Miguel Duarte: “Esta investigação é política. O objetivo não é prender-nos, é parar o resgate marítimo”
O que vais ouvir, ler ou ver foi produzido pela equipa do Fumaça, um projecto de media independente, progressista e dissidente e foi originalmente publicado em www.fumaca.pt.
A 2 de setembro de 2015, foi publicada a fotografia onde aparece Alan Kurdi. O miúdo curdo, nascido no norte da Síria, tinha três anos quando morreu afogado numa praia perto da turística cidade de Bodrum, na Turquia. A fotografia mostra-o deitado de barriga para baixo e braços estendidos, sem vida. As ondas do mar tocam-lhe na cabeça enquanto o resto do seu corpo está encharcado.
Milhões de pessoas viram a fotografia que chocou o mundo ocidental. Nessa altura, milhares de refugiados arriscavam, todos os dias, atravessar o Mar Mediterrâneo em barcos de borracha madeira ou de borracha má qualidade, numa viagem que pode durar dias. Para Alan Kurdi, a sua mãe, e o seu irmão, de 5 anos, não durou nem um.
Fugiam da morte na Síria onde, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), neste momento, existem mais de 6,6 milhões de refugiados internos. 5,6 milhões de pessoas tiveram de abandonar o país. No total, 13,5 milhões de pessoas sírias precisam de ajuda humanitária, das quais 6 milhões são crianças.
As imagens como a de Alan Kurdi e os vídeos de barcos sobrecarregados com refugiados desesperados deixaram de aparecer nos media e nas redes sociais, mas continuam a existir. Segundo a ONU, em 2015, no pico da catástrofe, mais de 1 milhão de pessoas lançaram-se ao mar para chegar à Europa; em 2016, foram cerca de 360 mil; em 2017, 172 mil; em 2018, até agora, foram já 110 mil os que chegaram, e mais de 2 mil aqueles que a organização estima terem-se perdido na viagem, para nunca mais voltar.
Miguel Duarte juntou-se à Jugend Rettet, uma rede de ativistas com o objetivo de resgatar pessoas refugiadas no Mar Mediterrâneo, no verão de 2016, para fazer parte da solução da “ grande crise da [sua] geração”. Em outubro desse ano, embarcou no Iuventa, o navio da organização, para a sua primeira missão: “ao fim de duas semanas, participámos no resgate de 423 pessoas”, conta. No total, a Jugend Rettet participou no resgate de mais de 14 mil pessoas.
Mas, a 2 de agosto de 2017, tudo mudou. O Ministério Público italiano arrestou o Iuventa e acusou a Jugend Rettet de ajuda à imigração ilegal, apreendendo o barco até hoje. Um ano mais tarde, em junho de 2018, 10 dos tripulantes, incluindo Miguel Duarte, foram acusados do mesmo. Hoje, estão a ser investigados por um crime que os pode levar a 15 anos de prisão.
A Jugend Rettet não foi a única organização não-governamental de assistência a refugiados que viu as suas operações travadas por ordem judicial: a Médicos Sem Fronteiras decidiu, no passado dia 6, abandonar as suas missões de busca e salvamento, depois do seu navio, Aquarius, que resgatou já mais de 30 mil pessoas, ter sido impedido de sair para o mar durante mais de dois meses, acusado de produção de lixo tóxico; a Sea-Watch, foi travada pelo governo maltês; entre outros casos.
Para Miguel Duarte, agora fundador da HuBB – Humans Before Borders, uma plataforma que luta pelos direitos de migrantes e pessoas refugiadas, trata-se de uma estratégia concertada por parte da europa: “esta investigação é absolutamente política. O objetivo não é prender-nos, é parar o resgate marítimo”.
A menos de seis meses das eleições Europeias, falamos também sobre como a União Europeia tem lidado com a crise de refugiados.