Linda Martini: “Ouçam conselhos, mas ignorem aqueles que não vos fizerem sentido”
Passam quinze minutos das dez da noite, 12 de dezembro, quando subimos pela segunda vez no dia as escadas até ao quarto piso do número 178 na Rua Passos Manuel.
Os Maus Hábitos já estão bastante cheios, mas é na sala do concerto que está a verdadeira multidão. Ao furar para chegar ao palco, um ’com licença’ para um lado, um ‘por favorzito’ para o outro, já se sente a eletricidade no ar. O espaço pulsa com a expetativa e o som de dezenas de conversas simultâneas. O bar também está apinhado, com os últimos ansiosos a tentarem por as mãos num fino antes que o espetáculo comece.
Cerca de dez minutos depois da hora prevista, os quatro elementos da banda entram pela porta lateral. André Henriques dá voz aos Linda Martini (enquanto toca guitarra), Cláudia Guerreiro dá corda ao baixo, Hélio Morais é o mestre das baquetas e Pedro Geraldes o dos solos de guitarra. Com um “boa noite”, lançam-se por “Este Mar”, a primeira faixa do seu primeiro EP. Esta é uma música que começa devagar, a seu tempo, evoluindo de forma gradual, aumentando a velocidade e a energia. Foi uma excelente escolha para fazer o público entrar no ritmo e mergulhar de cabeça no mar que é Linda Martini. Nestes seis minutos, nada-se suavemente por planícies abissais e cai-se abruptamente por fossas oceânicas. Foi uma escolha, porque foi o público que a fez. Esta tour, Agora Escolha, destaca-se por ser dada a oportunidade aos fãs de escolherem a sua própria setlist. Assim, até ser encerrada a votação umas horas antes do espetáculo, nem os próprios membros da banda sabem o alinhamento.
Subido o talude continental no fim da primeira música, a banda conduz o público numa odisseia pelo continente. De um só fôlego, tocam-se “Panteão”, “Europeu Comum”, “Boca de Sal”, “Amor Combate” e “Óssa Menor”. Esta é uma sequência exigente. Trepam-se encostas íngremes e corre-se a toda a velocidade por entre as notas que os instrumentos libertam como gemidos. Os Linda Martini querem, de facto, “tudo ao mesmo tempo”. André liberta ao microfone “o chão que pisas sou eu”, mas, pelo fim destas cinco músicas, o público sente que ele é que foi pisado pelas suas próprias escolhas musicais.
“Lição de Vôo Nº 1” atira a sala do pico da montanha, estendendo as asas e indo ao favor do vento durante os 10 minutos da música. Na verdade, poder-se-ia dizer que, neste dia, todos os presentes nos Maus Hábitos flutuaram até perto da exosfera, espreitaram para o espaço exterior – desvendando, até, alguns dos segredos do Universo, quem sabe – e regressaram de para-quedas. Experiências surreais deste tipo são o que motiva os amantes da música a subir a longa escadaria. Afinal, a sala de concertos localiza-se no quarto piso por alguma razão.
Bem-sucedida a aterragem, Cláudia abraça André e juntos cochicham com Hélio. Estes momentos de amizade são comuns aos concertos da banda e fazem com que o público se sinta parte da família também. “Volta” a memória de outros tempos a esta baixista, que partilha os seus pensamentos com os parceiros da banda e com o público. Lembra que a primeira vez que tocaram no espaço foi em 2006, ano em que lançaram o seu primeiro disco, “façam vocês as contas”. Agradece de forma sentida toda a atenção e dedicação do público, neste concerto que, mal postos os bilhetes à venda, foi o segundo a esgotar da tour. “É uma declaração de amor, pessoal”, brinca, recebendo uma onda de aplausos. “É buéda bom perceber que, tantos anos depois, conseguimos voltar aqui e ter uma casa destas.”
Aos pés de André encontra-se uma folha com a setlist. Ao ver alguns elementos da primeira fila a tentar espreitar para ver qual será a próxima música, Cláudia, depois do seu agradecimento, “troça” com estes, desvendando que o alinhamento está escrito em código. “Olha vejam se conseguem saber a próxima.” Tocadas as primeiras notas, a reação despoletada revela que a audiência sabe bem que estas pertencem a “Estuque” – ou “Chapar Massa à Talocha”, como diz na dita folha, escrita com bastante espiritualidade; mais tarde, foi surpreendentemente engraçado o jogo de decifrar este código humorístico.
Seguem-se “Dá-me a tua melhor faca”, “As Putas Dançam Slow” e “Unicórnio de Sta. Engrácia”. “Cem Metros Sereia” é a resposta dos fãs ao discurso de Cláudia, a verdadeira prova de amor à banda. A sala entoa a plenos pulmões e em uníssono a única frase da música. “Foder é perto de te amar, se eu não ficar perto” continua a ouvir-se muito depois de os músicos ficarem em silêncio. Os quatro apresentam largos sorrisos, comovidos com o amor que recebem. Verifica-se, Linda Martini é amor.
Neste concerto que percorre os cinco álbuns da banda (mais os EPs), tocam-se mais duas composições do último trabalho. “Se Me Agiganto” e “Gravidade” – ou “Onde Newton Perdeu as Botas” – mantêm a intensidade e a energia do público. Os moches sucedem-se, com miúdos, graúdos e umas cervejas no ar que braços que esticados como antenas tentam manter intactas. Na fila da frente, movimentações que apenas são comparáveis a exorcismos parecem estar a decorrer, tal é a velocidade a que cabeças e braços abanam, a complexidade da libertação do próprio e entrega total à música. “Esta é a última”, diz Cláudia. Claro que ninguém acredita nas suas palavras, quando a banda sai sem grandes demoras pela porta por onde entrou.
