‘Man of the Woods’: a escorregadela de Justin Timberlake
A carreira musical de Justin Timberlake pode ser vista como um aprimorar de uma identidade. Como membro da boy band NSYNC fez parte de um grupo que tomou de assalto a Europa e os Estados Unidos na segunda metade dos anos 90. Justified, o seu primeiro lançamento a solo, provou-o como uma jovem força voraz na música pop, com singles de sucesso como “Rock your Body”, “Señorita” ou a clássica e intemporal “Cry Me a River”. Future Sex/Love Sounds estabeleceu-o como um sex symbol e mostrou ao mundo um homem confiante, sedutor e em controlo total do seu estrelato. Esses dois projectos moldaram a persona de Timberlake e conduziram-no em direcção a algo maior que ambos e que cimentou a sua identidade pop, The 20/20 Experience, um álbum extremamente ambicioso repleto de músicas longas, bem cantadas e excelentemente produzidas por Timbaland, frequente parceiro de Timberlake ao longo da sua carreira. Assemelha-se a um espectáculo, imparável e magnânimo, pop de alto gabarito acolchoado num ambiente inescapável de festa. Isso descreve a discografia de Justin Timberlake: é música que faz bater o pé. Ainda que os anos passem, continua a ser difícil ficar quieto ao som da sua groove e da sua voz de timbre agudo capaz de rivalizar o mais afinado dos instrumentos.
Chegamos agora a Man of the Woods, o próximo passo da identidade de norte-americano. Timbaland tem um papel menos preponderante na produção que noutros projectos , sendo substituído por The Neptunes, duo de produtores composto por Chad Hugo e Pharrell Williams, e por Timberlake, que também ajuda à produção de todos os temas. Nesta etapa, a sua rotina influencia a sua música: o seu papel como pai babado e marido apaixonado transparece na sua expressão musical, e o próprio referiu que este álbum foi inspirado pela sua família e pela sua terra de origem, Tennessee. Em músicas como “Young Man” isso é claro, uma música doce dedicada ao seu filho, ou no tema “Hers (interlude)”, em que ouvimos Jessica Biel, a mulher de Justin, a falar de como se sente segura ao vestir a camisola do marido. Mas “Higher, Higher” parece relegar um amor especial para um local sem originalidade ao som de um riff aceitável de guitarra: “Uh, stress is cruel, fame’s a lie/ But you’re special, on every level”. “Sauce”, uma homenagem a Biel e à adoração que Justin tem pela sua mulher, não passa sem deixar algum constrangimento (“You must be God herself, can I come worship?”). Pelo contrário, a faixa título é uma bonita ode à mulher da vida de Timberlake. “Man of the Woods” é jovial, brincalhona, uma música pop com uma estrutura simples e que mostra um lado mais vulnerável deste homem de raízes másculas (“Come here, hold me/ ‘Cause there’s only one me and you”).
No entanto, durante o decorrer do álbum percebemos que esses conceitos de amor e ambições parentais são apenas superficiais, adornos num álbum de pop que não consegue cativar o ouvinte como este artista já mostrou ser capaz de fazer. A acutilância com que disparava melodias é substituída por uma escrita banal e os instrumentais quentes e dançáveis de Timbaland dão lugar a batidas que mostram as debilidades de Timberlake e alguma falta de tacto. Essas lacunas são claras em músicas que parecem ter visto a luz do dia demasiado cedo. “Filthy” abre o álbum munida de uma potente linha de baixo que infelizmente é ofuscada por um sintetizador grave e rasgado. Apesar de apresentar uma parte inicial com brilho, “gloriosa” e ao estilo de Justin, o resto da música não consegue corresponder a esse início, é uma música sexual que nunca chega ao clímax. “Morning Light” soa semelhante, nunca chega a mostrar o seu potencial total, é passageira e pouco entusiasmante, e “Say Something”, apesar de ter um bom contributo de Chris Stapleton (sem dúvida a melhor parte da música), também não sacia.
Não são más músicas, e são todas perfeitamente toleráveis, mas muitas acabam por ser morosas e aí reside o problema. Nos projectos anteriores, o cantor embarcou numa viagem, algo que mudou a sua sonoridade. Neste, limita-se a reciclar trunfos pop e a tomar duvidosas decisões de instrumentação. Nota-se uma vontade em querer unir dois mundos mas a fusão da atmosfera electrónica com o ambiente acústico tem resultados desapontantes. “Flannel” tinha tudo para ser uma bonita balada folk, que mostrava o cantor de outra forma forma. Tem um soberbo arranjo vocal que se evapora ao som de uma batida inspirada por trap que destoa completamente da sonoridade da música. O mesmo se aplica a “Waves”, mas de forma inversa: a atmosfera bluegrass estraga completamente o que seria uma bonita faixa ao estilo de Timberlake, cheia daquele funk sem espinha a que o artista já nos habituou, noutros tempos mais felizes. Ainda assim, há em Man of the Woods réstias desses tempos: “Montana” é perfeita para um pôr-de-sol tardio e uma dança alimentada pelos últimos momentos de calor, e “Midnight Summer Jam” desliza pelos primeiros momentos do álbum com um certo encanto de noite de Verão inspirado por Jamiroquai. Mas não escondem a verdade: é o primeiro álbum de Justin Timberlake em que o aborrecimento transparece ao longo da sua duração.
E aborrecimento é algo que nunca foi sinónimo de Justin Timberlake. A sua música é multicor, tem um certo brilho de pop star, característico e reconhecível, mas em Man of the Woods soa a tons de cinzento. É vago e o artista sempre foi incisivo. Fica a sensação de que Justin anda atrás das tendências quando sempre foi um artista que as criou. O que carrega o álbum é o legado pop que Timberlake desenvolveu ao longo de uma carreira de êxitos. Nota-se maturidade na sua música mas falta-lhe tacto na abordagem e na construção. Esta nova etapa da sua vida é um grande passo para um pai e um passo para trás para um gigante da música pop.