Leonor Bettencourt Loureiro: ‘Há mulheres novas de pulso firme e a ganharem prémios bad ass’
Se não existisse Sofia Coppola, provavelmente, também Leonor Bettencourt Loureiro não estivesse aqui hoje. A jovem realizadora cresceu em salas de montagem, redacções, expedições de todo-o-terreno e hoje é uma das mais talentosas da sua geração. Entre o Porto e Lisboa consolidou um percurso marcado por projectos com Keep Razors Sharp, Them Flying Monkeys e Antena 3 – onde trabalha regularmente. Em 2017, realizou GENES e recebeu o prémio para Melhor Filme de Autor, no Porto Fashion Film Festival. Este ano, e já com data agendada, estreia a curta-metragem Intra Inter Subjectivo
A imagem (vídeo e fotografia) entrou muito cedo na tua vida, desde então tem sido uma evolução constante. Actualmente e tendo em conta o meio audiovisual português, qual é a visão que tens de ti própria?
Sou uma Misfit, como o álbum do Tigerman. Fora de brincadeiras, só mais recentemente é que comecei a tentar perceber melhor o meu lugar. Acho que prefiro andar de um lado para o outro a fazer coisas do que esperar que me chamem e a parte incrível de poder fazer acontecer filmes, é assumir o “driver’s seat” e poder levar a minha visão artística avante, aprendendo enquanto faço. (I’m a Do-er!) E as coisas também vão começando a acontecer por si…
Como vês as mulheres (atrás da câmara) no nosso meio audiovisual?
Há mulheres novas de pulso firme, a ganharem prémios bad ass, mas há pouco trabalho no meio cultural no nosso país e andamos sempre todos, independentemente do género, à procura de trabalhos justos, pagos de acordo com o os valores (a)normais do mercado. Tenho a sensação de que a igualdade de género se está a conquistar. O panorama actual de movimentos activistas (ainda que uns melhores que outros) faz com que o feminismo faça parte do léxico pop. Talvez passe a ser óbvio que feminismo é igualdade, que é o mais importante. Falta sobretudo mais trabalho!
#Hashtag. como foi desenvolver esse projecto e vê-lo depois passar na RTP2?
O #Hashtag é sobre feelings! Tinha 21 anos quando começou e foi o meu maior projecto até hoje. Como foi sobre a adolescência e as suas grandes temáticas, teve aquela dose boa de Memory Lane à adolescência, que mal havia acabado para mim. Fazer um programa pedagógico obriga a pesquisar muito, a ir a escolas, falar com pedopsiquiátras e psicólogos, pais e, mais importante, adolescentes, para poder escrever guiões que sejam não só divertidos, mas também peças documentais que suscitem a reflexão sobre e nos jovens portugueses. Diria que a fase de pré-produção foi tão envolvente, que apesar da rodagem e pós terem saído do corpo a cada membro da equipa, lhe guardo especial carinho. Foi também nessa fase que se optou por usar apenas música portuguesa, o que também me deixa de coração cheio. Vê-lo a passar na televisão, e com bons resultados, foi de outro mundo! Saber que houve identificação fez tudo valer a pena. Continua a ser serviço público porque faz agora parte da plataforma RTP Ensina, na secção sobre cidadania, disponível para escolas, mas também para qualquer pessoa.
Como surgiu a oportunidade de trabalhar com o Genes? E como desenvolveram o trabalho?
“Este gajo é bué fixe. Vou-lhe ligar!” e assim foi. Fizemos algo que fosse bom para os dois, um projecto muito autoral, e assim nasceu um filme de moda, chamado GENES. Ele ficou com mais material para divulgação do seu trabalho e eu arrecadei 2 nomeações e um prémio de Melhor Filme de Autor, no Porto FFF. O que mais gostei no processo inteiro, foi samplar e fazer outra coisa com a música “Pessoas”, do Luís D’alva Teixeia aka Genes (ver vídeo).
Valorizas muito as colaborações artísticas e tens promovido muito isso, principalmente, com os Them Flying Monkeys e com os Keep Razors Sharp. Foram sempre processos criativos contínuos ou desenvolvidos de forma repartida?
