Miguel Xavier: “O Plano de Saúde Mental precisa de apoio político. Não basta dizer que é prioritário”
O que vais ouvir, ler ou ver foi produzido pela equipa do Fumaça, um projecto de media independente, progressista e dissidente e foi originalmente publicado em www.fumaca.pt.
No final do ano passado, trabalhavam no Serviço Nacional de Saúde (SNS) 594 psicólogos: três em cada quatro nas regiões de Saúde do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo. As assimetrias regionais são da mesma forma evidentes na distribuição dos psiquiatras dentro dos serviço público: dos 549 que exercem no SNS, apenas 17 trabalham no Alentejo, 13 no Algarve. Estas duas regiões juntas, onde vivem mais 155 mil crianças e jovens até aos 14 anos, têm apenas três pedopsiquiatras. E um deles foi contratado já este ano.
Além disso, é claro o incumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos – aqueles que a lei define como períodos clinicamente aceitáveis para um utente esperar por uma consulta. No Hospital Espírito Santo de Évora, por exemplo, um doente muito prioritário espera, em média, 65 dias, até à primeira consulta de psiquiatria. E o problema persiste no resto do território continental: mais de cinco meses é o que tendem a esperar os doentes no nível mais baixo na escala de prioridades (normal) para começarem a ser seguidos na psiquiatria dos hospitais públicos de Viseu (155 dias), Coimbra (160), Chaves (166) e Lamego (177). Em Santo Tirso, chega quase aos oito meses (234 dias) o tempo de espera pela primeira consulta.
Sendo certo que a demora para conseguir uma consulta não é um problema exclusivo da psiquiatria, os serviços de saúde mental dos hospitais públicos debatem-se com outra limitação: há concursos para contratação de médicos a ficar desertos. “Em relação à pedopsiquatria, tínhamos feito um esforço enorme para abrir uma vaga, este ano, para o Algarve; a vaga foi aberta e não foi ocupada”, constata Miguel Xavier, médico psiquiatra, diretor do Programa de Saúde Prioritário na área Saúde Mental da Direção-Geral da Saúde.
Seis anos por cumprir
Em 1998, foi publicada nas páginas do Diário da República a segunda e última Lei da Saúde Mental. Regulamentou o internamento compulsivo, até meados dos anos 90 feito sem qualquer enquadramento legal, e iniciou a reconfiguração do modelo de prestação de cuidados, ainda por terminar. À data, isto significou a transferência da maioria dos serviços de psiquiatria e saúde mental para hospitais gerais, incluindo a maioria dos internamentos, e o fecho de vários hospitais psiquiátricos. A rede de serviços locais cresceu, assim como os serviços de ambulatório e os hospitais de dia.
Para dar continuidade a esta reforma, em março de 2008, o Conselho de Ministros do primeiro governo de José Sócrates aprovou o Plano Nacional de Saúde Mental para 2007-2016, lançando a base legislativa para a criação de cuidados continuados na área da saúde mental e prosseguindo o objetivo de fechar os hospitais psiquiátricos. Miguel Xavier foi co-autor deste plano e lamenta que, desde o início, se tenham levantado entraves à sua implementação.
Entraves que se consolidam a partir de 2011 – “andou-se fortemente para trás” – , com o empréstimo internacional da troika (Comissão Europeia, BCE e FMI) e a medidas de austeridade consequentes. De forma oficiosa, o plano foi praticamente esquecido. Ao mesmo tempo, foi extinta a Coordenação Nacional para a Saúde Mental, que gozava de alguma autonomia, passando a integrar num programa prioritário na Direção-Geral da Saúde, sem quaisquer poderes sobre a área dos serviços hospitalares.
Pelo caminho, seis anos do plano ficaram por cumprir.
Em 2017, o governo de António Costa pediu a uma comissão técnica, de que Miguel fazia parte, para avaliar a implementação do plano e definir as propostas prioritárias, até 2020. No ano passado, quando assumiu a direção do programa nacional, Miguel Xavier relançou o plano e, desde então, repete um alerta: as metas desenhadas para 2016, estendidas até ao próximo ano, terão que levar um novo esticão. “Estou convencido de que em seis anos se pode implementar o Plano Nacional de Saúde Mental. Não é até 2020”, afirma. O importante até lá, sublinha, é que “nenhuma [medida] fique no papel”.
Mas, no final, o que o fará mexer é o investimento e vontade política: “O Plano de Saúde Mental precisa de ter apoio político. Não basta dizer que é prioritário, é preciso que tenha uma tradução financeira.”