Após uns minutinhos, André, Cláudia, Hélio e Pedro regressam. “Putos Bons” não se faz ouvir de imediato. Cláudia tem alguns problemas técnicos com o baixo. Hélio, com o mesmo bom humor de sempre, improvisa uma história para entreter. “Um português, um inglês e um francês eram amigos. E, como bons amigos, faziam coisas juntos, passeavam, jogavam às cartas. Mas uma coisa que não faziam era excluir pessoas, porque excluir pessoas é buéda feio.” O guitarrista vai improvisando também umas notas. Após uma sequência particularmente barulhenta, Cláudia atira-lhe com “olha Geraldes, quando estiveres a falar vou-te fazer isso”, conseguindo uma gargalhada geral.
Mais uma vez, a baixista – que neste concerto assume o papel de porta voz – agradece ao público. “Conseguiram fazer deste um daqueles concertos que fica no coração. A sério, obrigada.” A música volta a tocar-se e tanto putos bons como putos maus se juntam para esta que será a penúltima música, do penúltimo álbum da banda. Mesmo a dar o sétimo concerto seguido no espaço de oito dias, o grupo dá tudo o que tem – e talvez até um pouco mais. Ao longo de todo o concerto, as expressões faciais de esforço são notáveis – nalgumas passagens mais exigentes, nos quatro ao mesmo tempo -, mas sempre fundidas com as de alegria. Aliás, em cima do palco, e fora dele; este é um público bastante irrequieto.
A noite acaba com “Quase Se Fez Uma Casa”, uma das faixas deste disco homónimo. “Não me queiras só porque sim”, pede André. Mas não precisa de pedir. A sala lotada junta-se para um enorme aplauso ao grupo. Embora lá fora esteja uma das piores tempestades do mês, cá dentro, nada pára o amor e a alegria sentidos. Esta é uma daquelas noites que terá direito a um lugar especial no coração de todos os presentes.
“Esqueletos no guarda-fatos” são coisa que, se os Linda Martini os tinham, já não os têm. Algumas horas antes, atravessamos o centro da Invicta debaixo de chuva. Enquanto se espera pelos membros da banda, recupera-se o fôlego da subida aos Maus Hábitos e espreita-se pela vidraça, esta que deve ser uma das melhores vistas do Porto.
Cláudia Guerreiro e Hélio Morais, feitas as habituais apresentações e cumprimentos, sentam-se do outro lado da mesa e pedem um chazinho. Pedem desculpa por estarem apenas os dois; “o André e o Geraldes saíram”. Mantendo o seu jeito informal caraterístico, a conversa desenrola-se naturalmente.
Em primeiro lugar, o mais simples de tudo: porquê Linda Martini?
Cláudia Guerreiro – Todas as bandas precisam de um nome e, quando o desespero aperta, és obrigado a escolher um. Havia vários em cima da mesa e este foi o que nos pareceu melhor. Não sei se é assim com todas as bandas, mas, para nós, era só um nome (e havia nomes muito estúpidos a serem ponderados) e acabou por ficar este.
Hélio Morais – Gostamos do som, só. Acho que foi por aí.
Com 15 anos de banda, como é que conseguem manter o grupo junto – com todos os outros aspetos que existem na vida de uma pessoa?
Hélio – Conseguimos – e vamos conseguindo cada vez mais – porque, à medida que os anos vão passando, a banda acaba por tomar maior preponderância naquilo que nós vamos fazendo. Todos fazemos outras coisas, mas a banda é uma parte muito grande (se não quase a maior) daquilo que nós fazemos no dia a dia, então, é normal que cries um método de trabalho que te faz pensar nisto. Estamos constantemente a pensar na banda. Há sempre assuntos para tratar, há sempre coisas para fazer sobre a banda, então acabas por estar com a cabeça nisto. Simplesmente estás. E porque nos damos bem ainda e gostamos de fazer música juntos. E acho que depois isso se reflete um bocadinho nos discos; vamos conseguindo fazer discos que nos deixam felizes e que nos deixam motivados para continuar a fazê-los.
Como é que conseguem manter a identidade própria da banda e, paralelamente, inovar a cada disco? Onde vão buscar inspiração e ideias?
Cláudia – Nós ouvimos todos música diferente. Somos quatro, cada um gosta de coisas diferentes. E, como somos quatro, por exemplo, eu não dependo apenas de mim. Eu chego com uma ideia e há sempre alguém para melhorar a ideia (às vezes para piorar também), mas somos quatro cabeças e, então, é sempre mais fácil. Um chega com uma ideia, um puxa para um lado, outro puxa para o outro. Temos noção, também, daquilo que já fizemos antes, e a vontade de fazer diferente faz com que procuremos alguma coisa realmente diferente. Acho que também é assim com toda a gente. Às vezes, nós achamos que estamos a fazer diferente e depois as outras pessoas que ouvem acham que não, que estamos a fazer o mesmo. Nós só podemos falar daquilo que nós tentamos e queremos fazer. E nós tentamos sempre.
Hélio – Sim, é isso. Nós ouvimos todos coisas muito diferentes, apesar de, claro, haver uma zona de entendimento comum, ainda bastante alargada. E, se calhar é essa zona comum…
Cláudia – … que acaba por definir o nosso caminho.
