‘Isolation’, a declaração da omnipresença de Kali Uchis

por Sara Miguel Dias,    10 Abril, 2018
‘Isolation’, a declaração da omnipresença de Kali Uchis
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Estamos em 2018, ano em que sai “Isolation”, álbum de estreia de Kali Uchis. Mas para Uchis, os sinais de sucesso vêm já desde 2016/17, tendo sido uma das mais requisitadas vozes colaborativas dos últimos tempos em hip-hop e R&B, participando nas aclamadas “Get You” de Daniel Caeser, “See You Again” de Tyler, The Creator e “Caramelo Duro” de Miguel. Percebeu-se progressivamente que a preferência pela cantora latino-americana ia além da sua capacidade vocal, concernindo sobretudo a sua percepção artística. Uchis, com um EP e uma mixtape já em seu nome, evidencia que a espera pela edição deste LP foi bem merecida, tendo conseguindo trabalhar com alguns dos melhores produtores da actualidade, aprendido a tirar o melhor proveito da sua dualidade linguística e aprimorado as 15 faixas desta sua estreia.

Kali Uchis

Em “Isolation”, Uchis criou o mais sedutor e fluido álbum do ano até à data. “Tyrant”, primeiro single, surgiu como indicador dessa mestria. As vozes de Uchis e Jorja Smith intercalam-se carismaticamente e relatam os prós e contras de uma relação problemática, oscilando entre agudos fortes e falsetos gentis, ora em inglês ora em espanhol, sobre um beat produzido por Sounwave (frequente colaborador da T.D.E.), que, com percussões menos convencionais, fez deste um tema sugestivo e cativante. Fomos presenteados em seguida por um segundo single, “After the Storm”, com Tyler, The Creator, Bootsy Collins, produzido por BADBADNOTGOOD, inspirado de tropicalia e do neo soul que caracterizou o último álbum de Tyler, com uma suavidade contagiável, e um terceiro tema que surge em contraste com a onda de reggaeton trivial que anda a inundar as estações de rádio e discotecas nos últimos tempos; “Nuestro Planeta” aborda a batida caribenha com uma elegância que raramente atinge o mainstream. A voz de Uchis soa tão bem ou melhor em espanhol, sendo esta uma vantagem que possui face a tantas suas pares contemporâneas.

Com esses lançamentos, torna-se claro que estilisticamente este não é um álbum de uma só identidade, mas sim um encontrar de géneros e gerações, que reitera as multifaces e culturas da artista colombiana. A produção funk e as linhas de baixo de Thundercat misturam-se com as harmonias e sopros da bossa nova brasileira em “Body Language”, que incitam Uchis a perder-se na sua própria voz e ao ouvinte na luxuria das suas palavras. “Just a Stranger”, ao encargo de Steve Lacy (The Internet) e Romil Hemnani (BROCKHAMPTON), pega nessa libido e dá lhe um twist de pop imediato, enquanto “Flight 22” transmuta toda essa lascívia carnal para a doçura do romance ingénuo, tanto pela letra como pela redução dos bpm’s. Uchis chega até a aventurar-se no universo do alternativo em “In My Dreams” e “Tomorrow”, pela mão de Damon Albarn e Kevin Parker, respectivamente, com os sonhos a dominarem o ambiente sonoro e o conflito espiritual como protagonista da acção. A opção por incluir estas duas faixas no álbum mais uma vez não cai sem graça pela demonstração de versatilidade da artista, que consegue dar-lhes um cunho pessoal, e, através dos interlúdios “Coming Home” e ”Gotta Get Up”, torná-las parte integral da amalgama criativa que “Isolation” triunfa em ser, passando do imaginário para a realidade e do mundo metafórico para o narrativo.

Uma outra constância, que reflecte uma preferência pessoal de Uchis, é toda a estética retro que se revê no modo como optou por apresentar visualmente o álbum – nos vídeoclips e na capa do próprio – e que é canalizada na groove gerada pelos sintetizadores utilizados: “Miami” transporta-nos para os planos cénicos da série Miami Vice e os interlúdios “Coming Home” e “Gotta Get Up” efervescem de influências do “Mama’s Gun”, álbum de “Erykah Badu” de 2000, tudo para “Feel Like a Fool” e “Killer” finalizarem o álbum com a vibe do soul jazz de outrora.

Uchis brilha sozinha ainda que por tantos outros esteja rodeada. É a personagem principal desde álbum, que no presente nos permite conhecer o passado. Ao priorizar a maturação de ideias face à prolificidade formulaica, Kali Uchis criou em “Isolation” não um mero álbum de entretém, mas um em que procura deixar a sua marca para gerações futuras.

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