Lisboa Dance Festival, a música dançável e electrónica passou mesmo pela capital
Finda a segunda edição do Lisboa Dance Festival, o que se pode concluir é que a organização cumpriu de facto o que prometera: trazer a eletrónica à capital. Com 4 salas, nomes como Moullinex, TOKiMONSTA, Mount Kimbie ou Hercules & Love Affair atraíram nos dias 10 e 11 ao LxFactory um público variado que se mostrou versátil face as diferentes variantes de música eletrónica apresentadas.
No primeiro dia (ou noite) começámos por ver Jessy Lanza. A produtora veio apresentar o seu aclamado álbum Oh No, lançado no ano passado. Passou pelos vários temas do mesmo, músicas energéticas que pedem para ser dançadas, como “VV Violence“ e “Never Enough“. “It Means I Love You“ foi um dos pontos altos da atuação, já no fim da mesma, dado um gostinho de afro-beat ao público ainda não muito grande nesta que era a sala principal do evento.
Seguiu-se TOKiMONSTA. Ora, ainda que muitos fãs esperassem um live set, o que Jennifer Lee nos apresentou foi um DJ set, que felizmente não desiludiu de todo. A par do que faz nas suas músicas originais, Lee exibiu um set carregado de drops e loops, e mistura de hip hop com eletrónica, esta última mais mainstream do que o que seria exibido nas atuações do final da noite.
Para terminar o primeiro dia de festival, e nas horas de maior movimento – este é um público claramente noturno, e vê-se ainda muita gente a chegar já a altas horas da madrugada –, Dekmantel Soundystem trouxeram a groove dos seus sets que está por trás da criação do festival do mesmo nome (Dekmantel Festival) e Marcel Dettmann deliciou os aficionados do techno industrial com um set que deu um gosto daquilo que pode ser uma noite no infame clube Berlinense Berghain.
No segundo dia, começámos por apanhar na sala Zoot, sob a curadoria de Branko, o fim do set de iZem e o início de Kking Kong, que foi uma verdadeira demonstração do alcance que a produção eletrónica tem: enquanto o primeiro criou um ambiente perfeito de início de noite, com batidas suaves e quentes, quase romantizadas, o segundo trouxe um mix de kuduro e afro-beat, que poderia ser importado de Angola. Foi bom.
Entretanto, no palco principal, a Portuguesa residente em Londres Mai Kino dava o seu primeiro concerto na sua cidade natal, um concerto que se sentiu muito íntimo graças à incrível prestação vocal, sem nunca perder os fortes ritmos electro-pop característicos das suas músicas, uma ótima introdução para uma noite que ia ainda criança.
Mount Kimbie trouxeram tudo com eles. A dupla, que na última passagem por Lisboa havia feito um DJ set no MusicBox, apresentou agora um incrível live set, com direito a baixo, bateria e guitarra (além dos habituais sintetizadores e drumpads, claro). Mais do que temas dos seus dois LPs, como “Carbonated“ e “Home Recording“, a dupla veio apresentar-nos (e experimentar tocar pela primeira vez ao vivo) o trabalho que estão a desenvolver para o próximo álbum, e, daquilo que foi tocado, foi tudo aprovado pelo público. “So Many Times, So Many Ways“ arrepiou com as alternantes linhas de baixo e guitarra, e “Break Well“ provocou agitação com o drop no clímax da música. Como é habitual na dupla, o set terminou com “Made To Stray“, deixando somente a desejar que fosse mais duradouro (ou que King Krule tivesse feito uma presença).
Seguiram-se Hercules & Love Affair. O projeto de Andy Butler é já há muito acarinhado de várias gerações e de um diversificado público. À semelhança dos seus antecessores no palco Fabrica XL, veio apresentar um novo disco. É importante denotar que este é um projeto queer friendly, veja-se a quantidade de cantores gay, trans e drag que cedem a voz em varias músicas – John Grant e Anohni, para exemplificar –, promovendo a igualdade entre todos os seres humanos. Essa harmonia sentiu-se na atuação, em que Rouge Mary e Gustaph, já colaboradores de longa data de Andy, alternaram entre as notas graves e agudas, respetivamente, puxando sempre pelo público, que, agradado, não parava de dançar e de os aclamar. A euforia veio com os singles “Painted Eyes“, “My House“ e “I Try To Talk To You“. Andy não procura reproduzir com exatidão aquilo que tem nos álbuns, mas sim criar constantemente novas batidas que se complementem e tornem cada atuação única por si só. Como expectável, Blind fechou o set, provocando uma comoção e transfiguração no público, que acabou cansado, mas com um sorriso na cara.
Rui Maia teve casa cheia no palco Antena 3 da Ler Devagar, e ainda bem. Fez um set soberbo, em que misturou algum techno tropicante com house, passando tanto Todd Terje como remixes de Bufi.
O festival dá-se por terminado com o deep techno do inglês George FitzGerald, que tomou as rédeas da noite depois de Hunee, numa passagem ininterrupta e impecável entre os dois concertos que tirou as dúvidas (a quem as tivesse) sobre a força destes nomes que se despediram em grande de uma sala cheia e audiência incansável.
Sem dúvida que o LxFactory é o local indicado para comportar um evento deste tipo, pela sua estética industrial, e, olhando à adesão do público, é clarividente que a música eletrónica ocupa um espaço cada vez mais proeminente nos gostos da população nacional – e internacional, pois muitos eram os estrangeiros também. Ficam só então os desejos de melhoria da zona de restauração, que era pequena e pouco variada, e do retorno do festival para o ano, que certamente continuará a comportar o mesmo calibre de artistas que o deste.
Texto por Sara Miguel Dias e Diogo Caetano
Fotografias por Diogo Caetano