‘Lá Vem a Morte’, mas a vida dos Boogarins é para se estimar
As fragrâncias psicadélicas de música, como a dos Beatles, dos Pink Floyd de Syd Barrett, dos Tame Impala, e dos compatriotas Os Mutantes, estão na base de grande parte da música que a banda brasileira dos Boogarins vem fazendo. Partindo para o seu terceiro álbum de estúdio, de seu título “Lá Vem a Morte“, fica para trás um crescimento interessante e interessado em colocar o Brasil no mapa das novas experiências eletrónicas na própria experimentação musical.
Criada em 2012, a banda é formada por “Dinho” – de seu nome Fernando Almeida Filho – nos vocais e na guitarra, Benke Ferraz também em guitarra e nos sintetizadores, Raphael Vaz Costa com o baixo, e Ynaiã Benthroldo ao encargo da bateria. O visual do quarteto reporta aos loucos e efervescentes finais dos anos 60, e início dos 70, onde também no Brasil eclodia uma necessidade de emancipação pela música em relação ao estado social e político, e onde moram várias das influências deste grupo musical.
O primeiro álbum é homónimo do trabalho inaugural da banda, o EP “As Plantas que Curam” (2013). O disco conheceu singular sucesso, levando a banda por diversos locais e festivais, tal como o Primavera Sound de Barcelona, e o South by Southwest, no estado norte-americano do Texas. Em Portugal, estiveram em várias ocasiões, tal como no ano passado, em pleno Rock and Rio, e regressam para o Super Bock Super Rock, no próximo dia 13 de julho. Seguiu-se, em 2015, “Manual, ou Guia Livre de Dissolução dos Sonhos“.
Lá vem o álbum, e, consigo, a primeira faixa: “Lá Vem a Morte, Pt.1“. Os ouvidos dão por si com um daqueles tradicionais e enfáticos discursos psicadélicos, onde a melodia se interlaça com uma súbita permuta de neurónios. Após esta receção no hall da entrada do álbum, “Foimal” alonga-se nos instrumentos, mostrando um pouco mais daquilo que é capaz de envergar na sua música. De seguida, “Onda Negra” volta a envolver-se numa aura bastante diferenciada no que toca ao ritmo musical, assim como “Polução Noturna“, esta mais suavizada, mas acompanhada de alguma intermitência eletrónica. De um ponto de vista lírico, todas elas letras muito acessíveis, com mensagens simples e tranquila, não havendo a preocupação em complicar, mas sim com o sentido absoluto de dar vida e identidade a uma música muito própria.
A morte regressa, com a sua segunda parte no interlúdio do álbum, estabelecendo uma espécie de ponte instrumental para o que está por vir. São os instrumentos que mais ordenam nesta morte que mais parece ser o celebrar de uma nova vida. “Corredor Polonês” também vive muito do que os instrumentos fazem de si, viajando um pouco pela progressividade musical. O instinto mais agitado, volta com “Elogio à Instituição do Cinismo“, que passa uma mensagem forte logo pelo título, e que é prolongada pela própria letra da mesma. Por fim, chega “Lá Vem a Morte, Pt. 3“, radicalizando com uma instrumentalização dispersa, mas coerente com a linha de criação musical do quarteto. Nesta música, sim, a alma apresta-se a morrer nesta fragmentação de melodias, partidas e misturadas sem fim, intercalando com várias mensagens e referências históricas. No fundo, a morte de algo que ainda está bem vivo, instilado no subconsciente coletivo de que, para além de conhecer a história, é fruto desta.
São 27 minutos de um fulgor musical que rebusca aquilo que maravilhou muitos, e um pouco do inovado e renovado instinto musical, potenciando aquilo que de novo chegou à música no novo milénio. A palete de sons confere essa sinestesia elástica e robusta a uma música que se ouve de forma leve e prática. De língua portuguesa, a banda anestesia e compatibiliza várias experiências musicais marcantes, que se vão encadeando, com diferentes premissas proferidas e ajustadas à realidade sonora. O virtuosismo destes brasileiros cativa e honra os vigorosos anos 60 e 70, em que o psicadelismo musical estava na voga. Hoje, e também com os trabalhos dos Tame Impala, este mantém-se vivo. Apesar de vir a morte, os Boogarins estão vivos, nutridos, e recomendam-se.