“Hive”, de Blerta Basholi: a busca pela tragédia como meio de libertação
A história do Kosovo é, infelizmente, estritamente ligada à tragédia. Guerra, pobreza e massacre são apenas três de muitas outras palavras que podíamos usar para referir um país que ao longo da sua história tem sido assombrado pelo pior que a humanidade é capaz de produzir. Blerta Basholli, realizadora nascida no Kosovo, tem sido uma das vozes com maior expressão artística do país, utilizando toda a sua história como motor das suas obras e sinal de alerta para o mundo.
“Hive” é baseado numa história verídica. A realização, no geral, tem uma identidade documental, aprofundando esse realismo com uma quase total ausência de banda sonora. Após ter sido o primeiro filme no festival de Sundance a ganhar os três principais prémios, “Hive” começou a ganhar protagonismo internacional devido à sua mensagem trágico-essencial. Abordando dois temas essenciais ao Kosovo e a muitos outros países, a independência da mulher e o pós guerra, “Hive” explora essencialmente a forma como os géneros são distinguidos numa sociedade maioritariamente muçulmana, embora de forma não oficial. Outro dos temas essências na sua narrativa explora a maneira como os homens partem para a guerra, o que lhes acontece depois desta terminar e de que forma é que as famílias podem ou não ter a certeza que eles morreram. Esta ausência de confirmação objectiva, impossibilitada pela violência extrema da guerra, cria um sentimento de vazio ensurdecedor. “Hive” explora esta realidade não só nas viúvas (ponto central do filme), mas também nos filhos, pais, amigos. A ausência de resposta é, por vezes, pior do que a confirmação da tragédia.
Este retrato realista e quase biográfico é relevante de vários pontos de vista. Do ponto de vista da importância colectiva destaca-se a criação de Krusha Ajvar, um dos molhos mais populares e que foi criado pelas viúvas de guerra da aldeia de Krusha e Madhe. Esta associação de mulheres que perderam os maridos na guerra entre a Sérvia e o Kosovo em 1999 é, acima de tudo, um grito pela independência da mulher face às sociedades maioritariamente controladas por homens. A história de Fahrije Hoti e de todas as outras viúvas deve ser estudada e usada como motor para a igualdade das mulheres em todo o mundo. Ainda a nível colectivo destaca-se a resiliência num ambiente destruído, incapacitado e limitado. A nível pessoal o filme aborda essa procura de resposta face à possível tragédia objectiva.
Fahrije não sabe se o marido foi morto na guerra. Além disso, tem que educar e criar os seus dois filhos e apoiar o seu sogro, um homem complicado, de costumes antigos, mas que se liberta de todas as suas raízes quando se apercebe o que isso implica. Essa subtileza de emoções é uma das grandes características de “Hive”. Podemos observar estes detalhes em quase todos os personagens, mas principalmente nos filhos de Fahrije, na forma como sentem falta do pai, e no sogro. Todas as viúvas têm também um excelente desempenho e são quase um retrato hiper realista de uma sociedade perdida nos escombros de uma guerra eterna.
“Hive” liberta a mulher numa sociedade que a tenta reprimir a todo o custo. E Fahrije é o reflexo de toda essa luta. É impossível ficarmos indiferentes à chocante cena de tentativa de abuso sexual, constantes cenas de abuso psicológico e físico contra alguém que perdeu quase tudo, mas que não perdeu a esperança. A história de Blerta Basholli, a realizadora, pode ainda ser curta, mas será sem dúvida bastante interessante, mantenha as suas raízes ou não, é indiferente, porque acima de tudo, a qualidade de Blerta é clara, um domínio visual e narrativo de uma tragédia que nunca acabou e que irá assombrar todas as Fahrije deste mundo.