James Baldwin, uma sugestão dos curadores Ludgero Cardoso e Álvaro Curia, criadores do Literacidades
O Prosa no Ar é o clube do livro que é também um programa da rádio da Escola Superior de Comunicação Social, a ESCS FM. Todos os meses, há uma leitura conjunta que culmina numa discussão entre 2 dos leitores e o respetivo curador.
Em junho celebrou-se o mês do orgulho LGBTQIA+ e, como tal, foi tempo de ler James Baldwin, uma sugestão dos curadores Ludgero Cardoso e Álvaro Curia. Criadores do projeto Literacidades, transformam o instagram num lar onde habitam leituras e opiniões. Trazem olhares literários sobre a cidade do Porto.
No começo do verão, o Prosa no Ar viaja até Paris e entra N’O Quarto de Giovanni. Paixão, desejo e tragédia: são estes os principais ingredientes do livro que serviu de mote à conversa conduzida por Mariana Serrano e Inês Tojinha.
Quando questionados os curadores quanto ao que os motivou a escolher esta obra, Ludgero confessou que ainda não leu muitos livros considerados LGBT e que, para ele, o Quarto terá sido umas das melhores leituras de 2021. Álvaro, que já queria ler o livro ainda antes de ser publicado em Portugal, elogiou a coragem da Alfaguara ao publicar o livro, não só por o ter feito durante o primeiro confinamento, em abril de 2020, mas também por não ser uma aposta segura, uma vez que a recessão do público era imprevisível.
Trata-se de “um livro escrito por um negro, com origens humildes, e ainda por cima gay, a falar sobre temáticas relacionadas com a comunidade LGBT”, Álvaro ainda acrescenta que, “como se isto não fosse suficiente para fazer disto um livro de margem, esse tal negro pobre homosexual ainda se pôs a falar sobre brancos homosexuais.” A obra é o único romance do autor sem uma personagem africana, o que para Ludgero pretende que o propósito do livro não fosse desviado ao ter os dois temas no mesmo romance; apesar de Álvaro destacar que “A figura do Giovanni, embora não seja negro, tem o seu q de político e de intencional”, tendo também um desvio ao padrão.
Ao fazer a apreciação, Álvaro não poupa elogios: “é um livro muito arrojado, que mostra uma coragem muito grande da parte do seu autor”, o que só por esta premissa já o torna uma leitura essencial.
O Quarto de Giovanni conta a história de David, um jovem americano que vive temporariamente em Paris. A namorada encontra-se em Espanha, dando a David a oportunidade de tomar verdadeiramente as rédeas da sua vida. Numa noite, conhece Giovanni, um barman italiano, sedutor e impertinente pelo qual se sente irremediavelmente atraído. Este é o ponto de partida para uma relação intensa que vamos acompanhado ao longo de grande parte do livro.
“O David e o Giovanni não são personagens gostáveis, não são porque têm problemas. Um é homofóbico o outro é misógino. Penso que o Baldwin fez isso propositadamente, as personagens têm camadas.” Ludgero classifica David como problemático, e, apesar de não ser a única personagem que se pode rotular dessa forma, nunca se encontrou ou soube definir. Mantendo princípios heteronormativos e tradicionais como objetivo, quando encontrou uma realidade que o confrontava fez-se sentir a negação. E em nada se fez sentir a evolução; segundo Ludgero, “Talvez se houvesse uma continuação soubéssemos o que é que realmente aconteceu com o Giovanni e como é que David vai viver a partir desse momento.”
Ludgero não crê que Paris fosse essencial: destaca que o livro teria que ter a sua trama como um acontecimento longe da zona de conforto de David pois “quanto mais longe dos EUA e da sua heterossexualidade, mais sincero para consigo próprio se torna” Há uma noção de fuga, experimentação e descoberta”. Álvaro concorda, que “há outras cidades que teriam servido bem de palco para este romance”, e acrescenta que Paris acarreta uma ideia de centro, como a cidade da liberdade sexual, associada às correntes artísticas e ao estilo de vida boémio.
“Ele fechou a porta atrás de nós e por um momento, na penumbra, ficámos a olhar um para outro – com medo, aliviados e ofegantes. Eu tremia. Pensava: se não abro a porta e saio daqui a correr estou perdido. Sabia que era tarde demais; em breve seria tarde demais para tudo exceto gemer”
A divisória apresenta-se quase como uma personagem da história, como esclarece Ludgero: “No quarto é quando ele confronta realmente os seus desejos, é como se fosse um espelho. Ele olha-se e vê-se como realmente é.” Sempre descrito como algo sujo, traça uma barreira para com o exterior: o que acontece no quarto fica no quarto. Só estando no cômodo é que David consegue soltar-se e ser quem é, na repulsa encontra a sua verdadeira essência. Para Álvaro, é uma metáfora da relação: procuram colocar o quarto mais bonito como forma de mascarar as próprias emoções, e tornar o que se passa lá dentro mais aceitável, mais puro. Esta metáfora culmina num momento de confronto entre os dois amantes: “Queres deixar o Giovanni porque ele faz com que tresandes. Queres desprezar o Giovanni porque ele não tem medo do mau cheiro do amor.”
No final, questionou-se a importância do livro para a comunidade LGBTQIA+, algo que para os curadores está nítido no contexto social em que o livro foi escrito. O retorno ao clássico relembra o passado não tão longínquo. Para Álvaro trata-se de um livro de referência, talvez não tanto para as gerações atuais que estão neste momento a amadurecer a sua identidade sexual e já não se identificam com este namoro de quarto. Mas Ludgero destaca que este cômodo ainda existe, “com mais janelas”.
Para saberes mais acerca deste livro podes ouvir o episódio do Prosa no Ar. Por agora, Álvaro e Ludgero deixaram algumas recomendações: Pode Um Desejo Imenso, de Frederico Lourenço; Deixa-te de mentiras, de Philippe Besson; e Fim do Armário, Bruno Bimbi.