Não se deve banalizar a saúde mental de quem quer que seja, muito menos em benefício próprio
É importante começar por referir que considero o vídeo que a cantora Carolina Deslandes publicou no seu instagram pessoal, criticando a linha editorial da Blitz, totalmente legítimo. É que a Blitz, no espaço onde deveria ter o seu “Estatuto Editorial”, nada tem, e quem tem visto as publicações do site “noticioso” facilmente compreenderá o porquê. Não deve ser fácil definir um projecto jornalístico, que no seu formato físico continua a ser ímpar em Portugal, mas que nas redes sociais opta por um tipo de conteúdo digno de uma qualquer tertúlia matinal à volta de assuntos do panorama mais “pessoal” da vida dos artistas.
De há muito tempo para cá que a Blitz liquidifica a solidez do seu histórico trabalho no panorama musical em notícias “cor de rosa” nas redes sociais, de like fácil, de títulos sensacionalistas e de intromissão em pormenores das vidas privadas que ali julga e noticia. Num editorial lamentável, Miguel Cadete legitima todo esse tipo de conteúdo da sua revista mostrando algumas das vezes em que a cantora abriu “as portas da sua vida privada” com posts nas suas redes sociais, com fotografias ou vídeos com o filho ou a falar de relacionamentos anteriores. O Miguel e a sua revista ignoram assim que o facto de alguém fazer publicar conteúdo nas suas redes pessoais, mesmo que para milhares de fãs, está longe de significar que esse conteúdo é relevante para o seu órgão de comunicação social, sobretudo quando o mesmo — supostamente — procura ou procurava outro tipo de informação. Pede-se mais a um meio de comunicação que simplesmente um copy paste de publicações das redes sociais dos artistas.
Mas o mais chocante estava ainda mais à vista. Seguindo esta senda de amor ao clique, para o título do seu editorial o director da Blitz escolheu banalizar uma perturbação do foro psicológico (a ansiedade) para atacar Carolina Deslandes, esquecendo-se que ao fazê-lo não a ataca só a ela mas sim todos os que sofrem diariamente com a mesma. No corpo do texto, Miguel Cadete lá tenta justificar — em vão — o uso da “ansiedade” de forma totalmente fugaz e despropositada, tal como o artigo que originou tudo isto, da jornalista Lia Pereira, onde a mesma, segundo o director da Blitz, conclui que “nem sempre o concorrente mais famoso é o vencedor do Festival da Canção”.
Considerações à parte sobre a necessidade do artigo focado na cantora (mas que é importante referir que vem na senda de vários e vários artigos da Blitz sobre a sua vida e nunca sobre a sua obra), é por demais questionável que tipo de “conclusões” brilhantes se podem retirar de uma frase que termina com um “nem sempre”. Ou seja, Carolina Deslandes pode ou não ganhar o Festival da Canção. É só isto, mas a Blitz dedicou-lhe um estudo aprofundado e focado apenas numa das cantoras ainda a concurso. Creio, até, que se pode ir ainda mais longe e “concluir” que qualquer um dos participantes poderá ganhar, mas não dedicaremos um artigo a isso por razões óbvias.
Ninguém pode obrigar a Blitz, e a quem compõe a revista, a falar da música de Carolina Deslandes nem a gostar de qualquer artista, mas deve exigir-se que não banalizem a saúde mental de quem quer que seja, muito menos em benefício próprio. A informação está hoje muito mais democratizada e a uma pequena distância e a sensibilização para estas questões devia estar mais presente nas nossas vidas, sobretudo numa altura em que a pandemia e o seu consequente confinamento, distanciamento social e mil e uma indefinições nas nossas vidas veio prejudicar a saúde mental de tantos nós. À Blitz fica apenas o repto de que possam focar-se no que tão bem fazem (fizeram?) em tempos e se dediquem antes a perscrutar as dificuldades e falta de apoio por que estão a passar muitos dos artistas, dos técnicos de som, de luz ou tantos outros profissionais da área dos espectáculos ou de que forma têm conseguido proteger a sua saúde mental.