Jonathan Coe: ‘Queimar o meu primeiro romance foi uma das melhores decisões da minha vida’

por Mário Rufino,    14 Maio, 2018
Jonathan Coe: ‘Queimar o meu primeiro romance foi uma das melhores decisões da minha vida’
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Após constantes lotações esgotadas, ou muito perto disso, para assistir às conversas na Galeria Municipal de Matosinhos, pode concluir-se que o LeV – Literatura em Viagem, se inscreveu nos hábitos do público de Matosinhos.

A décima segunda edição de um dos principais festivais literários portugueses teve sete dias preenchidos com conversas e exposições, com o inglês Jonathan Coe e o islandês Sjón como principais atractivos. A estes dois autores, cujas participações aconteceram no último dia de festival, juntaram-se o catalão Enric González, o norte-americano Richard Zimmler, e ainda vários autores portugueses.

Pedro Abrunhosa foi o autor convidado para a Conferência Inicial, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Matosinhos, e foi o apresentador de Nómada, novo livro de João Luís Barreto Guimarães (com presença do autor e moderação de Francisco José Viegas).

Jonathan Coe, no LeV – Literatura em Viagem

Na Galeria Municipal de Matosinhos, Tito Couto e Hélder Gomes entrevistaram Jonathan Coe, o autor de A Vida Privada de Maxwell Slim, A Casa do Sono ou A Chuva antes de Cair, entre outros livros.

O escritor inglês, nascido em Birmingham, pertenceu a um grupo de músicos que não podiam ser menos carismáticos e mais tímidos. A carreira musical é um assunto que o envergonha um pouco, pois não pertenceu propriamente a uma banda que tenha chegado ao top 10. Enquanto as outras bandas tinham músicas sobre mulheres a castrarem homens, numa espécie de “punk radical-feminista”, ele era autor de canções gentis.

A sua carreira literária começou aos oito anos. Coe lia muita banda desenhada e achou normal escrever um policial, como os de Sherlock Holmes, cheio de mistério e crime. Escreveu o que lhe parecia um texto muito longo, pois tinha 150 páginas de um “notebook”. O pai levou o caderno para a sua secretária para o dactilografar, e o que parecia um romance policial ficou uma “short-story”, para grande desilusão do pequeno Jonathan Coe. Foi portanto, aos quinze anos, que acabou o seu primeiro romance, que acabou queimado no quintal dos pais, depois de relido anos mais tarde. “Foi uma das melhores decisões da minha vida”.

Apesar de a escrita literária ter começado tão cedo, Jonathan Coe nunca teve a ambição de ser escritor. Aconteceu naturalmente e hoje é infeliz quando não escreve. Sente-se radiante por ter leitores e por ser publicado, e revela não saber o que poderia fazer se tal não acontecesse. A longa carreira literária faz com que pareça um dinossauro, segundo as suas palavras, quando hoje lê frases que não se lembra de ter escrito há 25 anos.

Sendo uma entrevista a um autor inglês, a realidade política britânica é assunto incontornável, e Coe afirmou ter o desejo de ter Boris Johnson como criação literária, para que tal o permitisse destruí-la, tal qual fez com o romance escrito aos quinze anos. Nunca tiveram uma situação como têm agora, com tão má liderança, afirmou, e infelizmente é real, não foi criada por ele. Devido à confusão existente, não sabe para onde olhar à procura de liderança política. Ninguém sabe muito bem o que vai acontecer. Coe limita-se a criar personagens dentro deste clima politico. Não consegue fazer previsões, pois não se sente um analista. Não divide as suas personagens em linhas políticas, e segundo a sua opinião, os romances não resolvem problemas, mas acrescentam algo à vida. “O meu interesse é o quotidiano das vidas comuns”. Não é de estranhar, portanto, que um momento crucial para sua escrita tenha sido o nascimento das filhas.

Quando fui pai, o meu alcance emocional aumentou”. Tornou-se mais gentil, ou conseguiu começar a ser mais gentil com as personagens. Passou a haver mais do que o humor sarcástico tão típico da sua escrita, um humor que não encontra muito espaço se a intenção for ganhar prémios e ter boas críticas. No entanto, os seus leitores dizem que passam um bom tempo quando o lêem, e isso é uma excelente recompensa para o escritor. Excepto quando as reacções são as das suas filhas. “Se és um escritor sério, revelas muito de ti nos livros.” É embaraçoso para as filhas e para o autor quando elas lêem os livros.

No que toca à sua relação com as adaptações dos seus livros ao cinema, é ambivalente. Tem três livros adaptados para cinema. A Vida Privada de Maxwell Slim funcionou muito bem, mesmo que tenha sido alterado para se adequar à realidade francesa, e o único que não resultou foi o que ele próprio adaptou. Talvez tenha ajudado ao fracasso o facto de não gostar do livro e que tenha, em vez de o adaptar, tentado reescrevê-lo.

Além da Conferência Inaugural e desta Entrevista de Vida, o LeV-Literatura em Viagem, que decorreu entre 07 e 13 de Maio, biografou cidades como Matosinhos (com Joel Cleto), Rio de Janeiro (Alexandra Lucas Coelho e Mariano Marovatto), Nova Iorque (Isabel Lucas e João Tordo), Paris (Enric González e Tânia Ganho), Jerusalém (Miguel Miranda, Paulo Moura e Sheikh David Munir). As “Cidades literárias” foram debatidas também por Francisco José Viegas e Sjon, numa edição dedicada a biografar cidades próximas e longínquas.

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