Hélio – Exatamente. Mas nós ouvimos muitas outras coisas e, mesmo individualmente, vai mudando muito. Vou-te dar um exemplo: eu lembro que, para o Sirumba, eu e o André estávamos a ouvir bué os dois Unknown Mortal Orchestra e, se calhar, tu não vês isso no disco. Mas, de alguma forma, influenciou que fizéssemos as coisas duma forma que nos remetesse para aí. E depois o resultado final nunca é isso, porque, lá está, somos quatro, e aquilo não é só resultado da cabeça de uma pessoa, é resultado da cabeça de quatro. E tudo isso molda. Então, qualquer influência que eu traga, porque estive a ouvir muito um disco destes, a partir do momento em que encontra a Cláudia, o Pedro ou o André, vai-se moldar, lá está, àquele caldeirão grande que é Linda Martini. Tudo sai deturpado, e isso é fixe.
Pegando assim nisso, não há músicas que reflitam a entidade própria de um de vocês? É sempre do grupo?
Hélio – Sim, sim. Mas, eventualmente, pode haver alguma coisa ou outra que seja mais próxima de um ou de outro.
Cláudia – Quer dizer, à partida, as letras são o que passa diretamente alguma ideia, é mais fácil sentires-te relacionado com uma letra – quer dizer, a maior parte das pessoas – do que com a música, e quem escreve as letras é o André. Portanto, é natural que aquilo seja mais sobre ele ou sobre quando ele escreve. Quando fazemos música, fazemos música juntos. Mas quando ele escreve a letra, ele escreve a letra sozinho. Embora aquilo, no geral, seja uma coisa nossa, a letra é uma coisa mais pessoal, é uma coisa que se entende bem, naturalmente. É claro que, se nós não nos revirmos naquilo, se acharmos que não tem nada a ver connosco, se calhar a letra é vetada. Mas, se tivermos todos de acordo, passa e, naturalmente, é um retrato mais dele do que nosso.
Linda Martini é uma banda que conseguiu pegar em géneros musicais de underground e levá-los para as massas. Como se vêm no papel de porta-vozes desses géneros?
Hélio – Não sei se somos porta-vozes. O que eu acho que aconteceu foi uma conjugação de vários fatores que nos saiu bem. Nós quando começámos a fazer música e a mostrá-la, fazíamos uma coisa assim um bocado alternativa e, na altura, até mais colada à cena pós-rock. E as referências que havia dessas zonas – exceto Mão Morta, se calhar – era Ornatos, que era mais pop, apesar de tudo, e os Toranja, que eram também mais pop. E pouco mais tinhas, na verdade. Então, acho que tivemos sorte no momento em que aparecemos, porque não havia assim uma coisa mais ruidosa, mas que tratasse até a língua de uma forma mais melodiosa como o André (porque os Mão Morta são uma coisa mais gutural). Ou seja, tivemos sorte nesse primeiro momento. Depois, também tivemos sorte na altura do Myspace, porque calhou aquela plataforma dar-nos um boost grande; aderimos àquilo muito no início e beneficiamos desse facto. Depois, não sei. É o país que temos, também. É um país onde, se calhar, mesmo sendo uma banda com muito reconhecimento, pode ser complicado viveres só disso; mas, por outro lado, hoje em dia, eu diria que é ainda mais difícil, porque tens muito mais bandas do que se calhar tinhas naquela altura. Mas naquela altura, apesar de tudo, se conseguisses ter uma pontinha de personalidade que te distinguisse realmente das outras coisas que estavam a ser feitas, talvez fosse mais fácil tu chegares às pessoas.
Cláudia – Nós, se calhar, apanhamos o último desses momentos.
Hélio – Ya, é possível.
Cláudia – Foi mesmo um momento. Quer dizer, se tivesse sido no fim dos anos 90, tinha sido melhor.
Hélio – Talvez. Se calhar, não havia espaço para uma coisa como nós. Foi uma conjugação de uma data de fatores. Acho que foi sorte, foi estarmos a fazer aquilo que estávamos a fazer no momento em que estávamos a fazer e, depois, foi continuarmos. E também tivemos sorte com algumas edições falhadas, se calhar, porque acabamos por fidelizar muito um público bastante underground, apesar de passarmos em rádio nacional. Mas, a dada altura, sentia quase que nós éramos os porta-estandartes do indie, no sentido em que… nós só no Turbo Lento, que foi o 3º álbum, é que editamos por uma editora grande, e eu sinto que o facto de isso ter acontecido também ajudou a que houvesse pessoas que se revissem nisso. Tipo, que éramos uma das bandas que representava o indie. Mas até isso foi uma série de acasos. O nosso primeiro álbum esteve para sair pela Universal, o nosso segundo álbum esteve para sair pela Valentim de Carvalho… houve ali uma série de azares, as coisas mudaram, o meio mudou, as pessoas saíram de uma editora na altura em que estávamos a pensar, na outra também foi uma coisa semelhante. Ou seja, foi tudo sorte. E depois também há outro momento que eu acho que teve a ver com isso que… a dada altura, pouco depois de nós termos lançado o primeiro álbum, e mesmo o EP, apareceu uma série de bandas a cantar em português, todas com uma estética muito bem definida, e com uma camaradagem muito grande. E, durante dois anos quase só se falou disso e nós não fomos incluídos nisso. Ou seja, não beneficiamos… foi quase como se nos tivéssemos mantido um bocadinho ali à margem. Não foi propositado, de todo, foi só porque não editamos nenhum disco, nenhum álbum, durante esse período, e isso fez com que não estivéssemos na ribalta nessa altura. Mas também fez com que, quando esse fenómeno se começou a diluir, nós não nos tivéssemos diluído com o fenómeno. Talvez seja outra explicação para um segundo momento. E depois a questão prende-se com pertinência porque tu continuas a editar discos, não é, continuas a tocar, continuas a investir.
