Isac Graça: ‘Não falta público, falta educação artística’
A Comunidade Cultura e Arte teve oportunidade falar com o ator Isac Graça. Conhecido entre outros trabalhos pelo filme Cartas da Guerra de Ivo M. Ferreira e mais recentemente por Verão Danado de Pedro Cabeleira. Com o primeiro foi nomeado um dos cinco novos talentos emergentes do cinema português pela cooperativa Gestão dos Direitos dos Artistas. A propósito desta nomeação e da sua participação no seu mais recente projeto Verão Danado, falou-se sobre a carreira, o público português e os desafios mais imediatos da profissão.
Iniciaste a tua carreira no teatro, depois passaste para o cinema. Como é que tu te defines na tua profissão?
Sou um ator, ponto. Tenho outros interesses, mas o centro da minha atividade é mesmo a interpretação. Comecei a fazer mais teatro, mas em 2017 não fiz praticamente nada. Filmei mais, muito mais, e agora estou a começar a fazer televisão também. Só que as coisas são todas muito diferentes, entre teatro e cinema é muito diferente. Depois mesmo entre projetos também. Tenho tido a sorte de trabalhar com realizadores e encenadores que têm modos de trabalhar muito distantes.
Podes dar um exemplo?
Os dois primeiros filmes que fiz – o Verão Danado e um outro que está em pós-produção e que ainda demora. O Verão Danado foi filmado durante um ano mais ou menos. Eu filmei muito menos porque tinha uma personagem secundária. Mas o processo foi muito rápido, houve alguns ensaios de exploração de cenas. O segundo filme que eu comecei mais ou menos ao mesmo tempo, tive três anos a fazê-lo aos fins de semana. Havia períodos em que não filmava nada, havia períodos em que era uma semana a filmar. Aliás trabalhei os três anos sem guião sequer. Eu ia para o dia de filmagens e não sabia o que ia fazer [risos].
Relativamente ao que disseste, que fizeste muito mais cinema no ano de 2017. Isto foi uma decisão tua ou simplesmente aconteceu?
Aconteceu e também descobri que o tipo de processos em cinema, que normalmente tenho poucos ensaios, têm mais a ver comigo. Que os processos de teatro ficas um mês inteiro a ensaiar, fazes as cenas centenas de vezes. No cinema ensaias pouquíssimo e depois fica aquilo, e passas para a próxima. E vives assim num limiar de adrenalina, não é o sentimento do não posso falhar não é bem isso. Tem que acontecer alguma coisa de interessante e que faça sentido com o filme e tenho pouco tempo para isso, mas eu gosto.
Numa entrevista anterior, afirmaste que “a cultura num país pequeno, e sem grande tradição artística é sempre o parente pobre”, podias elaborar? Consideras que Portugal é um país sem tradição artística? E é o parente pobre em que sentido?
Se calhar apetece-me reformular. Eu acho que temos tradição artística e acima de tudo temos um grande peso de história em cima. Apesar de sermos um país pequeno, acho que somos um país particularmente orgulhoso de si mesmo. E isso ás vezes impede que as coisas politicamente andem para a frente. Temos uma história tão grande não é? Tão fixe com períodos dourados… Artisticamente acho que há grandes vultos. Especialmente na literatura, no cinema é mais recente… no teatro, acima de tudo a partir da Cornucópia nos anos 70. Artes plásticas eu conheço pior, os nomes que toda a gente conhece. Temos tradição artística… o Problema é que os governantes pensam que a arte é algo decorativo e algo que… não consigo encontrar uma palavra melhor que “cagança” . Não percebem que a arte não tem que ser utilitária. Mas a haver utilidade na arte, qualquer uma delas, uma pessoa tem que entender que pode ter um ponto de vista. Porque é isso que os artistas fazem, transformam um ponto de vista numa criação. E os políticos não percebem isso. Isso é um grande problema.
Não pegando na parte política mas na parte cultural, consideras que há falta de público para determinado tipo de espetáculos/filmes/projetos em Portugal ou estamos bem servidos?
