“História de um Homem Comum”, de George Orwell: a história do Homem moderno

por Pedro Lopes Adão,    18 Maio, 2022
“História de um Homem Comum”, de George Orwell: a história do Homem moderno
Capa do livro

“Vir à tona da água para respirar”, título que, talvez, fizesse tanto sentido como “História de um Homem Comum” — a escolha é de Jacinta Maria Matos e manifesta-se um excelente exercício de análise de conteúdo, em detrimento de moldes fixos de uma estrutura tradutória.

Quem é este Homem comum? Orwell apresenta-nos George Bowling, o mais simples, embora exigente, dos homens. Para Bowling: “O passado é curioso. Está sempre connosco, não passa uma hora em que não nos lembremos do que aconteceu há dez ou vinte anos, mas a maior parte do tempo não é real, só uma série de factos conhecidos, como os que vêem num livro de história. E de repente, uma cena, ou um som, ou um cheiro, sobretudo um cheiro, traz tudo de volta e o passado não só regressa, mas é como se estivéssemos a vivê-lo. Foi o que me aconteceu.”

É gordo, quarentão, de faces rosadas, casado, pai de um casal, comummente troteando com o seu fato de flanela “surrado”, proveniente de Lower Binfield, teve uma infância agradável embebida na natureza e, mais tarde, nos namoricos debaixo da sombra de grandes árvores, já engravatado no seu colarinho branco de “homem de trabalho”. Presenciou e viveu a Primeira Guerra Mundial, em que foi chamado para servir no exército de Sua Majestade: “Vivia-se no final de uma era, quando tudo se dissolvia numa espécie de fluxo horrendo, e ninguém dava conta disso. Pensavam que tudo era eterno. Não os podemos culpar, era assim que se sentiam as coisas.”

E depois da guerra aparece um determinado “interesse por nada”; assim como no carácter espiritual, também o quotidiano mudou: as máquinas e as cidades proliferam, os grandes grupos económicos açambarcam os pequenos lojistas e a migração em massa dos homens em busca de emprego para se refazerem.

Bowling consegue, todavia, extrapolar toda a mudança. Com dezassete libras escondidas do seu orçamento familiar retorna, em mote de férias — ainda que Hilda, a sua esposa, pense, primeiramente, que este vai em trabalho —, a Lower Binfield: mas a dinâmica devora-o: os seus pontos de referência, isto é, a antiga loja do seu pai, a fábrica de tecido, o Pub e, inclusive, o cemitério, estão metamorfoseados e deslocados face à evolução; todas as personagens que conheceu ou faleceram ou adquiriram feições que lhe incutem um choque. Entretanto, outra ameaça paira no ar: Hitler e a iminência da Segunda Guerra Mundial e o surgimento das paranóias antigas quanto às bombas e fardas milicianas.

Recuperando esta última frase do anterior parágrafo, é indubitável a ponte que podemos fazer com os nossos dias. A metamorfose e a paranóia são as diretrizes por excelência destes anos 20: em primeiro lugar, uma sociedade que viu a necessidade de se reinventar face a um cenário pandémico que ainda hoje assalta milhares; em segundo lugar, a paranóia que a Guerra na Ucrânia trouxe aos sujeitos — estarão as fardas e uma Terceira Guerra Mundial para breve?

Afinal, a leitura deste romance não fala só de George Bowling, um homem comum, mas, enfim, um pouco de todos os homens modernos.

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