Kaia Gerber, a modelo que se esconde dos paparazzi com livros
Ser uma das modelos do momento e de maior reconhecimento internacional significa perder grande parte da privacidade, não só do próprio corpo, mas também da vida privada. Sabemos que existe uma parte da imprensa que persegue histórias e dramas pessoais das celebridades, porque, ao que parece, há muita gente interessada nesse conteúdo. Kaia Gerber, que em 2018 arrecadou o prémio para Modelo do Ano atribuído pela The Fashion Awards, com apenas 18 anos já colaborou com algumas das marcas mais poderosas do mundo, como Saint Laurent, Prada, Versace, Chanel ou Louis Vuitton. Desde muito nova que viu o exemplo da mãe, Cindy Crawford, que, com a sua idade, era uma das modelos com maior exposição global. As comparações são uma constante.
Kaia é uma leitora compulsiva e anda sempre com um livro consigo, de preferência em formato físico, embora admita que o formato digital é mais fácil de transportar. Sempre que pode, leva consigo o livro físico, e essa paixão por ler deu origem a um clássico entre ela e os paparazzi. Quando Kaia abandona ou chega a um desfile, os fotógrafos estão já preparados para captar o momento, ao qual Kaia começou a responder tapando a cara com o livro que anda a ler. Será uma reação natural de esconder de uma modelo que atingiu a fama muito cedo ou um incentivo a divulgar livros e a leitura? Talvez uma mistura dos dois. Já a vimos tapar a cara com livros como Apenas Miúdos, de Patti Smith, um clássico moderno da mão de uma talentosa mulher, ou Enquanto elas dormem, de Javier Marías, um escritor notável natural de Madrid, ainda vivo e eterno candidato ao Nobel, cujo estilo se caracteriza pelo que em literatura se denomina “fluxo de consciência”, isto é, uma série de monólogos interiores das personagens através dos quais descobrimos as verdades de cada um com a reflexão de acontecimentos já acabados, mas que a sua imaginação tenta ainda mudar. A memória é como o mar que continua a tentar chegar o mais longe possível na areia da praia. O passado mistura-se com o presente, porque assim funciona a nossa mente. Um escritor que recomendo imenso, sem dúvida dos meus preferidos entre os contemporâneos.
Em Janeiro deste ano, saiu do desfile da Chanel exibindo Travessuras da menina má, o último livro que Vargas Llosa publicou antes de receber o Nobel. Detentor de uma extraordinária força e magnetismo, este livro é sobre a intensidade de um amor eterno de um “menino bom” para com uma “menina má”, que começa na sua juventude. Ao longo das suas vidas, já longe do seu país – o Perú, como o autor -, os seus intensos reencontros são a base deste magnifico livro de um amor eterno embora doloroso. Vargas Llosa quis, por outro lado, escrever um romance moderno com lugar em grandes metrópoles mundiais como Paris, Londres, Tóquio e Madrid, onde se deram grandes transformações sociais. Admirador imenso de Flaubert, este romance é também um tributo à sua Madame Bovary e A Educação Sentimental.
Recentemente, com a quarentena, Kaia decidiu criar um clube de leitura e, desde os princípios de Abril, que, a cada sexta-feira, faz um direto na sua conta do Instagram onde fala sobre um livro e debate ideias com convidados (escritores, atores…). Nos primeiros tempos esteve mais ativa, até que o seu luto e envolvimento nas manifestações do movimento “Black Lives Matter” lhe fizeram abrandar o ritmo. Sempre quisera fazer parte de um clube de leitura, mas, como nunca ninguém a convidou, decidiu criar um ela mesma. A sua fama e exposição social dão-lhe a vantagem de poder convidar amigos artistas para participar nos seus diretos.
O livro que estreou estes diretos, a 4 de Abril, foi um dos seus preferidos: Pessoas Normais, de Sally Rooney. Começou por explicar o porquê de o livro ser tão especial para ela e como ela se revê em certos aspetos dos protagonistas da novela. Depois, teve como convidados Daisy Edgar-Jones e Paul Mescal, os atores da série televisiva homónima inspirada no livro. Produzida pela Hulu e pela BBC, estreou na última semana de Abril nos Estados Unidos com enorme sucesso. Na altura, Kaia teve acesso antecipado à série e fez o direto antes da sua estreia, o que ajudou a aumentar ainda mais a antecipação pela mesma. A data de estreia em Portugal ficou marcada para o dia 12 de Agosto, na HBO. Os fãs gravaram o direto e deixamos neste link a primeira edição para qum tiver curiosidade.
