Jim Morrison: uma vida à margem

por Lucas Brandão,    7 Dezembro, 2018
Jim Morrison: uma vida à margem
Jim Morrison / DR (fotografia via Wikipédia)
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Cantor, poeta, indivíduo que dava magia às palavras, conferindo-lhes caráter e personificando-as ao ponto de conviverem com as aves no céu, para onde os acompanhantes do seu trabalho olhavam à procura de uma explicação para tamanha genialidade. Foi ele Jim Morrison, o vocalista da mítica banda que marcou os anos 60, banda essa denominada The Doors. Partiu com somente 27 anos (a idade negra de um músico pois tanto Jimi Hendrix como Kurt Cobain, Amy Winehouse ou Janis Joplin faleceram com a mesma), deixando um legado inestimável e muita inspiração para os seus sucessores no plateau da música.

James Douglas Morrison nasceu na vila de Melbourne, localizada no estado da Florida, a 8 de dezembro de 1943, filho de Clara Virginia e de um almirante da Marinha norte-americana de nome George Stephen Morrison, tendo dois irmãos mais novos. Deambulando muito de residência por força do cargo do seu pai, Morrison possuía uma paixão voraz e precoce pela leitura, em especial nos campos da filosofia e poesia, sendo influenciado pelos conceitos de Friedrich Nietzsche, pela estrutura poética de Arthur Rimbaud, por existencialistas de origem francesa e por autores como Franz Kafka (tendo este falecido no dia da morte do cantor mas 47 anos antes), Molière ou Honoré de Balzac. Foi com esta base teórica e literária que Jim Morrison desenvolveu as suas primeiras composições líricas e as letras para o que seriam as suas futuras canções.

Aquando do seu ingresso na universidade de Califórnia, mais concretamente no pólo de Los Angeles, o cantor tinha já cadastro, sendo preso por ter pregado uma partida após a finalização de um jogo de futebol americano. Foi aqui que a sua poesia ganhou contornos mais obscuros após ingressar em aulas de Literatura Comparativa quanto ao surrealismo teatral de Antonin Artaud. Foi também no tempo académico que o jovem enveredou por um estilo de vida boémio e inconsequente, tomando contacto com drogas pesadas pela primeira vez e começando também a cantar, dando já concertos e gravando os seus primeiros álbuns ladeado pelo teclista Ray Manzarek durante o verão de 1965. Entretanto, com a adição do baterista John Densmore e do guitarrista Robby Krieger, o grupo tomou o nome “The Doors” a partir do livro de Aldous Huxley “The Doors of Perception”, derivando este de uma citação da obra de William Blake designada “The Marriage of Heaven and Hell”. Quanto às canções compostas, ao contrário do que é famigerado, o guitarrista Robby Krieger tinha também uma forte propensão para escrevê-las, escrevendo algumas na íntegra ou em conjunto com o vocalista. Este, por sua vez e não usando instrumentos de modo frequente à exceção de maracas e de pandeiretas, produzia espontaneamente melodias vocais para os escritos propostos para as músicas.

Em novembro de 1966, já após vários concertos dados e com um deles a ser dado em conjunto com a banda de Van Morrison (os “Them”), os The Doors lançaram o seu primeiro single na promoção de um filme denominado “Break onThrough (To the Other Side)”, sendo procedido de outros do género como “The Unknown Soldier”, “Moonlight Drive” e “People Are Strange”. A notoriedade nacional da banda chegou quando o também single “Light My Fire” alcançou o topo do prestigiado ranking Billboard Hot 100 por dois meses (Julho/Agosto de 1967) e quando atuaram no The Ed Sullivan Show sem seguir as restrições apresentadas pela produção do programa de não mencionar as referências a drogas vertidas nas letras das músicas.