Cláudia – Aquilo que tu estavas a dizer, tinhas os Mão Morta, que continuam a existir, embora seja muito diferente.
Hélio – Mas também sempre se mantiveram à margem, com uma identidade própria, estás a ver?
Cláudia – Sim, mas… Os Toranja e os Ornatos. E ambas as bandas terminaram. Ou seja, fica ali um espaço por preencher. E se calhar nós acabamos por ocupar um bocadinho esse espaço, também.
Hélio – Sim. De forma diferente, mas ya. Ou seja, foi mesmo uma série de acasos. Se tivesse sido um ano mais tarde, se calhar, nada disto teria corrido como correu. E os falhanços também acho que ajudaram a que as coisas corressem desta forma, não é? Eu não vi ninguém das pessoas que nos acompanhavam desde o início… claro que há sempre uma ou outra pessoa, mas não senti que houvesse uma rejeição da banda quando assinamos por uma multinacional, por exemplo.
Cláudia – Não. Tens fãs que dizem que querem o melhor para ti, que dizem ‘ah, vocês deviam era tocar no palco principal’, e depois, de repente, consegues tocar no palco principal, não vão dizer ‘épah, estes gajos são uns vendidos’. Meu, vá lá, ou queres uma coisa, ou queres a outra. Portanto, se as pessoas estão contigo, depois, de repente, não vão estar contra, não é? Acho que também não faria sentido.
Hélio – Acho que também tivemos muita sorte no tipo de pessoas que acarinhou a banda. É público super fiel, muito apoiante, se vamos tocar a um festival, e há uma publicação que não faz review do nosso concerto, o pessoal manda emails a chatear por causa dessa publicação. Tudo isto ajuda a construir uma coisa sólida e também nos dá força a nós, para continuarmos a fazer as coisas. Porque tu, se fizeres música, e não conseguires tirar a música de casa, tu podes continuar a fazer música, mas vais desmotivar um bocadinho. Então, a partir do momento em que tens este retorno, acho que fica mais fácil, teres motivação para continuar a fazer as coisas.
Vocês começaram em sítios pequenos, em clubes, mas também chegaram bastante rápido a grandes palcos – Coura, por exemplo.
Hélio – Foi logo no segundo ano, ya.
Quais são as principais diferenças que notam e o que é que preferem?
Cláudia – Nós começamos, e aqui estamos nós a continuar a fazer isso, não é? Ambas as situações são boas e más. Todas têm coisas boas e coisas más. Tocar num palco para muita gente é muito bom, e tens mais condições, mas, por outro lado, muitas vezes não tens como fazer ensaio de som, mas, por outro lado, também não precisas tanto, porque o material é melhor, mas, também, por outro lado, estás mais longe do público. Aqui, nos sítios mais pequenos, estás mais perto, tens menos condições de som, mas, ao mesmo tempo, tens mais tempo para fazer som… portanto, tem uma grande vantagem, que é teres as pessoas muito em cima de ti, e isso raramente é uma desvantagem… a não ser quando as pessoas te caem em cima do palco e te desligam as coisas enquanto estás a tocar, coisa que já aconteceu algumas vezes, mas, tirando isso, é bom, não é? Até a nós nos ajuda a dar um concerto melhor.
Hélio – Sim, é um bocado isso. Nós nunca deixámos de tocar em clubes, por exemplo. Não nos faz sentido deixar de tocar em clubes. Essa é a realidade da grande maioria das bandas… mesmo as bandas que vêm aos festivais grandes em Portugal, no verão fazem tour de festivais, mas no inverno andam na Europa toda e nos Estados Unidos a fazer tour de clubes, porque é essa a realidade. Fazes as tuas próprias produções, marcas as tuas tours de clubes, que é como nós estamos a fazer agora, e manténs-te ativo durante o período fora dos festivais de verão. É assim com todas as bandas, então faz-nos sentido que assim seja, também, connosco. Tornarmo-nos só uma banda de festivais parece-me um bocado parvo, parece uma coisa um bocado de elite, e não é assim que nós nos revemos.
Pegando agora nesta tour: Agora Escolha é uma coisa única. Como é que tiveram esta ideia de deixar o público escolher e como é que está a correr, até agora?
Hélio – Acho que a ideia partiu do nosso management, inicialmente, do Ricardo. Depois, foi ganhando forma e depois do brainstorming nasceu esta coisa da aplicação e da forma como criamos.
Cláudia – Sim, eles já queriam arranjar uma maneira de perceber quais são as músicas que as pessoas gostam mais. Isto acabou por ser essa maneira, em vez de ser nos Spotifys… no fundo, acaba por se usar isso, também, mas sim, foi uma maneira de agarrar essa ideia a um conceito que não seja só, ‘vamos tocar’. Não, bora lá arranjar uma coisa especial, para as pessoas também sentirem que vão a uma coisa diferente, embora as músicas sejam as mesmas – aliás, as músicas são as mesmas, porque as pessoas escolhem as mesmas músicas, e é isso que é incrível. Mas pelo menos é isso, é uma escolha delas. Claro que não é a escolha de toda as pessoas, muita gente vai dizer ‘ah, eu não escolhi nada disso’, epah, está bem, mas olha, a maioria ganha. A maioria é que está a escolher. Mas sim, é uma ideia que veio do management e depois nós arranjamos uma maneira de por isso cá fora.
