Mike11 e os quilates do ouro português
Noite quente de maio, numa sala cheia e entre melodias audazes e acutilantes de guitarra portuguesa, assistimos ao virtuoso Mike11 no seu primeiro concerto.
Nascido para a música através do fado, aprendeu guitarra portuguesa e impressionou-se com a sua sonoridade, mas o perímetro era exíguo e o público não coincidia com o destino da sua inspiração, mais permeável à urbanidade e à fusão de géneros. A viragem acontece e o novo emerge envolto numa rara e criativa combinação de géneros — se não incombináveis, pelo menos à partida, dificilmente miscíveis. O som surge, então, acompanhado da surpresa, e a batida R&B desponta enquadrada por linhas melódicas dignas de um fado recente e civilizado, catapultando imediatamente para uma experiência em que nenhum dos sentidos desmobiliza.
Foi no Capitólio, no dia 27 de Maio, com quase os 400 lugares ocupados, que assistimos ao concerto de apresentação do álbum de Mike 11, 19.2k — referência aos quilates do ouro português.
As cortinas abrem e Mike, com a sua guitarra e os seus shades, brinda o público com o solo de guitarra portuguesa da primeira faixa do álbum, “Pra Quê Falar”. Já instalado, diz ao público “hoje é noite de R&B” e apresenta algumas das músicas mais ritmadas do álbum, como “Qualquer Hora” e “Quem Diria”.
Ao longo do concerto, o artista foi interagindo com o público, apesar da sua nítida timidez. Cumprimentou, agradeceu, falou um pouco do início do seu percurso na música, do tempo que passou em Los Angeles, onde trabalhou com artistas de renome, e o público foi ficando mais à vontade, transformando o ambiente numa inebriante atmosfera intimista. Os vincados traços de timidez foram insuficientes para ofuscar tamanho talento.
Os solos de guitarra portuguesa estiveram presentes em todas as músicas que apresentou e, para além destes, também alguns convidados marcaram presença, como Stevão NDM, que cantou uma faixa em crioulo. A sensação pop Bárbara Bandeira foi convidada para cantar a música que têm juntos, “Ride”, a mais conhecida do álbum e que faz sucesso nas rádios. A canção pôs o publico a cantar e a dançar, deixando o ambiente ainda mais descontraído.
A meio do concerto, Mike11 presenteia-nos com o seu mais famoso hit, “My Tata”, música inspirada na mulher do narcotraficante Pablo Escobar, produzida por Scott Storch (vencedor de 8 Grammys) e cantada por Jeremih. A plateia ficou ao rubro.
As palavras de Mike — ou Micael, como é tratado na intimidade — dirigidas à sua família, presente na primeira fila, foram de puro agradecimento. Palavras de amor. Cantou “Aguarelas”, que dedicou à mãe, num momento emotivo e ternurento que a multidão abraçou.
Jaca — o primeiro artista sob a alçada da produtora de Mike, a Eleven World Records — subiu ao palco e cantou o seu primeiro single, perante o olhar orgulhoso de Mike11.
A certa altura, o público já se sentia em casa e interagia com o artista. E, por falar em casa, Mike não pôde deixar de agradecer à sua “casa”, Lisboa. O tema “Lisboa” foi uma atuação sentida e honesta, interpretada com a amiga e também artista Milhanas.
Foi uma noite cheia de ritmo R&B em que Mike11 nos envolveu numa sonoridade muito característica, apresentado o seu primeiro álbum numa base de dedilhados de guitarra portuguesa, ora adormecidos, ora extasiados de tons afrodisíacos. Para encerrar a noite, como se tratasse de um encore, Mike11 repete o hit “My Tata”.
Saímos do Capitólio com aquela sensação de coração cheio, transbordante para outros recantos de nós, plenos e confiantes: o R&B português está em boas mãos.
Texto de Francisca Rebelo