“Licorice Pizza”, de Paul Thomas Anderson: o ritmo frenético da juventude
Este artigo pode conter spoilers.
O novo filme de Paul Thomas Anderson tem vários pontos de entrada possíveis. No entanto, apraz-nos iniciar por um dos mais intrigantes: o elenco. Olhando para a filmografia do já canonizado cineasta norte-americano é possível verificar que as suas escolhas para papéis principais passaram sempre por nomes incontornáveis de Hollywood, de Joaquin Phoenix a Daniel Day-Lewis. Ora, para “Licorice Pizza”, o realizador elegeu para protagonistas Cooper Hoffman (filho de Philip Seymour Hoffman e presença habitual nos filmes de Anderson antes da sua trágica morte) e Alana Haim (da banda Haim), duas estreias e verdadeiras revelações, testemunho da mestria de Paul Thomas Anderson na direção de atores. Bradley Cooper, Tom Waits e Sean Penn contribuem também, com as suas interpretações caricaturais, para trazer mais colorido a um já de si vibrante filme.
Mas então o que nos oferece “Licorice Pizza” e de que forma pode ser percepcionado no conjunto da obra do realizador? Pois bem, o filme decorre nos anos 70 em San Fernando Valley na Califórnia e acompanha Gary Valentine (Cooper Hoffman), estudante de ensino secundário e ator e Alana Kane (Alana Haim), jovem adulta com quem vai construindo uma relação. Independentemente do setting e da narrativa dos seus filmes, continua a interessar fundamentalmente a Anderson as dinâmicas de poder que se podem estabelecer entre duas pessoas e de que forma tal pode influenciar a maior ou menor proximidade com que se relacionam. Foi assim entre Reynolds Woodcock e Alma Elson (“Phantom Thread” (2017)) ou Freddie Quell e Lancastar Dodd (“The Master” (2012)), e volta a ser assim entre Gary e Alana.
Mas há algo que nos parece distanciar “Licorice Pizza” dos mais recentes filmes do cineasta. Se é inegável o virtuosismo cinematográfico com que Paul Thomas Anderson permeia os seus filmes, criando obras densas e colossais, por vezes, acaba por deixar que resvalem numa certa auto-importância. Aqui, o realizador apresenta uma obra mais leve e fluída, sem colocar em causa o absoluto controlo da mise-en-scène, mas não a revestindo do polimento que torna os seus filmes, por vezes, demasiado redondos e herméticos. E aqui surge a necessidade de mencionar um filme de outro cineasta que dialoga sobremaneira com “Licorice Pizza: Once Upon a Time… in Hollywood” (2019), de Quentin Tarantino.
Mas só por ter o mesmo pano de fundo? Poderia perguntar o leitor. Não, as pontes que se podem estabelecer vão muito para além disso. Desde logo pela tal simplicidade e ligeireza narrativa a que os autores se prestam e que contrasta com parte das suas filmografias. Por outro lado, pela forma como filmam os seus personagens naquele ambiente que tanto lhes diz, sem carregar no pedal da nostalgia e permitindo que desfrutem ao máximo o recriado idílio dos 70’s. E por último, por estarem menos preocupados com a catarse narrativa e mais com o acumular de pequenos momentos significantes. Um joelho que se aproxima a outro joelho, uma mão que se junta a outra mão.
Mas o que realmente permanece na memória é a relação central do filme, carregada de nuances e ambiguidades morais, com vários avanços e recuos, e a forma como a América dos anos 70 e a perseguição obsessiva do sonho americano a vai influenciando. E a câmara, que acompanha e mimetiza o movimento constante de Gary e Alana, sempre em altas rotações, mesmo quando a gasolina acaba. Muito se tem escrito, por parte da denominada cultura do cancelamento, acerca das problemáticas que o filme levanta, nomeadamente a diferença de idades dos protagonistas. A única coisa que podemos dizer é que este é um sinal claro que Paul Thomas Anderson deverá estar a fazer alguma coisa bem, porque de personagens e filmes bem comportados está o cinema americano contemporâneo lamentavelmente cheio.