Têm verificado isso? Que as pessoas escolhem as mesmas músicas?
Hélio – Sim. Em treze que nós damos a escolher em cada concerto, eu diria que há oito que são sempre as mesmas.
Cláudia – Há quatro que são certinhas. As primeiras quatro são Amor Combate, Facas, Cem Metros Sereia, As Putas e logo a seguir, a Gravidade.
Hélio – Depois o Panteão e Boca de Sal. Lição de Vôo, também tem bué votos.
Já está definida a setlist para hoje?
Hélio – Não está porque a votação ainda está aberta, então só mais logo. Às seis, sete da tarde fechamos.
Cláudia – É claro que isto vai mudando à medida que as pessoas vão votando na setlist.
Hélio – Não, este top total não vai mudando tanto, não é? Têm muito mais votos. Mas sim, no dia a dia, vai mudando. Porra, agora estava a ver, já houve 2500 pessoas a fazer uma setlist… Mas, ou seja, há ali um corpo comum a quase todos os concertos. Ontem tocamos a Sirumba, que ainda não tínhamos tocado nesta tour, por exemplo. Depois há uns em que tocamos a Juventude Sónica, outros que não, uns em que tocamos o Unicórnio, outros não, outros em que tocamos Putos Bons, outros não.
Cláudia – É giro que a Sirumba ainda não tinha aparecido, tocamos ontem e hoje está em décimo quarto, se ainda não mudou.
Hélio – Ou seja, é uma do Porto. Tem um vídeo oficial do Primavera Sound. Também pode ter alguma coisa a ver com isso.
Vocês têm uma energia muito própria em palco. Como é que conseguem transportar isso e expressá-lo nas músicas em estúdio, que é um ambiente tão diferente?
Hélio – Foi a primeira vez. Foi este disco. Acho que é o disco em que o resultado final é mais próximo da forma como nós nos sentimos ao vivo. Pode ser uma visão enviesada, a nossa, mas, em termos de som, achamos que este é o disco que retrata melhor a ideia que nós temos de como é que soamos ao vivo.
Cláudia – Nós fomos mesmo gravar com essa intenção.
Este último álbum tem um som muito mais cru, mais duro. Era essa a ideia?
Hélio – Sim. É assim que nós achamos que somos ao vivo; pelo menos, parece-nos pelos vídeos.
Cláudia – Havia muita gente que não gostava até dos discos, que achava que aquilo era até assim ehhh, e depois ia ver os concertos e gostava. E perde-se em disco. Eu acho que nem todas as bandas são assim, se bem que eu acho que o ideal de banda deverá ser assim. Ao vivo é melhor do que em disco, senão o que é que faz com que as pessoas vão ao concerto em vez de ficar em casa a ouvir o CD, não é? Mas ya, acho que desta vez finalmente conseguimos passar mais para o disco aquilo que somos na verdade.
[Uma curta conversa à parte entre três pessoas e um bule de chá à mistura.]
Nos últimos anos tenho visto muito isso, por acaso. Os dois opostos. Há bandas que o disco em si é muito bom e depois ao vivo desilude.
Hélio – Ao vivo? Pois.
Às vezes deve ser mesmo por estarem cansados de tocar sempre a mesma coisa e quererem inovar. E depois não corre assim tão bem.
Hélio – E é o problema de teres demasiadas pistas para gravar. Este disco não fizemos assim, mas nós já gravamos vários discos praticamente num take direto. Ou seja, gravas um disco, tens que o saber tocar. E isso faz com que depois ao vivo tu o consigas replicar bem. E o facto de tu teres programas que te permitem gravar milhentas pistas faz com que tu, às vezes, percas noção e graves demasiadas coisas e depois ao vivo não as consegues reproduzir. E isso perde muito. Tens um disco hiperproduzido, que tem 24 pistas e depois só tens quatro instrumentos, só tens quatro músicos em palco para replicar uma coisa que em teoria teria sido gravada por dez… fica complicado dares consistência à coisa ao vivo. Nós, por acaso, só houve um disco em que nos permitimos gravar pistas a mais…
Cláudia – … que foi o Turbo Lento.
Hélio – Ya. Mas até foi um disco que resultou bem ao vivo. Mas podia não ter sido o caso, não é? E mesmo assim, gravamos a mais, quer dizer, o André gravou duas guitarras, o Pedro gravou duas guitarras, não foi nada de mais…
Cláudia – O Pedro deve ter gravado umas três ou quatro…
Hélio – Sim, gravou, gravou. Mas também não se percebem. Ali, às vezes, ele está em improviso, também o som está diluído em partes de ruído e não sei quê, não é um lead, não é aquilo que a pessoa reconhece logo quando ouve a música, não é grave nesse sentido. Mas ya, às vezes é fácil perderes-te, quando tens demasiados meios.
Eu sinto que Linda Martini em disco e Linda Martini ao vivo não têm que ser a mesma coisa. São experiências diferentes.
Cláudia – Sim, é o que eu sinto, também, são mesmo duas coisas diferentes.
Hélio – Eu não faço questão de que os concertos soem ao disco. De todo.
Cláudia – Eu também não. Mas eu gosto que o disco soe mais àquilo que é ao vivo, do que uma coisa de estúdio supercontrolada na qual nós não nos revemos.
