. Sinto que o objetivo para este filme foi o de escrever uma história onde o Tommy se conseguisse inserir e ser levado a sério como um ator, pois acho que ele nunca teve essa oportunidade.
E foi fácil?
Foi muito mais divertido desta vez. Foi uma dinâmica diferente, e sinto que o filme está a dar aos fãs uma nova aventura após todos estes anos. Eles deram-nos tudo durante 15 anos, ao ver este filme vezes e vezes sem conta, e senti que quis dar-lhes algo diferente.
O que traz o futuro para Greg Sestero?
Quero continuar a criar. Aprendi com esta experiência que o The Room me deu uma oportunidade de me manter criativo. Tive a oportunidade de escrever um filme sobre ele, de viajar e conhecer muitas pessoas fantásticas, e ter o luxo de conseguir continuar a fazer coisas é muito gratificante. Acho que começas uma carreira a pensar que queres ter fama e fortuna, mas a verdadeira felicidade neste ramo vem de estar no cenário, a colaborar com as pessoas, e a criar coisas novas.