“KRIOLA”: mais um capítulo fiel à notável história musical de Dino D’Santiago
Já muito se escreveu e dissertou sobre a música de Dino D’Santiago. É visto por muitos como uma das caras de um movimento que está numa clara trajectória ascendente, um movimento universal que não perde a singularidade que o distingue. Muito se fala de uma Nova Lisboa, multicultural e que bebe de muitos outros sítios, e um dos Tejos desta recente e efervescente metrópole que cresce e progride dentro da capital é sem dúvida o proficiente artista de Quarteira.
Seja através do mote inicial dado por Mundu Nôbu, o projecto que o apresentou a um público mais amplo, ou do mais tradicional fundido com a electrónica moderna do óptimo EP SOTAVENTO, D’Santiago tem mostrado que está à altura para tomar o lugar de destaque que outros lhe adornam, sem nunca esconder que não é um esforço singular: o artista algarvio dá a cara, mas são muitos os que o ajudam a chegar ao mundo, algo que o artista faz questão de mencionar. KRIOLA, o seu mais recente projecto, é, mais do que um álbum, uma dedicatória a todas as mulheres que o inspiram e uma celebração da cultura crioula.
Mas antes de começar (e para os mais distraídos), o artista torna a dar as boas-vindas a esta Nova Lisboa e mostra-se um talento nato na arte do bem receber, com “Morabeza”. Essa arte está tão clara no título como na música em si, seja pelo seu instrumental com um baixo quente e expansivo, e teclas discretas e convidativas, ou pelo timbre expressivo e falsete penetrante de D’Santiago. O músico canta sobre uma nação crioula que está mais do que presente na capital, seja nas ruas ou dentro dos clubes.
E é para os clubes que Dino D’Santiago nos quer transportar com temas como “My Lover” ou “Kriolu”. Ainda que a primeira seja algo morna, a segunda é um banger que quase nos leva a desobedecer ao dever cívico de recolhimento domiciliário. A diferença entre a sensualidade do kizomba e o “partir cascalho” do funaná dá uma dicotomia interessante ao tema, com os suspeitos do costume — Branko e PEDRO — ao leme de uma produção instrumental com dois momentos distintos e que se conjugam muito bem. Já D’Santiago traz o convidado Julinho KSD para um tema de aclamação aos tempos que vivemos e à vibrante nova realidade que procura incluir todos, mostrando que é também nas pistas de dança que se encontra a união.
Dino D’Santiago sabe que essa união só será conseguida ao “deixar desse lero-lero” para trás, como nos canta em “Arriscar”. É o momento mais introspectivo do álbum, alimentado por uma guitarra abafada e synths ascendentes, em que é descrita a vontade de D’Santiago de seguir em frente e a certeza de que arriscar é o caminho. A sintonia entre instrumental e a mensagem faz com seja claro o que pretende transmitir, mas músicas como “Nhôs Obi” ou “Kem Ki Flau”, ainda que potentes na sua intenção, não deixam grande mossa com a sua entrega, acabando por não se destacar neste (infelizmente) curto álbum.
Mas, ainda que KRIOLA conte apenas com 22 minutos, Dino D’Santiago deixa claro que consegue fazer muito com pouco tempo, como tão bem mostra na fenomenal “Roda”. A guitarra tirada de uma tradicional morna une-se a uma modesta batida electrónica num instrumental que nos surpreende com um solo rasgado de violino, mostrando várias influências em simbiose na mesma música. O artista canta sobre perder a vergonha, abraçar com alegria a singularidade e entrar na roda sem medos ou preocupações, uma verdade específica para a dança e uma metáfora geral para a vida.
E é sempre isso que Dino D’Santiago se esforça para mostrar na música: emoções reais e sentidas sob batidas que as complementam e amplificam. E é em momentos desses que vemos que KRIOLA é uma digna adição à discografia deste artista. Desta vez, optou por uma ode à cultura crioula. Mas seja qual for o conceito, é garantido que muito mais se vai escrever sobre a música de Dino D’Santiago.