Hélio – Eu gosto que a intenção passe, ya. Não faço questão de que seja igual, mas de que a intenção passe. Aliás, tanto que às vezes nós mudamos as músicas ao vivo para ficarem com uma intenção mais próxima ao que está no disco. Já me aconteceu partes de bateria que tu no disco tens o ambiente todo controlado, consegues ter o prato de choque mais alto, porque é uma questão de mistura, e isso dá-te assim um certo ruído na música, mas ao vivo o prato de choque não é suficiente, tu tens que ir ao crash, porque é mais barulhento, então tens que fazer essas adaptações. Para aquilo soar igualmente ruidoso ao vivo, se calhar eu tenho que mudar em relação ao que fiz no disco, então acabas por ter que fazer essas adaptações.
Cláudia – E ao contrário também acontece. Por exemplo, nós fazemos a música em estúdio… nem é em estúdio, é na nossa sala, e usamos não sei quantas distorções, e depois quando vamos gravar tenho que reduzir a distorção para aquilo se ouvir mais, porque a distorção comprime e apaga-te mais o som, depois ao vivo tenho que a pôr. Então, tens que andar ali a equilibrar um bocadinho as coisas, para terem a mesma intenção num lado e noutro.
Hélio – É um exercício engraçado.
Cláudia – Ya. Mas falha muitas vezes.
É construção e desconstrução.
Hélio – Sim, é isso. Não é só fazermos músicas numa sala e depois tocar ao vivo. Não, tens que pensar numa série de coisas.
Cláudia – Nós como fazemos as músicas juntos em sala, e aquilo faz-se para funcionar tudo junto…
Hélio – … e ensaiamos muito antes de ir para estúdio.
Cláudia – É engraçado que o Sirumba é de facto o disco um pouco mais despido, porque não foi feito com os quatro ao mesmo tempo em sala, e isso acabou por se notar.
[Fim do aparte.]
O que se prevê para o futuro da banda – tanto a curto como a longo prazo?
Hélio – Para o ano que vem vamos ter muita coisa boa a acontecer, não podemos é dizer nada ainda. Mas vamos a Vilar de Mouros, isso já foi anunciado, aí vêm mais umas surpresas boas.
Cláudia – Está aí uma perspetiva de uma residência, mas ainda não sabemos se vai acontecer ou não. Para fazermos coisas novas. Um disco novo, mas não se sabe para quando será para sair, ainda nem sequer pensamos nas músicas.
Hélio – Nós reunimos esta semana com o nosso management para definir o plano, portanto agora há que por o plano em marcha. Mas há muitas ideias boas e há coisas já concretizadas que hão de acontecer, só que ainda é cedo.
Este verão vi-vos em Vila do Conde, no Curtas, e depois vi-vos em Coura. São espetáculos completamente distintos. Como é que foi a experiência no Curtas?
Hélio – Trabalhosa. Muito trabalhosa.
Cláudia – Foi alguma dificuldade. E nós queríamos fazer alguma coisa com isso, não sabíamos se íamos conseguir ou não, mas foi muita bom, fazermos uma coisa diferente, que é mesmo pôr-nos fora de pé. Nós estamos habituados a fazer o que queremos.
Hélio – E nós não usamos nada que já existisse. Foi tudo único. Tudo o que fizemos compusemos para aquilo.
Cláudia – E fazer uma coisa assim tem limitações, não é, tens uma limitação, tens uma coisa que te guia. E depois, somos quatro, portanto, cada um quer fazer uma coisa diferente, e não é a mesma coisa que estares a fazer uma música sem nada, em que pudemos, ‘queres fazer isso?’, ‘bora’, a gente segue, arranjamos um caminho. Ali, se cada um quer fazer uma coisa diferente, vai ser mais complicado. Tivemos que nos organizar muito bem.
Hélio – E ensaiámos muito.
Cláudia – Ensaiámos bué.
Hélio – Ensaiámos a ver o filme, não é, para teres as deixas. Foi muito fixe fazer aquilo.
Cláudia – Foi fixe. Uma maneira muito diferente de fazer música
Hélio – Música a metro, quase.
Cláudia – Sim, às vezes era um bocado, pah, temos que esticar esta parte, para depois fazer aquilo’. Tipo um trabalho de costura, é engraçado. Mas foi fixe, gostamos muito.
Hélio – Paredes de Coura foi uma brite impossível. Queríamos dar tudo ali. E é lixado tocar em Paredes de Coura para nós, porque é um palco onde já fomos felizes muitas vezes.
Já foram quatro vezes.
Hélio – Sim, esta foi a quarta vez, então… é difícil superares-te, porque a memória supera sempre aquilo que tu vives no momento. A nossa memória é sempre muito forte, iihh, aquilo foi incrível, e não sei quê’, e depois queres que seja igualmente incrível e entras muito tenso. Mas acho que saiu bem. Eu fui com tudo. Saímos todos de rastos. Mas acho que saiu bem.
Cláudia – Todos tortos, como aquela fotografia prova. Parece que tínhamos saído de um ringue.
Hélio – Eu já não fazia bolhas nas mãos há séculos, fiquei com os dedos todos estragados. É a adrenalina, também.
Entrando mais no domínio do subjetivo, como é que vêem o panorama musical atual, em Portugal?
Hélio – Eu acho que está incrível, honestamente.
Cláudia – Eu acho que sim.
Hélio – Não vou dizer que nunca esteve tão bom, agora, eu nunca me senti tão privilegiado e com tanto acesso a coisas boas e diferentes, por isso, só por aí, só pela diversidade, acho que já está incrível. Há muita coisa, há muita coisa diferente e há muita coisa boa. Acho que já se perdeu um bocado a vergonha de fazer coisas diferentes. São como são, não é? A nossa língua não é um handicap, já se perdeu esse estigma.