Não sei… Eu acho que não há falta de público, há falta de educação artística. Há falta de padrões qualidade na televisão que chega a casa da maioria das pessoas. E isso traduz-se em números menores de público para coisas um bocado mais complexas. Para que pedir um cocktail se posso pedir uma coca-cola? É difícil entender a cena fixe que é juntar duas ou três bebidas diferentes … isto é uma analogia parva mas eu acho que faz sentido. Mas não falta público, falta educação artística.
Precisamos então de um público mais educado artisticamente é isso?
Mas também isso começa nas escolas, portanto é mais uma questão estatal. É aí que eu aponto as minhas esperanças.
Também disseste que querias passar pelo estrangeiro, estou-me a referir à entrevista do Mirante. Achas que é diferente lá fora? Pensas que é fácil a transição de um ator português para o panorama internacional?
Eu ás vezes digo coisas de um modo muito geral, também tenho que reformular. Para o estrangeiro é uma ideia muito vaga. É diferente eu ir para a Europa ou para os EUA, para a América do Sul ou para a Austrália.
Referias na entrevista França e Alemanha.
Alemanha não de todo. Eu acho muita piada ao mercado americano. É muito diverso, tem uma indústria gigante, muito baseada em narrativas. Isso interessa-me. Por outro lado gosto mais do cinema europeu na verdade. Embora não seja tão narrativo vai buscar mais coisas à filosofia e à história, gosto disso. Entretanto trabalhei com um tipo sérvio, Dean Radovanovic, para o Katabatik Fisherman. E foi muito fixe essa experiência de trabalhar com um realizador não português, que ele tem referências…. Tínhamos referências em comum, coisas que ambos tínhamos visto. Por outro lado ele nasceu noutro sitio… mas lá está, mesmo dentro de Portugal é diferente trabalhar com alguém do Porto, com alguém de Lisboa, ou com alguém de Castelo Branco… Mas interessa-me muito trabalhar fora. Acima de tudo porque eu não gosto de me repetir, gosto muito de trabalhar com pessoas diferentes. Em Portugal não há muita gente a trabalhar em cinema, não há assim tanta gente.
Afirmaste “O trabalho é o motor da Humanidade”, foste considerado este ano um dos cinco novos talentos emergentes de cinema com o filme Cartas da Guerra. Este tipo de reconhecimento do teu trabalho é importante, ou viverias bem sem isso?
Seria ingénuo dizer que não é importante, mas não é aquilo que eu valorizo mais. A mim agrada-me acima de tudo porque sei que há pessoas por quem nutro muito afeto que ficam contentes por mim, quando eu tenho esse tipo de notícias. Depois é importante porque vai associando o teu nome a padrões de qualidade, mas é só isso, é só teatro [risos]. O trabalho ser o motor da Humanidade, o trabalho estrutura, é necessário haver trabalhadores. Por outro lado, se não houver amor associado, acho que há uma grande diferença entre uma estrutura de ferro, uma estrutura de tijolos, e uma de palha, tipo três porquinhos.
Neste momento qual é o grande desafio para ti no teu trabalho?
Surpreender-me. Não gosto muito de me repetir, ao mesmo tempo, sei que o que faz com que algumas pessoas gostem de me ver trabalhar é a minha identidade. E a minha identidade é minha e não de outra pessoa, mas simultaneamente se eu ficar preso a uma ideia que tenho de mim mesmo, vou começar a fazer tudo igual. E é esse o grande desafio. A certa altura era o domínio técnico, o domínio emocional. Neste momento é continuar vivo e acordado, no sentido de fazer uma cena e sair de lá “não estava à espera de fazer isto” brutal.
E para finalizar. Profissionalmente onde te vês daqui a cinco anos?
Gostava de continuar a trabalhar em projetos que gosto, com pessoas que sabem pensar, e mais dinheiro para tomar decisões pessoais. Um bocadinho o síndrome dos millennials que me assola. É muito precário, estou agora a fazer uma série para a RTP e dois filmes, mas não significa que vá ter trabalho depois. Eu acabo esta série e depois não sei. Se ao mesmo tempo isso me dá alguma adrenalina, instinto de sobrevivência, dá. Por outro lado é chato ver me a mim e aos meus colegas atores da minha geração, noventa e tal por cento numa situação de não saber o que vão fazer a seguir ao projeto que têm. Gostava muito que as políticas do estado mudassem.