José Mário Branco. A morte do último “comunista” na clandestinidade
O meu pai dormiu na sua casa de Paris durante uns meses. Nunca os vi juntos, mas ouvi um e o outro falarem sobre o maio de 68, as manifestações, a militância no PCP que o Zé Mário abandonaria pouco depois do 25 de abril, os dias nas livrarias parisienses, os filósofos, o combate por uma ideia de futuro, a revolução.
Engraçado.
O José Mário Branco foi a única pessoa que conheci que, tendo morrido de alguma forma em vida, nunca verdadeiramente envelheceu. É isso mesmo, agora que penso alto. Quando o ouvi pela primeira vez, na casa onde viveu mais de 40 anos com a atriz Manuela de Freitas, depois de um espetáculo que ofereceu ao PSR, percebi que uma parte de si partira com o 25 de novembro de 1975. Dera tanto de si, acreditara tanto na revolução que nunca perdoaria aos que lhe destruíram os sonhos. Algumas das canções que imaginou a seguir, ou a extraordinária performance FMI, foram a prova dessa ferida aberta, uma ferida impossível de cicatrizar.
Porém, apesar dessa “eterna” maldição a que se condenara foi vivendo sempre com os olhos no futuro. A ouvir os novos músicos, a querer trabalhar com eles, a compor, a trabalhar em arranjos de tanta malta que, em alguns casos, nem imaginava a importância da figura que tinham à frente. Para ele melhor assim.
Quando me disseram pensei que não podia ser. O José Mário Branco? E já tinha 77 anos? Claro que os tinha, mas na minha cabeça era novo. Talvez por ter deixado de celebrar aniversários em 1974, talvez tenha sido isso. Para mim o Zé Mário não tinha mais de 40.
A sua morte é a morte de um tempo. A morte da última grande figura na clandestinidade. Sim, o Zé Mário continuava na clandestinidade. A querer deixar-se iludir sabendo que não existia ilusão possível. E preparado para o dia em que fosse necessário combater por um mundo melhor.
Chegou esse momento, Zé Mário? Tu que na juventude acreditaste em Deus, o que me dizes agora? Estás aí? Existe revolução depois de as luzes se apagarem?