Cláudia – Por outro lado, eu já senti que houvesse… a produção está muito boa, mas, em termos de público, acho que já esteve melhor. Já houve mais espaço para mais coisas. É como se as pessoas se estivessem a seccionar demasiado e a certa altura, eu acho que havia mesmo espaço para tu e havia público para tudo. E, agora, parece-me que o público se está a dividir muito e há música que está a deixar de ter público. Eu sinto um bocado isso. Portanto, a produção está muita boa, mas depois a recetividade não está tão incrível.
Hélio – Sim. Para bandas novas… bandas essencialmente, está tramado construíres
Cláudia – Coisas que não sejam tão pop, eu acho que está muito difícil agora.
Hélio – Tens um nicho muito grande, que não é nicho já. Os miúdos o que ouvem na escola maioritariamente é hip-hop, trap e coisas dessas. E se fores um artista desse tipo… porque a tua plataforma é o YouTube, não estás dependente de uma editora, não estás dependente de uma rádio, não estás dependente de nada disso. Podes usar isso para amplificar, mas não estás dependente disso para existir. Eu faço agenciamento, eu tenho algumas bandas que são indie rock, continuam a fazer indie rock, das quais eu marco os concertos. São novas e é difícil criares um público. A dada altura, o indie rock era uma moda muito grande – quando os Grizzly Bear rebentaram, os Dirty Projectors, os Animal Collective, essas bandas todas -, isso era o estilo da moda, então óbvio que a grande maioria do público, o que quer que fosse desse género, aderia, até porque os festivais estavam cheios de bandas dessas. Hoje em dia já está mais diversificado, e pode ficar mais complicado para uma banda de indie. Mas são ciclos. Nós, apesar de tudo, não temos razão de queixa alguma, cada vez temos tido mais público.
Cláudia – Não, nem é de nós de todo falar. Acho que nós também como temos um público muito fiel, estamos safos.
Hélio – Mas como temos muitos amigos músicos, e acho que temos mais amigos em bandas de rock e de indie rock do que em qualquer outro género, então sentimos essas dificuldades que existem hoje em dia. Mas é isso. Desde que se continue a fazer as coisas por gosto, se tiver que ser é, se não tiver que ser não é. Nós calhou-nos ser, mas todos estudamos e todos fizemos por construir uma vida diferente. Por acaso, depois a vida levou-nos para aqui, mas se a vida não levar os músicos para a música, é assim, ser artista é assim… em quase todos os países, por mais que nós nos queixemos às vezes de Portugal, em todos os países é assim.
Cláudia – Sim, a diferença são os apoios às artes que tu tens noutros sítios e que aqui não tens.
Hélio – Sim, mas no indie rock, no pop rock não é muito diferente. Tens é o facto de, queres andar em tournée o ano inteiro, se fores uma banda do Luxemburgo, é mais fácil, lá está, é um circuito de clubes muito grande e estás no centro de todo o lado. Uma banda portuguesa, tens que atravessar Espanha e França, em França, se não tiveres um bom agente, é difícil de tocares, e em Espanha também não é assim tão fácil. Tens que atravessar isto tudo, até chegar a um sítio onde há tour constante.
O que é que diriam a jovens – sobre a vossa música, sobre o mundo da música, sobre o possível futuro que queiram no mundo da música?
Hélio – Façam as cenas com o coração.
Cláudia – Pois, eu acho que é a única coisa que interessa.
Hélio – E ouçam conselhos, mas ignorem todos aqueles que não vos fizerem sentido. Porque, em último reduto, tu é que tens que ser feliz com aquilo que estás a fazer. Não vale a pena ir atrás de um modelo. Nós não fazíamos puto de ideia de como é que se faziam as coisas, e olha, de alguma forma, conseguimos ter o privilégio de fazer isto. E se calhar tenho outros amigos que já fizeram de acordo com aquilo que ideologicamente…
Cláudia – Não só isso, como, tu próprio fazes outra banda e a outra banda pode não correr desta maneira, e és a mesma pessoa a fazer as coisas da mesma maneira. O que tiver que acontecer, acontece.
Hélio – É isso. Não está dependente só de ti. O trabalho, sim. A forma como esse trabalho é replicado…
Cláudia – … e recebido…
Hélio – … e reproduzido, já não depende de nós. Quer dizer, depende da forma como tu apresentas, sim, claro. Mas, por mais que tu possas forçar as pessoas a ouvirem, não vais forçar a gostarem.
É um paradoxo: cada vez há mais oportunidades de divulgar, e ao mesmo tempo, talvez por essa mesma razão, por haver tanta quantidade, é mais difícil ser-se ouvido.
Cláudia – Mas a questão é que tu cada vez podes comunicar mais as coisas, mas cada vez mais a comunicação, a informação, se come uma à outra, portanto, anula-se, não é? Por isso, é muito fácil por a coisa cá fora, mas é tão difícil alguém ver. Antigamente, era tão difícil por cá fora, mas quando punhas, era visto. Resumindo: se calhar, está um bocado na mesma.
Hélio – Ya. Eu acho que, basicamente, continua a ser sorte. Mas continuas a ter bandas novas… estou a falar de bandas particularmente porque é um universo mais próximo do nosso. Os Capitão Fausto são uma banda relativamente recente e conseguiram furar. Continua a haver espaço, estás a ver. Se calhar, da nossa altura, ficámos nós, daquelas bandas que apareceram ali naquela altura. Depois, no momento seguinte, ficaram os Capitão Fausto.
