Não se mencione o excremento
Não sou, confesso, de ir muitas vezes à casinha. Nomeadamente para o número 2. Sou a modos que meio atrasado dos intestinos. O que não sei é se isso é causa ou consequência daquilo que sou.
Pode ser consequência no sentido em que sempre aproveitei esses momentos para ler, e, assim, demorar demasiado tempo a fazer aquilo que poderia ser mais rápido. Há uns anos, num programa da RTP, Alfredo Saramago dizia que o pai nunca o deixou ler na casa de banho — isso habituava os intestinos a trabalhar devagar. Pareceu-me fazer sentido, mas lido tão mal com a solidão latrinária e estou de tal modo habituado a combatê-la com a leitura, que sou daqueles que lê qualquer embalagem de shampoo ou detergente se, por acaso, não tem um livro à mão. Os telemóveis também vieram contribuir para o aumento do tempo de exposição à causa.
A minha última estratégia passa pela escolha de livros de crónicas ou pequenos contos (até um romance com capítulos curtos), algo que não me agarre ao trono por demasiado tempo. O problema é que tenho optado por livros bastante bons. Por exemplo, os Contos do Gin Tonic foram todos lidos ali. A melhor obra para obrar.
Cronistas como Rubem Braga, MEC, António Prata, RAP, Gregório Duvivier: grandes companheiros de retrete. De todos absorvi enquanto evacuava (vou parar, prometo).
Por outro lado, sou muito esquisito com os sítios onde o faço. Sempre fui capaz de aguentar várias horas até encontrar um sítio seguro e limpo para levar o Presidente à Casa Branca, como se diz nos países republicanos.
Por último, sou o tipo mais preguiçoso que conheço. Sou daquelas pessoas que pode ter um elefante deitado na sala durante semanas — desde que não me impeça de ver a televisão e me deixe um espaço no sofá. Assim, quando a barriga dá sinal, não corro para o WC se não tiver absoluta certeza de que está mesmo na hora da libertação desta espécie de condenado de Shawshank da prisão de ventre, não vá eu perder tempo e desgastar-me física (até porque tenho que contornar o Dumbo) e emocionalmente com uma viagem à senhora da asneira.
Resumindo a “hipótese consequência”: faço pouco aquilo que a gente sabe porque sou preguiçoso, caprichoso, e por temer a solidão.
A “hipótese causa” tem que ver com uma série de coisas que tenho lido sobre os intestinos. Que a sua eficiência é meio caminho andado para a saúde física e mental. E se é causa: serei mandrião, inseguro, solitário, por via do demorado funcionamento do tripanário? E a minha auto-estima, que é uma bosta, poderá ser um reflexo da baixa atividade dos meus bífidus? Será que daquela vez em que falhei um golo de baliza aberta, foi mais pelas vísceras que pelos dois pés esquerdos que ostento, sem ofensa aos canhotos?
Tenho um amigo que é gajo para se aliviar umas 6 a 7 vezes por dia. Mais ainda, se estiver empregado. E apesar de ser um tipo leve e bem-disposto, ferve com facilidade. É daquele tipo de pessoas que, quando se chateia, grita, escabuja, explode, e, passados 10 minutos, já não se passa nada. Vive tranquilo, não deixa nada por dizer.
Eu sou o contrário. Absorvo tudo, principalmente o mau. Acumulo rancores, guardo toda a porcaria. Quando atinjo o limite, deito tudo para fora, o que devo e não devo. Como se tivesse tomado um laxante verborrágico.
Bom, se é causa, há tratamento. Mas não pensem que vou agora começar a comer iogurtes à pazada sem um prévio diagnóstico. E esta semana não me dá jeito nenhum ir ao médico.
Seja como for, tenho que me aceitar como sou. Quem não gostar, que vá para aquilo que eu devia produzir mais. Já diz o povo: “cagando e andando” (no meu caso, nem uma, nem outra). Talvez as horas de pensamentos que estão na sua génese façam deste texto uma causa e consequência de eu ir poucas vezes à privada. Se eu fosse mais enérgico, teria menos tempo para escrever estas patacoadas. Se eu passasse menos tempo sentado a escrever estas patacoadas, porventura o meu sistema seria mais eficiente.
Pode ser, mas, apesar de toda a teoria, constato apenas uma única certeza: cago pouco. Que merda.