Jaime Roos

por José Valente,    25 Novembro, 2022
Jaime Roos

Antes da minha crónica, uma nota: nesta semana celebraram-se os 40 anos de “Por este Rio acima” de Fausto Bordalo Dias. Nunca nos devemos esquecer dos nossos heróis. Este é um disco histórico. Um marco no património cultural português. Muito obrigado Fausto!

A música e o futebol sempre estiveram ligados. Desde dos cânticos de apoio que os adeptos entoam durante os jogos; aos gritos desabridos com que os fãs provocam as equipas rivais; aos coros improvisados que festejam os títulos depois do jogo decisivo; aos hinos dos clubes, essas canções épicas que supostamente transmitem os valores intrínsecos de cada instituição; às vaias e insultos vociferados quando o clube do coração não vence.

Existem também inúmeras músicas que aludem a esta temática desportiva. Desde de “La Vida Tombola” de Manu Chao; “Voar como Jardel” de Rui Veloso, com letra de Carlos Tê; a improvisação colectiva do Space Ensemble, guiada pelo relato de Gabriel Alves; ou o álbum “Mundial 78” de Astor Piazzolla, entre muitas outras.

Eis que se inicia mais um Mundial. Este mais polémico do que os anteriores, assim ditam os media. A minha primeira proposta de escuta é um podcast/vídeo de 5 episódios do canal inglês Tifo Football. Nestes episódios são explicadas as múltiplas nuances mercantilistas e políticas que estipularam a decisão absurda de realizar uma competição com estas características no Qatar:

Mas eu quero falar de música, como sempre.

Foi justamente durante um Mundial que descobri as canções de Jaime Roos, o célebre cantautor uruguaio. Ouvi a sua música graças a Álvaro Costa, um divulgador de curiosidades, por vezes, pertinentes. 

Não me recordo em que ano isto aconteceu. Ou em que fase da competição. Lembro-me que o programa de notícias sobre o Mundial de futebol (uma espécie de “Diário do Mundial”) tinha um segmento protagonizado pelo Álvaro dedicado à mostra de músicas dos países que participavam no certame. No dia da selecção Uruguaia, o simpático radialista surpreendeu-me com um tema de Roos.

Um pouco à semelhança dos melhores cantautores portugueses, Jaime usufrui sem restrições dos elementos rítmicos que identificam a tradição musical do seu país. A partir desta base determinante, este adiciona-lhe melodias cativantes que transportam letras assertivas e transparentes, suportadas por progressões harmónicas que, não sendo exageradamente complexas, não são básicas ou gratuitas (como acordes de substituição ou acordes coloridos com atraentes dissonâncias). 

Jaime Roos não se esconde. As canções variam na forma, nas referências estéticas. A sua originalidade é influenciada por múltiplos estilos: do rock, à murga uruguaia, à milonga, ao jazz, etc. São canções orquestradas com intensidade que motivam engajamento, promovendo uma energia estonteante que faz o público vibrar. 

Fico com os pelos eriçados só de rever a potente canção “Colombina”:

Nesta versão da gira “Jaime Roos a las 10” de 1994 conseguimos apreciar um belo coro homofónico, algumas mudanças de tempo inesperadas, um pouco de spoken word, contra melodias interessantes (na flauta + sintetizadores) e um excelente crescimento de entusiasmo com o envolvimento do coro na murga levantada pela percussão e bateria. A murga uruguaia é uma groove típica que estrutura ritmicamente esta canção. “Colombina” é uma impressionante demonstração de genica e emoção musical.

Ouçamos o início de “Amándote”.

Depois da introdução feita por Jaime na voz e na guitarra (reparem na sua argúcia rítmica, decidindo sabiamente onde tocar ou não guitarra, incentivando assim uma tensão positiva), começamos a entrar na famosa clave tocada pela percussão. A clave, mãe de tantos ritmos sul americanos, evolui depois em conjunto com os restantes instrumentos. Não nos escape o bom solo do teclista, já na parte final do tema.

Para terminar, vamos curtir “Tal vez chehé” do concerto “Otra Vez Rocanrol”, uma clara demonstração da qualidade global de Jaime Roos. 

Jaime Roos não se preocupa apenas com a invenção de boas canções, a sua interpretação ao vivo é impressionante. A banda é fantástica e melhora com as demonstrações individuais do percussionista, do baterista e teclista. 

Curiosamente a selecção Portuguesa partilha o grupo com a Uruguaia nesta primeira fase do Mundial. Eu espero que Portugal avance e que alcance o melhor patamar possível.

Podemos sempre aproveitar, nos intervalos dos jogos, para conhecer e admirar as músicas dos outros países. 

Se calhar e para variar, talvez desta vez não devêssemos levar demasiado a sério a participação portuguesa nesta competição. Quem sabe? Às tantas, assim quase sem querer, os atletas portugueses até ganham o caneco.

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