Luc Besson, um génio em declínio
Há um filme em especifico que marca o antes e depois na carreira de Luc Besson, “O 5º Elemento” é esse marco. Falamos daquele que foi o filme mais caro alguma vez produzido fora de Hollywood, o que revela bem o seu peso, sendo que os efeitos especiais foram mesmo os mais caros de sempre no cinema.
Há um traço característico da identidade do próprio Luc Besson nos filmes pré-5º Elemento. Ambientes meio obscuros, personagens que interpretam heróis, mas que são mais vilões, tristeza escondida na felicidade, tudo isso é fruto das vivências do realizador francês, originando obras únicas e de qualidade ímpar no cinema do seu tempo.
“The Last Battle” (1983) é uma pérola pouco conhecida do cinema de ficção cientifica. A história centra-se num mundo pós-apocaliptico onde não existe a capacidade de falar. Filmado a preto e branco, com um jovem Jean Reno e total liberdade criativa, este “The Last Battle” é uma lufada de ar fresco no meio dos filmes de ficção cientifica de robôs e planetas fantásticos que se faziam na altura. Com banda sonora de enorme qualidade do amigo de Besson, Éric Serra, este é um dos filmes obrigatórios para todos os fãs de filmes de ficção cientifica de autor. Até a própria realização quebra alguns padrões dentro do género, com excelentes planos e uma montagem capaz de dar um ritmo adequado a um filme que não tem diálogos. Besson demonstra aqui toda a sua mestria como autor.
“Subway” (1985) é o salto do realizador para o cinema um pouco mais mainstream, embora continue a ter aquele toque muito suburbano do realizador, com personagens “duros e sujos”. A história de Fred (Christopher Lambert) é bonita, original e emocionante, fazendo-nos sentir uma criança a correr pelo metro com total liberdade. Besson explora a realidade obscura do metro, oferecendo-lhe elementos bastante humanos e criando uma experiência única no cinema. Um dos traços fortes de Besson é a forma como consegue potenciar os actores, criando personagens cartoonescos num universo bastante real. Em termos de realização é possivelmente o filme mais bem conseguido do realizador (a par de Leon).
“The Big Blue” foi o filme com maior sucesso comercial em França nos anos 80. Com um Jean Reno a chegar ao topo da sua carreira, uma Rosanna Arquette sempre em excelente forma, “The Big Blue” é o filme mais pessoal do realizador e um dos mais difíceis de absorver desta primeira metade da sua carreira. Antes de mais estamos perante uma história verídica que sofreu vária salterações. O filme é longo, apesar do seu ritmo ser intenso, contudo o personagem de Jean-Marc Barr (Jacques Mayol) não é propriamente fácil de digerir caso não nos consigamos identificar com ele. Este é o primeiro passo de Besson num caminho mais comercial, embora sem nunca descurar a sua própria identidade. “The Big Blue” tem imagens lindíssimas, captadas de forma brilhante por Besson, além daquela que é, provavelmente, a melhor banda sonora num filme do francês, elaborada de forma única por Éric Serra. As interpretações de Jean Reno e Arquette estão também a grande nível, assim como a simplicidade que Besson entrega ao argumento. Não nos podemos esquecer que Besson cresceu com dois pais que eram instrutores de scuba diving, ou seja, cresceu na água, em constante contacto com a vida animal e a natureza. É fácil ver a sua paixão pelo mar neste “Le Grand Bleu”, sendo um filme com grande coração, principalmente em alguns dos seus personagens e na mensagem final.
O primeiro verdadeiro blockbuster de acção de Luc Besson chega em 1990 com “Nikita”. Se há algo que Besson sempre explorou em grande parte dos seus filmes foi a importância da mulher numa história, sem nunca a remeter para segundo plano ou apenas como estereótipo social. “Nikita” teve tanta influência no cinema que quase podemos dizer que redefiniu o papel da mulher nos filmes de acção. A par de James Cameron, com o seu “Aliens” (1986) e a incrivel Sigourney Weaver (Ripley), Luc Besson foi outro dos realizadores que contribuiu para a criação da heroína de acção feminina. “Nikita” é o filme menos bem conseguido de Besson até este momento da sua carreira. É uma boa viagem pelo universo de acção, mas sem nunca elevar o patamar a algo mais profundo. Contudo, a identidade do realizador continua presente na forma como cria certos planos e sem dúvida no ambiente que cria.
Realizado em 1994, “Leon” é considerado por muitos um dos melhores filmes de sempre e o melhor filme de Luc Besson. A química entre Jean Reno e a jovem Natalie Portman é, sem dúvida, dos momentos mais incríveis que podemos ver no cinema. O vilão, interpretado brilhantemente por Gary Oldman, é um dos vilões mais icónicos do cinema. “Leon” é um excelente filme dramático de acção, centrado num personagem com claras problemas mentais, cuja única motivação é continuar a ser uma criança ao seu estilo. A forma como Besson equilibra o desiquilibrio mental de Reno com uma jovem Natalie Portman é memorável. “Leon” é o culminar de toda a qualidade de Luc Besson como cineasta e artista, elevando-o ao patamar dos grandes realizadores.
Como serial natural, a Columbia pictures oferece a Besson a sua grande oportunidade de fazer o seu primeiro blockbuster sem limites. “O 5º Elemento” é um bom filme, com toques de Besson aqui e ali, mas nunca consegue chegar ao patamar que os seus filmes anteriores chegaram e, infelizmente, marca a perda dessa identidade tão forte que Besson imprimia nas suas obras, os ambientes meio obscuros, a tristeza mascarada de felicidade, planos arrojados, banda sonora única, etc.
É verdade que podemos encaixar “Angel-A” na lista de filmes com toque pessoal do realizador, mas a qualidade do mesmo é, no mínimo, dúbia. Se “Joan of Arc” (1999), “The Lady” (2001) e “Lucy” (2013) ainda são filmes digestíveis, com bons momentos aqui e ali, o mesmo não se pode dizer dos filmes de “Artur e os Minimeus”, “The Family” (2013), “Valerian and the City of a Thousand Planets” (2017) e “Anna” (2019), sendo estes dois últimos claras tentativas de regressar a duas fórmulas que lhe deram sucesso, o primeiro inspirado por “O 5º Elemento” e o segundo inspirado por filmes como “Nikita” ou “Leon”, sem nunca conseguirem chegar ao calcanhar dos mesmos.
Dizer que “O 5º Elemento” foi a pior coisa que aconteceu ao realizador é um exagero, mas foi sem dúvida o ponto de viragem para começo do declínio da sua carreira do ponto de vista artístico, onde nunca mais foi capaz de produz uma obra prima. Financeiramente foi quando o realizador atingiu o topo, o que provavelmente diz muito da sua carreira. A pressão dos grandes estúdios, aliada à própria pressão de conseguir fazer um filme grande filme com sucesso comercial acabou por “destruir” artisticamente a carreira de Luc Besson.