Luís Miguel Oliveira: “A crítica não existe para levar ou tirar pessoas do cinema. A crítica é como um guarda de um portão”

por Comunidade Cultura e Arte,    22 Dezembro, 2018
Luís Miguel Oliveira: “A crítica não existe para levar ou tirar pessoas do cinema. A crítica é como um guarda de um portão”
Luís Miguel Oliveira, crítico de cinema do jornal Público / Fotografia de Daniela Duarte – CCA

A crise das artes, seja em apoios, como acontece no caso português, ou até numa vertente mais técnica e teórica, como é o caso da crítica numa escala global, tem aumentado e, talvez por isso, tem existido um debate profundo destes temas na sociedade, muito a par, por exemplo, da crise do jornalismo. Como é óbvio, esta crise tem um histórico de décadas e já foi afirmada e reflectida por várias personalidades, como é o caso do jornalista, jornalista e Nobel Literário peruano Mario Vargas Llosa, no livro “A Civilização do Espectáculo” (ler crítica). Ainda assim, o que acentuou brutalmente esta dinâmica foi o aparecimento da internet, mais concretamente as redes sociais, e, por consequência, a liberalização da crítica.

Assim, surgiu a ideia de entrevistar um dos críticos de cinema do jornal Público, Luís Miguel Oliveira. O crítico conta já com uma carreira de 24 anos neste jornal e tem uma ligação forte com a Cinemateca, tendo sido o seu director entre 2009 e 2015.
Esta conversa teve como intuito compreender o estado actual da crítica e do próprio cinema, focando-se tanto nas dinâmicas que acontecem no nosso país como no mundo e como isso pode influenciar a sociedade.

A crítica

A crise da crítica teve como uma das consequências uma diminuição dos críticos, a alteração da forma como é publicada – estando cada vez mais presente num formato online – e uma falta de rotatividade ou, pelo menos, o surgimento de novos críticos: “neste momento, para ser profissional, é mais difícil, porque há menos lugares”, disse Luís Miguel Oliveira. As consequências desta nova realidade também se estenderam à forma como o público em geral olha para o papel da crítica e de quem a faz: “historicamente quando a crítica de cinema estava limitada à imprensa escrita, especializada ou não, essa relativa escassez criava alguns pilares – nos anos 50, 60 e 70 existia esse papel -, uma figura até de autoridade e ela própria criava uma reação e as pessoas definiam-se face a esses pontos de referência”, acrescentou o crítico e foi mais longe dizendo que “a crítica não existe para levar ou tirar pessoas do cinema, isso é o trabalho da publicidade. A crítica é como um guarda de um portão e, antigamente, até nas discordâncias havia um sentido de autoridade relativamente ao crítico”. 

Cinema português

Na mesma entrevista também foi discutido o estado actual do cinema português, podendo-se tirar conclusões a partir dos dados dos filmes nacionais mais vistos nas salas de cinema: “acho normal que seja assim, porque são filmes feitos a pensar em serem os mais vistos e têm campanhas por trás fortíssimas desenhadas também para isso”, disse Luís Miguel Oliveira. Apesar disto, o crítico tem uma opinião positiva relativamente à saúde do cinema nacional e do que é produzido anualmente: “acho que o cinema português tem uma coisa que é impressionante, sobretudo tendo em conta o país: a diversidade enorme, estão sempre a aparecer cineastas novos interessantes que têm uma visão pessoal do cinema. E isso, independentemente da saúde económica e da relação do público português com o cinema, é impressionante e muito vital”. Ainda assim, é evidente que o público nacional continua a olhar com alguma desconfiança para as produções nacionais, “a língua não é um aspecto tão negligenciável quanto isso. As pessoas estão habituadas a ouvir falar português na televisão e aí as coisas, em geral, estão muito codificadas, não é esse o português do cinema. No último, procura-se outro tipo de relação com a língua e isso é um factor de estranheza”, disse o crítico do jornal Público.

Plataformas de streaming

Os algoritmos e os sistemas de recomendações, existentes em diversas plataformas como a Amazon ou a Netflix, influenciam os nossos gostos sem nos apercebermos: “não sei bem como funciona o sistema de recomendações da Netflix, mas, à partida, esses sistemas têm como objectivo fechar as pessoas num determinado tipo de coisas, não para abrir os horizontes”, “as próprias redes sociais funcionam da mesma forma, estás rodeado de pessoas que pensam como tu e depois os intelectuais ficam surpreendidos que pessoas como o Bolsonaro ganhem eleições, mas, na realidade, estamos todos dentro de bolhas”, disse Luís Miguel Oliveira.

Blockbusters

Outro tema que não podia faltar era o dos blockbusters e a sua respectiva promoção. Para além da enorme máquina publicitária por detrás dos mesmos, actualmente são lançados diversos trailers e teasers meses antes, há ainda a questão da sua qualidade cinematográfica e a forma como esta pode estar a limitar os gostos do público. Luís Miguel Oliveira acredita que “os filmes de super-heróis criaram um sentimento de claustrofobia, parece que não existe mais nada para além disso. Agora, a indústria norte-americana é isso e é decepcionante essa falta de variedade”.

Entrevista realizada por João Pinho e Rui Soares
Nota de agradecimento ao Fumaça pela cedência de estúdio para a gravação desta entrevista.

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