“Luca”, de Enrico Casarosa: algures no norte de Itália, fora do mar
Um cruzamento entre “Call Me By Your Name” (2017) e “A Pequena Sereia” (1989). Falamos de “Luca”, o novo filme da Pixar que retrata um verão inesquecível no norte de Itália… vivido por uma criatura marinha cujo maior desejo é o de poder andar, poder correr, poder ficar de noite ao luar.
Sem exibição em sala (infelizmente), mas sim na plataforma de streaming Disney+, “Luca” é a primeira longa-metragem de Enrico Casarosa. O ilustrador italiano, que trabalha na Pixar desde 2002, já se tinha aventurado na realização com a curta “La Luna” (2011), homenagem inaugural ao seu país. Uma obra agradável por certo, mas que em nada se equipara a “Luca”, um grande salto em dimensão, criatividade e qualidade.
Luca é um anfíbio fantástico: tem forma de criatura marinha quando em contacto com a água, e forma humana quando seco. Por ordem dos pais protetores, a vida de Luca é passada em segurança debaixo de água e, ainda que imensamente curioso com o mundo exterior, Luca obedece. Até ao dia em que conhece Alberto, anfíbio que vive à superfície. Este é o cenário que servirá para explorar questões da adolescência, a importância da amizade e os laços entre pais e filhos.
Há muito que a Pixar é detentora do título de “estúdio #1 em pôr a audiência a chorar”, e “Luca” não desilude nesse aspeto. São tantos os momentos comoventes: Alberto salvo da rede de pesca, o último diálogo entre Luca e a mãe, entre outros. O destaque vai sem dúvida para a despedida na estação de comboios, cena dilacerante que ecoa o adeus de Guy e Geneviève no magnífico “Les parapluies de Cherbourg”.
Casarosa povoa a sua obra com curiosos detalhes que vão além dos habituais easter eggs da Disney. Vejam-se os cartazes de filmes espalhados pela cidade. Constam clássicos do cinema como “Roman Holiday” (1953) e “La Strada” (1954), bem como alusões mais específicas à trama de “Luca”: a aventura aquática “20.000 Léguas Submarinas” (1954) e o monstro marinho de “Creature from the Black Lagoon” (1954).
Tenha tido ou não o privilégio de visitar Portofino ou Cinque Terre, o lugar mais bonito do mundo, o espectador ficará fascinado com a belíssima animação que Casarosa utiliza para recriar a região italiana. A explosão de cores, os constantes ajustes na exposição, a fusão uniforme do 3D com o 2D; tudo contribui para a ilustração de “Luca”, qual postal de viagem.
Depois de uma recente série de títulos que se destinam a adultos mais do que a crianças – “Inside Out” (2015), “Toy Story 4” (2019), “Soul” (2020) –, “Luca” é prova de que nem todos os filmes da Pixar precisam de explorar a condição humana para serem profundos. Uma solarenga viagem a Itália pode ser tão ou mais enriquecedora.