Gus Van Sant perdeu-se em ‘Don’t Worry, He Wont Get Far On Foot’

por Paulo Portugal,    21 Fevereiro, 2018
Gus Van Sant perdeu-se em ‘Don’t Worry, He Wont Get Far On Foot’
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Gus Van Sant aborda a vida do artista John Callahan, que ficou tetraplégico depois de um grave acidente de viação em que seguia alcoolizado com um amigo. E que posteriormente encontrou superação para a sua condição ao transpor para o papel a sua visão ácida do mundo, naturalmente reforçada pela forma como passou a encará-lo. Em 1989, o cartunista Callahan compilaria as suas memórias no livro Don’t Worry, He Wont Get Far On Foot que agora Van Sant adapta, sobre este autor politicamente incorreto, mesmo que seja num filme politicamente correto.

O principal problema desta produção da Amazon Studios e que está presente na competição do Festival de Berlim para o Urso de Ouro, e depois já da sua passagem por Sundance, é precisamente a sua aposta em explorar o percurso dos 12 passos em sucessivas reuniões dos Alcoólicos Anónimos. Apesar de ser aí também que temos o melhor do filme na prestação séria, quase zen, do incorrigível cómico Jonah Hill. Vemos também nesse grupinho de quatro ou cinco alcoólicos em recuperação a presença de Udo Kier, ele que se tem especializado em pequenas participações (e que tem em Berlim outro filme em competição Figlia Mia, de Laura Bispuri). E é nesse processo que passamos mais de metade do filme em que também se destila a ausência da mãe que o deu à adopção.

Perde-se tanto tempo nestas coisas, e desta forma, que quando é abordada a arte de caricatura de Callahan já se perdeu parte da dimensão do autor controverso. E que teria tanto para dar. No entanto, ainda teremos de passar pelo penoso circuito de superação de Callahan. Em todo o caso, a parte pior é nunca conseguirmos tempo necessário para desfrutar das suas caricaturas já que mal temos para uma leitura rápida. É pena, pois são temas complexos como estes que mereciam uma atenção mais cuidadosa.

Mas há mais coisas que funcionam em favor de um filme mainstream e não do estilo mais indie do realizador de Portland. Por exemplo, torna-se difícil aceitar Phoenix como credível num papel em que Callahan tinha apenas 21 anos, que é por exemplo a data do seu acidente. Ele que tem praticamente o dobro da idade. Só mesmo com uma peruca ridícula num ator com estatuto de Óscar. Por outro lado, a intencional banda sonora de Danny Elfman apenas figura de corpo presente de modo acentuar os momentos mais emotivos. Teremos ainda Rooney Mara como a sua namorada, algo deslocada e pouco credível, depois de se deixar seduzir durante o trabalho de terapia com John no hospital.

Ao contrário de Milk, o outro filme biográfico de Van Sant, que mereceu algumas nomeações para os Óscares, valendo mesmo a consagração de Sean Penn, justificada pela forma como se afirmou como luta por uma causa, esta nova tentativa de chegar a esse patamar acaba tolhida neste formato preguiçoso. Por isso, mesmo quando não se resiste à tentação de mencionar Phoenix para uma possível nomeação aos Óscares de 2019, apetece dizer, pedindo emprestada a ironia de Callahan, não se preocupem que o filme não merece ir assim tão longe…

Artigo escrito por Paulo Portugal em parceria com Insider.pt

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