“Huge in France”: um peixe fora de água
À semelhança da expressão usada no título, são várias as referências, quer em expressões populares quer inclusive através obras nas mais variadas formas de arte. Quem não se lembra da icónica música de Sting, “Englishman in New York”, retratando a adaptação de um homem ingês, de hábitos já estabelecidos, às novas dinâmicas citadinas de uma das cidades mais movimentadas e cosmopolita do nosso planeta. Huge in France (ou HUGE in France, com habilmente o título da série se dá a conhecer), é muito isso, mas na pele de um comediante, Gad Elmaleh.
Esta série Netflix, cuja primeira temporada se divide em oito pequenos e episódios de fácil visualização tinha todas as premissas para ser uma série realmente interessante sobre o debate interno pela fama e reconhecimento, sobre o real significado do estrelato quando tudo à volta é pouco mais que inexistente. Mas falha, não redondamente, mas ao dar-nos premissas que nunca chega a cumprir. Nada que retire o quão agradável de se ver é esta série.
Gad Elmaleh é uma celebridade francesa, um actor e comediante de origem marroquina, que esgota as maiores salas de espectáculo de toda a França, entre eles o teatro Olympia em Paris durante sete semanas (!) seguidas (no vindouro ano de 2007). Aquele que é também conhecido como o “Seinfeld de França” já foi considerado o homem mais engraçado pelos seus conterrâneos e conhece, de facto, Jerry Seinfeld (entrou na célebre série Comedians in Cars Getting Coffee), que tem uma participação fugaz e aleatória na série. Este elemento quase meta(físico) da série é uma constante e um dos pontos mais assinaláveis na captação de interesse por parte da série. Todos estes factores são repetidamente referidos por Gad durante a série, na busca de aceitação.
Farto de relações fugazes e “one night stands”, Gad sente-se incompleto. Os espectáculos que dá e o calor e amor da sua base de fãs já não lhe chegam como combustível. Gad, que se refere a ele mesmo na terceira pessoa – “oui, c’est Gad” – precisa de um propósito, de uma raison d’être. Essa possibilidade de (re)despertar surge com o telefonema da sua ex-mulher, Vivian (Erinn Hayes), para que Gad assine um uma autorização parental do seu filho Luke. Discordando, Gad vai voar para L.A., onde a sua ex-mulher e o seu filho vivem com Jason (Matthew Del Negro), um actor e ex-modelo que vê em Luke a sua “obra”, e a possibilidade dele ter a carreira que Jason nunca alcançou.
Ao chegar a L.A., Gad conhece um novo mundo. Um mundo onde ninguém o conhece, onde Gad não é relevante, onde o seu estatuto (aqui inexistente) não lhe abre as portas a tudo, como em França, apesar de mostrar um vídeo promocional seu e o seu perfil de Instagram com mais de 1,8 milhões de seguidores (um dado também ele verdadeiro) como factores de validação social. Gad tem de lidar com começar do zero, como todos os outros “peixes fora de água”.
É quando alguém se tem de adaptar que usa os seus pontos fortes, e no caso de Gad saltam dois à vista. O seu sentido de humor e o seu dinheiro. O primeiro é interessante de analisar de outro prisma, um prisma fora da série. A nossa língua é a forma como habitualmente comunicamos com maior facilidade. Para os humoristas, a língua é também uma ferramenta na sua profissão. Os timings, as palavras, os sons, a justaposição das palavras usadas ou a entoação da frase fazem toda a diferença entre o sucesso de uma piada e um “tiro ao lado”. Huge in France mostra bem isso. O humor de Gad necessita de se adaptar, tal como ele, a uma nova realidade, uma nova cultura. É um mundo diferente com pessoas (receptores) também ele diferentes. Aqui reside um dos pontos realmente satisfatórios da série, e também ele um ponto que fica claramente por explorar finda a primeira temporada.
Noutro contraponto temos Jason e a sua carreira esquecida de acting. Mattew Del Negro tem um timing extraordinário de humor (apesar de não fazer de comediante), mas a sua luta por voltar a representar e a maneira como luta pela atenção quer da sua mulher, quer de Luke, parece uma dinâmica completamente distante da de Gad e a sua adaptação/reconquista do seu filho Luke (ou Luka, como ele diz). Coexistem, mas não chegam ou têm o espaço de maturação necessária para parecer, remotamente, natural. Não é e Huge in France perde com isso.
Não deixa, no entanto, de ser uma série com pontos interessantes como a adaptação de Gad, a sua fama (em França) e o seu humor a um novo país, muito bem acompanhado de Brian (Scott Takeda) – um hilariante sidekick -, o seu assessor pessoal, são preciosos, bem como a personagem de Del Negro. Ainda assim, Huge in France parece em alguns momentos desligado entre si, e incapaz de cumprir a sua premissa interessantíssima, onde só toca amiúde.