Cláudia – Acho que a nossa altura, na verdade, foi a que mais usufruiu desse boom da comunicação fácil de internet. Porque não havia demasiado, então quem fazia, conseguia chegar a pessoas. Agora…
Hélio – Sim. Nós encontramos ali um bom equilíbrio entre passar na rádio e, ao mesmo tempo, ter relevância na internet. Olha, se calhar foi esse o combo que… Mas eu lembro-me, por exemplo, More Than A Thousand e Twenty Inch Burial eram duas bandas que tinham tantos ou mais seguidores no Myspace do que nós, só que pronto, não passavam em rádio porque eram mais extremos, ainda assim.
Cláudia – Eu imagino a quantidade de pessoas que ouvem a palavra Myspace e não faz puto de ideia o que é que estamos a falar.
Hélio – Pois, mas não foi assim há tanto tempo quanto isso. Acho que o Myspace foi abaixo para aí em 2011. Talvez um bocadinho antes. O Facebook em 2009 já estava a começar. Mas aquilo para nós foi bué importante. Até me lembro, a primeira grande cobertura de imprensa que nós tivemos foi uma entrevista para o Público, para o Ípsilon…
Cláudia – … “Os Arctic Monkeys portugueses” …
Hélio – … que era os Clap Your Hands Say Yeah nos Estados Unidos, os Arctic Monkeys em Inglaterra e nós em Portugal. Cada um a representar o fenómeno Myspace. E não era justo, sequer, porque em Portugal, lá está, os More Than A Thousand tinham mais seguidores do que nós.
Cláudia – Devem ter ficado lixados com isso.
Hélio – O jornalista devia gostar mais de indie do que gostava de metalcore, pronto, olha, foi o que aconteceu. Foi o timing.
Vocês já foram partilhando palco e trabalhando com outros artistas. Como foram essas experiências?
Hélio – Quando fizemos a homenagem ao António Variações, fizemos uma música com a Gisela João, fizemos uma música com os Deolinda e fizemos… isso nem foi assim tanto, foi mais um coro, com o Rui Pregal [Heróis do Mar] e com as duas outras bandas que mencionei, tudo junto. Mas já antes tínhamos feito um concerto com a Gisela João, em que ela cantou algumas músicas nossas connosco, já tínhamos também feito uma coisa numa celebração do 25 de Abril com a Xana de Rádio Macau e com a Capicua, também, nesse mesmo ano. Estou a esquecer-me de pessoas, de certeza.
Cláudia – Nós não temos feito muito disso. Houve aí um ano forte, que é esse que ele está a dizer
Hélio – Fizemos com o Tigerman, o ano passado.
Cláudia – Sim, aí foi mesmo partilhar palco e partilhar músicas… foi a experiência mais forte, não sei como é que isso estava a ficar para trás.
Hélio – Porque é tipo já uma cena que quase que entranhou. Já faz parte.
Cláudia – E é bom quando te dás bem com as pessoas. Foi uma tournéezita que fizemos nesta altura, passamos por aqui, também, e correu muita bem, foi muito fixe. Mas é preciso… isso só funciona se as pessoas se derem bem, não é, se nos déssemos todos mal, tinha sido horrível. Até porque somos bastante diferentes, nós e eles. Sei lá, é uma maneira um bocado diferente de estar na música, até… estar na música talvez não seja, mas somos mesmo pessoas muito diferentes. E nós estamos mais habituados a estar… tu estás mais habituado a ter outras bandas, mas tipo, eu e o André, e mesmo o Geraldes, estamos muito habituados a estar nesta formação, somos estes quatro e são estes quatro que andam na estrada, com uma equipa técnica, e de repente estares a fazer uma tour com mais não sei quantos músicos de outra banda, e é tudo diferente e as piadas são diferentes, a maneira de estar na carrinha é diferente, as escolhas para ir comer são diferentes. É tudo diferente. Mas correu muito bem.
O que é que acharam do concerto ontem aqui no Porto?
Hélio – Foi fixe. E terça feira à noite ter um concerto esgotado é brutal, para nós.
O que esperam para hoje?
Hélio – Olha, para hoje, até nem sei. Como foi o primeiro esgotado, a nossa primeira ideia era que seriam aqueles fãs mais ahhh, tipo, ‘bora lá comprar os bilhetes’. Mas, na verdade, o set é mais calmo para hoje. Estivemos a ver as escolhas e as músicas são mais calmas. Portanto, não sei muito bem o que esperar, para ser sincero.
Cláudia – Pah, eu acho que o facto de as músicas serem calmas e de o pessoal estar mais contemplativo, neste momento, está a saber-me muito bem. Eu própria ontem estava muito calma, e gostei do concerto. Não preciso de sair com uma perna partida, e o braço engessado. É tudo bem, é fixe na mesma. Senão, também seria passar do princípio que uma banda que seja calma nunca se diverte em palco. As músicas são mais calmas. ‘Ah, o pessoal não curtiu porque não estava tudo aos saltos.’ Curtiram, curtiram de olhos fechados, curtiram de outra maneira, estava tudo ótimo.
Chegando o fim das perguntas – e chegando André Henriques também – a conversa continua, tiram-se algumas fotografias à banda – ou aos representantes da banda, neste caso, Cláudia e Hélio, “tirem só vocês, se fizeram a entrevista só vocês, não vão ficar três” (brinca-se “para o Geraldes não ficar com ciúmes”) – e até se espreita o palco do concerto.