Jordan Rakei preenche “Origin” com boas profundezas musicais
Aos 27 anos, Jordan Rakei parte já para o seu terceiro álbum, depois dos experimentais “Cloak” (2015) e “Wallflower”, entre diversos EPs. A sua carreira começou, à imagem de outros tantos artistas contemporâneos, numa plataforma digital, o Bandcamp. Corria o ano de 2011 e tinha Rakei somente 21 anos. O neozelandês é, hoje, em muito conhecido pelas suas colaborações com os Disclosure (a música “Masterpiece”, do seu álbum “Caracal”) e com alguns artistas desta nova geração de um jazz híbrido com laivos de hip-hop e de R&B do Reino Unido, como Loyle Carner (“Not Waving, But Drowning”, álbum de 2019, reforça o seu papel nesta ambiência e é recomendável, assim como o seu antecessor “Yesterday’s Gone” (2017)) ou Tom Misch (a crítica ao seu álbum “Geography”, de 2018, pode ser lida aqui). No entanto, Rakei tem algo de sui generis nesta nova toada musical. As melodias instrumentais são, efetivamente, marcadas e pautadas por uma suavidade e por um ritmo muito leve, mas que não deixa de produzir empatia com este novo fôlego da música urbana britânica. Porém, é a sua voz e o seu lirismo que acabam por o fazer destacar e de não o privar a ser, somente, mais um.
No entanto, sente-se que este novo trabalho, “Origin”, seja um pouco mais ritmado que o seu antecessor, “Wallflower”, regressando aos sabores proporcionados por “Cloak”, o seu disco de estreia. Chegados a 2019, e já após a sua presença no EDP Cool Jazz Fest no ano anterior, fomos contemplados com um novo single, “Mind’s Eye”. A tendência mantinha-se, uma tendência de elaborar nas letras, com uma apetência pela introspeção e pela musicalidade deste fluxo de consciência. Porém, revelava-se a tal instrumentalidade mais animada e agitada e “Say Something” trazia isso no seu regaço. Chegados, por fim, ao trabalho na sua totalidade, deparamo-nos com um início vibrante e cativante neste mad, “Mad World”.
Continuamos neste groove com “Rolling into One”, uma música de aceitação e de positividade, corroborada com os versos Show some grace or mind my loving / Souls keep swimming against the current / Show me what love is. É um “Oasis” aquele que procura na canção seguinte, o que revela ainda alguma incerteza neste caminho animado e alinhado com um sentido mais positivo para a sua vida, embora não quebre com o seu discurso musical, fresco e saboroso. “Wildfire” já havia sido lançado em 2018 num EP, mas não deixa de ser uma adição sempre bem-vinda a um álbum que acolhe bem este intimismo que Rakei tanto incute nas suas construções líricas. A esperança é uma nota dominante neste caudal, embora na certeza das limitações da vida (I hope it gets easier / I hope things get better / I’m hoping for many things / But many things don’t last / No, they don’t last forever). Continuam bem os “Signs” of who we are, os sinais aos quais se juntam os da voz doce da cantora Frida Touray, que ajudam a acompanhar a viagem sonora de Rakei.
“You & Me” destaca-se, sobretudo, pela multiplicidade instrumental que aplica, convidado os saxofones, o baixo e a bateria a juntarem-se ao piano e à guitarra e a complementarem-se à voz do neozelandês. De seguida, chega “Moda”, com um sabor um pouco mais anestésico que as demais (Your breath escapes the cup but scales down to the lake / Now we’re falling asleep, yeah, asleep, yeah). Quando a música parece quebrar, consegue surpreender e não se deixar cair, entregando-se às tais profundezas com as quais o álbum parece estar comprometido e seguir a sua natural fluidez. A faixa que também seja dominada pela melancolia que avassala algumas das suas peças anteriores é “Speak”, dominada por um trio de versos que consegue captar bem a essência do que Rakei procura dizer (all for that place we’ve all been fighting on / Await the tales of encore / And soulful resolution). O disco fecha com um “Mantra”, um mantra que volta a ter a voz de Frida Touray e que ajuda a um embalar, um embalar que amadurece a crença em algo mais, em algo especial que se entrega ao movimento natural das ondas sonoras e sensoriais. O saxofone volta a ter protagonismo num solo que é acompanhado por um ecoar de palmas que fica no ouvido, à boa maneira de um repetitivo mas efetivo mantra.
Consoante se ouve este álbum, percebe-se que aquilo poderia faltar nos trabalhos anteriores estava aqui. Com todos os argumentos de vulto jogados para os ouvidos e demais sentidos, faltava dar a todas estas peças uma audição envolvente e contextualizada. Já não se viaja numa oscilação de tons e de sons, mas sim num percurso bem mais articulado e consistente, que acaba por encontrar o seu sossego e a sua desaceleração precisamente no final. Não obstante, percebe-se esta necessidade do músico entrar em profundezas, em mares navegados por si aos quais se entrega e se dedica a um flow de sentimentos que são interpretados com os instrumentos e com a sua própria voz. Jordan Rakei consegue, assim, com este trabalho, ter um discurso de identidade mais concreto, que simplifica ao invés de complicar e que irrompe de uma aparente melancolia à qual se poderia render. É um discurso leve, fluído, mas profundo o suficiente para o marcar como uma das figuras mais luzidias desta nova geração de músicos de um jazz que tão bem soube acolher os modernismos e os apetites do R&B e do hip-hop.