“Medicine at Midnight”: a reinvenção do rock dos Foo Fighters em plena pandemia
Medicine at Midnight é o nome do décimo álbum de estúdio dos Foo Fighters, lançado a 5 de Fevereiro de 2021. A ilustre banda norte-americana, liderada pelo carismático Dave Grohl, teria gravado este trabalho entre o final de 2019 e o início de 2020. No entanto, a situação pandémica que está a abalar o mundo inteiro apenas permitiu que o novo álbum de originais chegasse somente no início deste ano. Numa altura em que a banda se preparava para a tour dos 25 anos desde a sua formação e também desde o lançamento do seu primeiro álbum, o conjunto de Seattle viu adiada as celebrações deste feito. Contudo, isso não impediu que o conjunto interrompesse os seus trabalhos, chegando a dar uma pequena performance ao vivo ao tocar o mítico Times Like These, na altura da tomada de posse do presidente Joe Biden. Um quarto de século fez com que os Foo Fighters lançassem um total de dez álbuns originais, algo que, para além de provar a enorme actividade e adaptação musical da banda, mostra que é possível reinventar o rock, adaptando-o a um publico cada vez mais diferenciado e multifacetado. E Medicine at Midnight é um álbum que consegue mostrar isso mesmo, tal como alguns dos trabalhos anteriores que já tinham conseguido comprovar.
Numa entrevista dada em Novembro de 2020, Dave Grohl comparou este novo álbum ao célebre Let’s Dance de David Bowie, sendo este um trabalho que envolve diferentes nuances musicais e que incita a que haja um espírito de dança, o que não quer dizer que este seja propriamente um álbum de dance ou disco. Gravado entre o finais de 2019 e início de 2020, com um total de nove canções, este é um álbum que continua a dar vida a um projecto cujo trabalho é reconhecido a todos os níveis e que continua assim a dar frutos. Algumas das canções foram dadas a conhecer anteriormente em formato single, o que viria também a alimentar as espectativas quanto ao lançamento de Medicine at Midnight. Lançado quase quatro anos depois de Concrete and Gold, e novamente produzido sob a alçada de Greg Kurstin que colaborara com o conjunto pela primeira vez neste trabalho anterior, é assim que nos chega um novo álbum de originais. Quanto aos músicos, são os suspeitos do costume, com a mesma energia de sempre e com a mesma jovialidade que se mantem com o passar dos anos: o guitarrista e vocalista Dave Grohl, os guitarristas Chris Shiflett e Pat Smear, o baixista Nate Mendel, o baterista Taylor Hawkins e ainda o teclista Rami Jaffe. Para além dos membros da banda, o álbum conta também com a ajuda de outros músicos contratados que ajudam na sua execução.
É com a canção Making Fire que se dá início ao primeiro álbum da banda nos novos anos 20. Ao abrir com a bateria acompanhada pelos instrumentos de cordas e ainda com coros femininos que se repetem de forma intensiva ao longo da canção, esta é assim uma faixa alegre e espontânea que traz o que de melhor há no conjunto. Seguindo-se Shame Shame, uma canção dada a conhecer em Novembro de 2020 e que conta com uma percussão predominante e com algumas tonalidades de David Bowie. O single chegou a estar no top das listas da Billboard no Canadá e nos Estado Unidos, tendo tido um enorme sucesso graças às diversas variantes presentes na canção onde a palavra “shame” faz questão de marcar compasso. Cloudspotter oferece-nos o rock mais virado para o grunge característico da banda marcada pelo som intenso das guitarras ao longo da canção e pelo modo rítmico como a voz de Dave Grohl, acompanhada por uma das vozes femininas, se enquadra na melodia. Waiting on a War, canção lançada no formato single em Janeiro deste ano, no dia em que Dave Grohl celebrou 52 anos. Trata-se de uma pequena história que se inicia em tom de balada, lembrando algumas das canções mais melódicas da banda. Retrata as memórias de alguém que enquanto criança brincava com a sua pistola de brincar, e que a qualquer momento poderia estar perante uma guerra a sério. No fundo, Waiting on a War trata-se de uma canção anti-guerra, na qual Dave Grohl ter-se-á inspirado nas memórias das tensões entre Estados Unidos e a União Soviética durante a Guerra Fria, quando ainda era muito jovem. Para além de uma notória presença dos violinos na sua execução e da reptição dos versos “Is there more to this than that? / Just waiting on a war for this and that / There’s got to be more to this than that”, a canção termina de forma intensa e acelerada com uma explosão do rock tão inerente na banda.
Já a canção Medicine at Midnight, que intitula este álbum, traz-nos uma melodia bastante rítmica com altos e baixos. Possui algumas tonalidades de Red Hot Chili Peppers pelo modo como é tocada, mas também com algumas nuances de Michael Jackson pela forma como é interpretada e um solo de guitarra pelo meio que assemelha a uma das famosas interpretações de Mark Knopfler. De qualquer das formas, acaba por ser esta também uma faixa que mostra o trabalho bastante independente do conjunto. Son of Mine, uma canção lançada logo a abrir 2021, trata-se de uma canção de heavy metal que faz lembrar os gloriosos tempos de Lemmy Kilmister à frente dos Motörhead, sendo esta uma faixa que consegue energizar ainda mais o álbum. Holding Poison, volta a oferecer-nos os benefícios do rock já bem conhecido dos Foo Fighters, sem quaisquer vestígios de algo venenoso como o nome assim indica. Chasing Birds acaba por descer a um tom mais suave, numa harmoniosa balada, e com uma letra que fala da inocência que há em cada um de nós ao perseguir os pássaros e vê-los a levantar voo. Esta acaba por ser a canção mais doce pela sua letra e pela sua interpretação que faz lembrar algumas das canções da época áurea da carreira a solo de John Lennon. Por fim o álbum termina com Love Dies Young que, apesar do seu título, acaba por ser uma canção cheia de vida, que exibe a energia bem presente nos Foo Fighters.
Medicine at Midnight é um álbum que acaba por oferecer mais um patamar à carreira musical dos Foo Fighters, mostrando que é possível a banda reinventar o seu próprio rock nos tempos que correm, sempre com algo novo por detrás e com diversas inspirações inerentes que o tornam ainda mais característico. Este trabalho mostra diversas tonalidades musicais dos mais variantes géneros que se misturam com a matriz do rock dos Foo Fighters tornando-o mais actual, correspondendo às expectativas dos apreciadores do repertório musical da banda. A medicina, que funciona não só à meia-noite mas vinte e quatro horas por dia, continua a fazer esforços hercúleos para que possamos sair o quanto antes desta situação. São em tempos como este que temos que ser pacientes para voltarmos ao que éramos e poder ver novamente um dos concertos enérgicos dos Foo Fighters, repletos de alegria e de uma paixão contagiante. Ouvir Medicine at Midnight, acaba por ser uma excelente forma de matarmos saudades até que os chamados “dias normais” regressem, e onde poderemos também regressar aos festivais de música onde os Foo Fighters são necessariamente uma presença assídua.