Concomitantemente a isto, a banda lançou três álbuns denominados “The Doors”, “Strange Days” e “Waiting for The Sun”. O estilo da música produzida por estes quatro jovens estava definido, enquadrando-se num estilo levemente psicadélico, algo sinistro, com letras viscerais e minuciosas e com rasgos de blues. Já em 1967, num concerto em New Haven, Connecticut, Jim Morrison foi preso em palco, um exemplo do espírito rebelde e insurreto de um jovem irreverente e que caraterizava a geração emergente e que seria consolidada com Woodstock.

O quarto álbum, “The Soft Parade”, revelava já quem havia escrito cada canção e destrinçando já as composições de Morrison e de Krieger. Os concertos dados então, compostos por uma massa humana considerável, tinham a vicissitude do vocalista surgir intoxicado e por vezes atrasado aos mesmos, muito em virtude do hábito de ingerir álcool por parte de Morrison e levando ao teclista Manzarek a muitas vezes ter de tomar conta das operações no que toca ao vocal. Começava, aqui, o declínio pessoal de Jim Morrison.

Para além da música, Jim Morrison era um poeta profícuo e lançou dois volumes dos seus escritos durante o seu período de vida em 1969 denominados “The Lords / Notes on Vision” e “The New Creatures”. Enquanto no primeiro o cantor refletia sobre os lugares, as pessoas e eventos com os quais contactava, para além da sua opinião quanto ao cinema então em período de glória; já no segundo subjaz uma estrutura poética mais vincada e denotada, com Morrison a explorar mais os seus sentimentos e a abranger as aparências quotidianas. Para além destes, foram publicados mais dois volumes, estes já póstumos, pelos pais de Pamela Courson, namorada do vocalista, e pelo fotógrafo Frank Lisciandro. Quanto aos títulos, esses consistiam em “Wilderness” (1988) e “The American Night” (1990).

“Posso fazer a terra parar
no teu trilho. Fiz os carros azuis
irem embora.

Posso fazer-me invisível ou pequeno.
Posso tornar-me gigante e atingir as
coisas mais distantes. Eu posso mudar
o curso da natureza.
Posso plantar-me em qualquer lado
em espaço ou tempo.
Posso citar os mortos.
Posso perceber eventos noutros mundos,
na minha mais profunda mente interior,
e nas mentes de outros.

Eu posso”

Jim Morrison, “Poder”

Vestindo-se andrajosamente e com uma conduta pública lamentável, gerando escândalos ao tentar motivar motins e proferindo heresias que caíam mal no seio da sociedade bastante conservadora e inflexível na qual os The Doors se inseriam, com estes a cancelar uma rodada de concertos face ao sucedido com o seu vocalista. Até John Densmore, baterista da banda e amigo de longa data, questionava e sentia-se saturado com esta rotina do músico.

À margem do ocorrido, Jim Morrison, já em Paris com a sua companheira de vida Pamela Courson, faleceu em Paris a 3 de julho de 1971 por uma alegada falha cardíaca, sem que uma autópsia lhe tenha sido realizada. Courson assumiu que Morrison faleceu devido a uma overdose acidental na ingestão de heroína, apesar deste não ser fã de drogas injetáveis e pensando que se tratava de cocaína, dando-se, assim, uma hemorragia fatal.

Com uma vida pessoal conturbada, emaranhada em vícios e em condutas emanadas do caráter de bon vivant e de enfant terrible que o cantor demonstrava ter, Jim Morrison marcou o seu cunho no planeta em que viveu pela genialidade tanto pelo que escrevia como pelo que cantava. Marcando um sem número de gerações vindouras e ainda gerando fãs por toda a parte do mundo, foi curta a vida de Morrison em extensão mas não em dimensão. Conjugando as palavras em versos e colmatando com o poder vocal a propensão divinal que detinham, Jim Morrison está no panteão dos que coloriram os momentos mundanos daqueles que apreciam a arte das pequenas coisas, sendo este o passaporte para a grandeza de espírito. E este fê-lo tão bem.

“Se a minha poesia pretende atingir alguma coisa, é libertar as pessoas dos limites em que se encontram e que se sentem.”

Jim Morrison sobre a sua poesia.

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