Sem dúvida! Quando trabalho com bandas ou qualquer cliente, no fundo, o mais importante é que toda a gente fique o mais feliz possível e faz sentido que as ideias sejam concebidas em conjunto. Só em projectos autorais é que me permito ser egoísta, e mesmo assim, faço questão de envolver os intervenientes porque quando as pessoas se unem pelo mesmo fim, acontecem coisas incríveis.
No fundo, como é que trabalhas o processo de som-imagem? Até que ponto o teu imaginário vai ao encontro do das bandas/artistas (e vice-versa)?
Parto sempre de algo dentro da minha zona de conforto, e depois é que me mando para fora de pé, com pesquisa e pré-produção, depois sigo os processos normais, o que não quer dizer que não tenha já pegado na câmara e me tenha saído algo giro na montagem, mas quando não maturação, não é bom, é só giro. No caso mais recente, o vídeo da “Always And Forever” dos Keep Razors Sharp, foi um processo mais documental da gravação do álbum. Fizemos alguns planos “mais fora” da banda, do Black Sheep Studios e de Mem Martins, de acordo com o mood que tínhamos definido, e depois foi “chorar” na montagem para passar tantas horas de realidade para 3 min de Vídeo Arte, Ficção e Documental (ver vídeo).
A criação do colectivo LBL é um olhar para o futuro? Estarás aberta a colaborações com outros cineastas e filmmakers?
Para já LBL representa o que eu faço e as pessoas que normalmente vão trabalhando comigo, porque consigo proporcionar mais que vídeo. Digamos que não sou a pessoa certa para filmar só um evento, tenho mais a oferecer se estiver envolvida no processo desde mais cedo, e o LBL é uma maneira de fazer acontecer uma produção completa.
Tenho umas colaborações em cima da mesa, é somar e seguir!
Quem te conhece, sabe da dedicação que depositas nos teus trabalhos. O que és capaz de fazer (e que já fizeste) pela melhor imagem?
Privação de sono… Mas nesse caso é mais pela melhor montagem, e é curioso, porque às vezes é no limiar da exaustão que sai o melhor cut. (Go figure!) Mas já cheguei a filmar dentro de água no pico de inverno, mas com um fato de surf. Se alguém da equipa tiver de sofrer na rodagem, como sou muito empática, prefiro sofrer também. A coisa fica mais democrática e flui melhor.
Quais são as tuas inspirações e referências?
Provavelmente não estaríamos a ter esta conversa se a minha mãe não me tivesse dito que eu era parecida à Sofia Coppola, a propósito dos Oscars de 2004. Acho mesmo que o Lost in Translation mudou o meu percurso e a Sofia tornou-se imediatamente num dos meus ídolos, e é sinónimo de sensibilidade, classe e bom gosto imaculado, por mais subjectivo que isso possa parecer. Actualmente ando a explorar o cinema de Henri-Georges Clouzot, outro esteta, conhecido como o “o Hitchcock francês”. No geral, sinto um grande apelo por estórias filmadas de uma maneira onírica e prefiro perspectivas vincadas em vez de janelas.
Tens uma curta-metragem para apresentar no fim de março, podes adiantar algum detalhe? E já agora, que outros projectos podemos aguardar para o futuro?
O filme chama-se Intra Inter Subjectivo e é um bocado experimental, como o nome. Anda à volta de conceitos como intra e intersubjectividade, que é qualquer coisa como conflito interno e externo ou ego trip de uma ciclista (Mara Flora, não-actriz). Surgiu como um projecto meu e da Inês Sanches, que fez assistência de realização e Grading, por ela ser membro do Azores Fixed e Rider da bicicleta Miso (que entra no filme) feita na RODAGIRA. Também contei com o João Antunes, na Produção e com a Luzia, no Making Of e Fotografia de Cena. A ante-estreia é nos Anjos 70, no dia 24 de Março e integra a exposição RUA, com curadoria do colectivo Almáfia, depois segue para os festivais. No futuro? Mais ficção, mas sem deixar o documentário, o videoclipe e a moda.