Lisb-ON: a simbiose de DJ Koze, Motor City Drum Ensemble e Move D
Para o último dia da edição de 2017, o Lisb-ON levou ao seu Jardim Sonoro uma selecção marcadamente electrónica, num alinhamento que é aquele que a organização diz sempre ter querido fazer. Não é de estranhar que a selecção proviesse maioritariamente da Alemanha, o epicentro da cultura clubbing europeia. Aliás, os cinco artistas de que vos falaremos ao longo deste artigo têm todos uma relação próxima com a Alemanha; quer por terem nascido lá ou por lá se encontrarem sediados.
No último dia de Lisb-ON, a relva já se encontra totalmente pisada e o verde característico do festival está quase desaparecido do chão. O dia esteve ventoso, mas bastante solarengo, pelo que o cenário dos dias anteriores se repetiu: pessoas que idilicamente repousam à sombra, pondo conversas em dia, e muitas outras que já se vão abanando ao som da música calorosa de Move D. O artista alemão move-se pelo reino da techno estelar, mas este set foi povoado de sensibilidade house e disco, bastante bem recebida pelo público, que celebrava a música juntamente com o artista. Empunhando o seu copo de vinho e com um largo sorriso na cara, só faltava vir dançar para o meio do público ao som de cada faixa que saía dos seus discos.
Entretanto, o mood estava ligeiramente mais sombrio no palco Carlsberg Hillside, quando chegamos na transição entre Zé Salvador e Nicolas Lutz. De algo mais apoteótico, passamos para música minimalista e cinzenta, que parece enquadrar-se melhor num clube nocturno de linhas direitas que num palco coberto de plantas, alimentado a energia fotovoltaica (mais uma das enormes iniciativas do Lisb-ON para se tornar num festival ecologicamente sustentável). Entretanto, abruptamente, a música pára, devido a uma falha técnica na turntable em acção. Não só o ambiente se aligeirou um pouco, como vemos Nicolas a soltar-se um pouco mais, com esta oportunidade de ter um novo começo. Recomeça então com “Raw (Original Mix)”, de Ayman Awad. Agora, a música passa mais por algo que ouviríamos num rooftop algures; sofisticada e mais leve. Nesse momento, tivemos pena que o sol já se tivesse escondido por detrás dos edifícios que ladeiam o Parque Eduardo VII.
Ao regressarmos ao palco principal, vemos Move D a passar o testemunho a um seu conterrâneo, Motor City Drum Ensemble, que pega no que lhe é dado e o eleva à estratosfera. Movendo-se por territórios que lhe são familiares – sendo que o house é o género que o caracteriza – vai passando canções com as características vozes soul e ritmos saltitantes que obrigam o público a mexer-se como numa aula de step. Aliás, quem quer que ainda estivesse sentado ou deitado viu-se obrigado a levantar-se, tanto pela qualidade da música como pela súbita percepção de que faltavam apenas umas horas para o festival terminar. O set de MCDE torna-se facilmente no mais enérgico do festival, ao longo das duas horas em que Danilo Plessow se encontra a tomar conta dos pratos.
Por falar em pratos, a ginástica e o aproximar da típica hora de jantar levam-nos a perscrutar a oferta gastronómica do festival. Várias bancas de street food encontravam-se plantadas do lado esquerdo do palco, oferecendo os estandartes, como pizza ou cachorros-quentes, até coisas mais sui generis, como piadinas ou sushi. A oferta é variada e de qualidade, e provém maioritariamente de negócios portugueses. Podem ser produtos da gentrificação, por Portugal estar na moda, mas não há como negar que se posicionam bem.
Com o céu já em crepúsculo, a música mais negra de Maayan Nidam torna-se adequada ao festival. Bastou passar um par de horas para o ambiente mudar completamente. Para não se deixar abafar pelo som que vinha do palco principal, a artista baseada em Berlim dá uso ao belo sistema de som com linhas de baixo sujas e quase industriais, que fazem vibrar os tímpanos de formas que não achávamos possíveis. Juntando a isso os ritmos techno que se vão reinventando a cada interlúdio, o set torna-se ideal para aqueles que se usam a música electrónica para se virar para dentro de si e habitar o seu próprio mundo contido dentro de muitos decibéis. No entanto, a nossa despedida do palco secundário é relativamente curta, pois no palco principal valores mais altos se alevantarão.
O quebra-fronteiras DJ Koze já está a trocar de posto com MCDE, em mais uma troca que é reflexo da partilha de muitos outros palcos pelos três artistas que ali actuaram ao longo do dia, numa simbiose formidável. A energia imparável do set anterior teve de ser subjugada à técnica de Koze, que achou (com toda a razão) que devia haver uma espécie de descanso. Assim, a primeira metade começa mais experimental, numa ode à electrónica que se ouve mais do que se dança, com baixos apocalípticos e transições inventivas, como aquilo a que a sua música nos habituou. O público mantém-se dedicado, o que nos diz que ali estava quem realmente adora estes géneros musicais. Entretanto, a acumulação de energia desemboca numa segunda parte mais conduzida por ritmos techno intensos, aliados à descontracção e carisma do artista que aligeira o ambiente. O set torna-se então no clímax que o festival queria e precisava.
Ao fim de quatro anos em constante desenvolvimento e mudança, o Lisb-ON parece encontrar-se confortável na sua pele ecléctica. O que se pode sempre esperar é uma descontracção não igualada por outros festivais urbanos e um festival lindíssimo, tanto pela natureza envolvente daquele oásis no meio da cidade, como pela intervenção da equipa gráfica (de destacar o mapping das luzes projectadas nas árvores e o design conceptual dos cartazes). Ansiamos agora pelo descortinar da próxima edição.
Fotografias da autoria de Sara Miguel Dias