‘Impermanence’: Peter Silberman e o valor do silêncio
A motivação de Peter Silberman para a elaboração de Impermanence faz-nos recordar a história de um génio musical nascido há mais de dois séculos. Por volta dos 30 anos de idade, Ludwig van Beethoven começa a sofrer problemas de audição. O seu ouvido vai deteriorar-se ao longo dos anos seguintes; e, nos últimos quinze da sua vida, a surdez torna-se profunda. Apesar disso, segundo os registos que ainda hoje se conservam, é na música que encontra o sentido de continuar a viver. E embora a partir de certo momento deixe de conseguir tocar ao vivo, continua a compor até ao fim.
O caso de Peter Silberman não é, aparentemente, tão dramático. Mas o vocalista dos The Antlers – banda que deu ao mundo, entre outros, o álbum de culto Hospice – começou a sentir problemas de audição a partir do final de 2014. Tal como Beethoven, que foge do centro de Viena para a vila Heiligenstadt na periferia da cidade, também Silberman se muda de Brooklyn para os subúrbios a norte de Nova Iorque. A segunda faixa de Impermanence relata-nos esta história, num momento em que os ruídos da cidade se estavam a tornar insuportáveis para o músico, amplificados e distorcidos de forma insuportável: “When my nerve wore down / I was assailed by simple little sounds: / Hammer clangs, sirens in the park / Like I never heard New York / (…) When the walls gave way / I had to flee, I had to back away / As the whole town barked”.
Este problema de saúde é a premissa inicial de Impermanence, pela necessidade que continuou a sentir de fazer música. Teve de encontrar uma forma de composição que não o magoasse fisicamente: música despida, tocada baixinho; música possível. Assim, longe dos arranjos emaranhados e complexos dos The Antlers, o que aqui temos são temas minimalistas e íntimos. Temas segredados, pela voz de Silberman, que frequentemente dá uso ao seu característico falsete de grande beleza. Entre o acústico e a música ambiente, o álbum mantém os elementos electrónicos e percussivos em níveis mínimos, investindo no dedilhado da guitarra eléctrica em algumas faixas, e da guitarra acústica nas restantes. “New York” é uma excepção: as flautas e os metais de sopro preenchem o espaço, sem se imporem, de maneira elegante.
“Karuna”, a abrir o álbum, lembra-nos de imediato a voz e guitarra de Jeff Buckley. Também Thom Yorke não será uma referência demasiado rebuscada. A melodia simples de “Gone Beyond” apresenta-se como um cântico solene; um convite ao transcendente. Recorre a uma táctica que irá usar em mais de metade das canções: mantras, repetidos em contínuo. Na terceira faixa estes vão evoluindo e experimentando diferentes sonoridades. Já na quinta, “Ahimsa”, o refrão não vai a lado nenhum: ao ouvirmos “no violence / no violence / no violence today”, parece-nos que entramos dentro da cabeça de Silberman, unimo-nos à sua meditação, e sentimos o mesmo desejo de paz.
À semelhança de Disintegration Loops de Basinski, é um álbum sobre um trauma – neste caso, mais pessoal do que colectivo. Por pano de fundo, a mesma cidade. Impermanence ensina-nos o valor do silêncio, em oposição à cacofonia dos dias; é um retiro sonoro, uma experiência forçada e necessária. A partir das referências à filosofia e literatura budista e oriental, que formam o mapa de grande parte desta jornada solitária (atente-se aos títulos das faixas), estas músicas longas são propostas de vida. Um exercício muito pessoal de terapia emocional. No ano passado tínhamos tido Sleep Cycle, de Deakin, num hino perfeito à mudança de vida; este ano temos Peter Silberman, em estado de transição, na simplicidade e na beleza que o som, mesmo baixinho, pode ter.