Joaquim Ribeiro, sobre cuidadores informais: “Estes cuidados são prestados por um familiar, mas também dizem respeito ao Estado”
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A 13 de janeiro de 2016, Joaquim Ribeiro entrava em direto nas manhãs do Fórum TSF. Desempregado, 53 anos, ao telemóvel de Vila Nova de Gaia, contava como há cinco anos tinha abdicado da vida que levava para cuidar da mãe, dependente devido ao avançado estado de demência vascular. “Agora sem mãe, sem emprego, sem dinheiro, sem casa. Para o funeral de minha mãe não tenho dinheiro que chegue.” Tinham passado dez dias depois da morte da mãe e o cuidador contava isto à então candidatura presidencial e vice-Presidente da Aliança Alzheimer da Alzheimer Europe, Marisa Matias. Tinha uma pergunta: “E agora, o que é que eu faço?”.
Estima-se que, em Portugal, mais de 800 mil as pessoas ficam em casa, a cuidar de idosos, pessoas com demências ou doenças crónicas e de crianças com patologias graves. Este trabalho vale quase 333 milhões de euros por mês, cerca de 4 mil milhões de euros por ano, segundo uma estimativa da associação Cuidadores Portugal, integrada na rede de organizações europeias EuroCarers.
O trabalho destes cuidadores alinha com a evolução da medicina e da mudança de paradigma na assistência à doença – há uma preocupação em cuidar, não apenas em curar –, fortalecendo a defesa do desenvolvimento dos cuidados em casa. Quem cuida é visto como parte do plano terapêutico. É chamado às consultas, pode receber visitas de equipas multidisciplinares dos hospitais ou centros de saúde públicos. Aliás, quando foi criada, em 2006, a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, definiu-se como um dos seus objetivos “o apoio aos familiares ou prestadores informais, na respectiva qualificação e na prestação dos cuidados” ao familiar dependente. Desta forma, o Estado define que espera da família e dos cuidadores informais participação e responsabilidade partilhada. Mas, até agora, em nenhum lado reconhecia os seus direitos.
Isso mudou com a criação do Estatuto do Cuidador Informal – à data do lançamento desta entrevista, dependente da promulgação do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, depois do Parlamento ter aprovado o documento por unanimidade, em votação final global, a 5 de Julho. Até aqui, fez-se um caminho legislativo de dois anos.
Só no último 30 de maio, o Governo aceitou formalizar o Estatuto, depois de PS, BE e PCP terem chegado a acordo quanto ao texto final. Este reúne medidas que faziam parte da proposta apresentada pelo Governo – que não incluía a criação deste reconhecimento jurídico, propondo apenas uma série de medidas de apoio, através de projetos-piloto que demorariam, pelo menos, um ano a chegar a todo o país – além de contributos do PSD, CDS-PP e PAN. Prevê o direito ao descanso dos cuidadores, através de apoio domiciliário prestado por profissionais; a atribuição de um subsídio de apoio, mediante os recursos; o estatuto do cuidador estudante e, também, a possibilidade de o cuidador que deixa de trabalhar continuar a ter uma carreira contributiva na Segurança Social, para a qual passará a descontar através de um seguro social voluntário. Mas, segundo o documento aprovado, não há um reconhecimento retroativo dos direitos na carreira contributiva das pessoas que já deixaram de trabalhar. Como é o caso de Joaquim Ribeiro que, além de cuidador, foi um dos impulsionadores do movimento de cidadania que lutou pela criação do Estatuto do Cuidador Informal e, em 2018, deu origem à Associação Nacional de Cuidadores Informais.
Este, entre outros motivos, são um “importante avanço”, mas ainda não satisfazem as necessidades de todos as pessoas cuidadoras informais: “Para o Estado alguns cuidadores informais passaram a existir, mas outros continuam invisíveis”, diz.