O segundo direto foi partilhado com Lena Dunham, sua amiga, que tem andado a escrever um livro chamado Verified Strangers, o qual está a ser publicado ao ritmo de um capitulo por cada dia laboral na Vogue e conta com a possibilidade dos leitores decidirem através de votos na conta do Instagram da própria Vogue o que acontecerá nos próximos capítulos. Kaia, durante os seus tempos de escola, não gostava de ler e conta a história de como uma senhora que trabalha numa livraria de Nova Iorque de quem ela gosta a influenciou imenso nos livros que ela começou a ler.
Não tendo ido à Universidade e tendo acabado a escola online, queria, ao entrar numa sala, ser capaz de se expressar corretamente sobre o que pensa e sente, uma lacuna que a leitura de livros a ajudou a preencher. Aponta O Estrangeiro, de Albert Camus, como o primeiro livro que a impactou verdadeiramente. Curiosamente, posso dizer o mesmo. Esta obra de Albert Camus é sem dúvida um bom livro para começar no mundo da grande literatura intemporal pela sua clareza na escrita e pelo fácil que é de seguir. No entanto, o que mais importa na obra é o impacto que o protagonista, cuja consciência ficamos a conhecer, tem em nós, ou seja, é um bom exemplo para quem está a começar poder sentir o poder que a boa literatura pode ter dentro de nós. Falamos de uma obra maestra que permanecerá como uma obra inconfundível.
Tanto o segundo como os restantes diretos estão disponíveis em vídeo na mesma conta de youtube do link mencionado anteriormente. As sessões seguintes foram sobre livros de géneros literários diferentes e com diversidade nos temas, em concreto: Bom Dia, Tristeza, de Françoise Sagan, Falso Espelho: Reflexões sobre a autoilusão, de Jia Tolentin , This Is How It Always Is, de Laurie Frankel, O Despertar da Primavera, de Frank Wedekind, Play it as it Lays, de Joan Didion, Entre Mim e o Mundo, de Ta-Nehisi Coates, Darling Days: A Memoir, de iO Tillett Wright, Minha Sombria Vanessa, de Kate Elizabeth Russell, e, mais recentemente, Such a Fun Age, de Kiley Reid. Através do Instagram da modelo podemos acompanhar o anuncio das próximas sessões e respectivos livros.
A verdade é que, durante a quarentena, tivemos a oportunidade de assistir a vários diretos de todo o mundo, um formato que está a ter cada vez mais adeptos e promete ficar como uma alternativa bastante válida de entretenimento mesmo quando as restrições sociais fruto do Covid-19 começarem a desaparecer. No entanto, também será de esperar que os autores destes diretos estejam mais ocupados e, como tal, será menos provável ter tanta oferta. O clube de leitura de Kaia é educativo, tem convidados interessantes, momentos de humor e alguns desabafos pessoais para quem quiser conhecer melhor a modelo. O melhor destes formatos é sentirmos que as pessoas estão a ser naturais, sem preocupações de audiências ou outras normas que vemos repetidas nos canais de televisão que produzem conteúdo diariamente. Por outro lado, Kaia pode assim “fidelizar” ainda mais os seus seguidores e posicionar-se, cada vez mais, como uma modelo ativa em temas sociais, o que lhe dará a longo prazo uma melhor imagem enquanto modelo, já que, hoje em dia, não basta ter boa aparência para as fotos. É assim uma boa forma de valorizar a marca que é o seu nome e imagem. Os fãs e as marcas querem inspirar-se de pessoas com bons valores que defendem boas causas para as pessoas e para o planeta.
Para terminar, uma lista de livros que Kaia fez para esta quarentena, alguns deles já mencionados anteriormente:
- Travessuras da Menina Má, de Vargas Llosa
- Norwegian Wood, de Haruki Murakami
- Este lado do Paraíso, de Scott Fitzgerald
- Pessoas Normais, de Sally Rooney
- On Earth We’re Briefly Gorgeous, de Ocean Vuong
- Pela Estrada Fora, de Jack Kerouc
- Uma Vida Pequena, de Hanya Yanagihara
- O Profeta, de Khalil Gibran
- Uma Cerveja no Inferno, de Arthur Rimbaud
- O Estrangeiro, de Albert Camus
- Perfume, de Patrick Süskind
- Fragmentos de um discurso amoroso, de Roland Barthes
- O Banquete, de Platão
- Hunter S. Thompson: The Last Interview: And other conversations, de Hunter S. Thompson
- Bright Lights Big City, de Jay McInerney
- Bom dia, Tristeza, de Françoise Sagan
- A Sague Frio, de Truman Capote
- Nunca me deixes, de Kazuo Ishiguro