“Nem sempre a Brincar, Sr. Feynman!”: uma última viagem ao lado de um génio

“Nem sempre a Brincar, sr. Feynman!“, foi recentemente publicado pela Gradiva no âmbito da colecção ciência aberta, uma obra que aborda um lado menos conhecido e os últimos dias do físico Richard P. Feynman, Prémio Nobel da Física em 1965, considerado por muitos como o grande físico da segunda metade do século XX sendo que na primeira metade esse estatuto está unanimemente conotado a Albert Einstein. Porém, alguns foram ainda mais longe, considerando-o “O homem mais inteligente do mundo”, um título que adquiriu graças às suas capacidades de raciocínio e de argumentação notórias, e ao seu estilo excêntrico e ao mesmo tempo simples com que encarava a vida. O título do livro acaba por fazer ligação ao célebre “Está a Brincar Senhor Feynman!“, com base nas conversas que teve com o seu amigo Ralph Leigton, que resultou num best seller que junta todas as histórias mais excêntricas que se orgulhava de ter vivido, mostrando assim um lado de génio mas também um lado extremamente brincalhão, ao partilhá-las de forma bastante acessível com o público.
O livro encontra-se dividido em duas grandes partes, com um pequeno apêndice sobre a segunda e um epílogo no seu desfecho. Na primeira parte encontramos uma série de textos que ficaram de fora do célebre livro que tornara Feynman ainda mais famoso. Em “Como Nasce um Cientista” o autor explica como é que, desde muito pequeno, demonstrava um certo talento para a ciência, muito também devido ao impulso do seu pai, que o incentivava a observar pequenos aspectos da natureza. Seguindo-se “Que te Interessam o que os Outros Pensam?”, que dá titulo à versão original do livro, “What Do You Care What Other People Think?”. Esta frase foi várias vezes dita pelo grande amor da sua vida, Arlene Greenbau, que morreu de tuberculose com apenas 25 anos e que marcaria para sempre a sua vida. Feynman conta as saídas que teve com raparigas da sua idade, quando ainda era muito jovem, e até a ter conhecido, bem como a confrontação do cientista com a religião judaica sob a qual fora educado e as peripécias durantes os tempos de liceu e de faculdade, onde fora sempre um brilhante aluno. Neste capítulo longo, Feynman conta ainda como viveu a doença da sua noiva, numa altura em que já se planeavam em casar e como enfrentou algum desdém da sua família na sua decisão, numa altura em que estava prestes a ingressar no projecto Manhattan sob a chefia de J. Robert Oppenheimer.

Feynman acaba também por reunir histórias de outras das suas peripécias que não foram incluídas como algumas passagens adicionais em Princeton onde estudou, em Caltech onde deu aulas e contou com uma acusação de ser “um porco sexista” devido a usar como exemplo de estudo nas suas aulas condutoras do sexo feminino que tinham acidentes de viação, algumas aventuras pelos países onde viajou, mostrando sempre a sua curiosidade, misturada com a simplicidade e a vontade de brincar com as coisas mais simples. São também mostradas cartas, fotografias e esboços e desenhos feitos pelo próprio (assinados como Ofey, seu nome artístico) que não são nada mais do que novos elementos para o retrato do físico enquanto homem, que fazem jus ao subtítulo desta edição. São também mostradas cartas onde Feynman conta à mulher Gweneth a sua aventura como conheceu os Reis da Bélgica e também a sua viagem à Grécia. Também são incluídas correspondências dos seus amigos Freeman Dyson e Hans Bethe, fornecidas por ambos.
Na segunda parte do livro, é abordada os últimos dias de Richard Feynman, já com o cancro detectado com um grande ênfase no acidente do vaivém espacial Challenger numa missão feita pela NASA a 28 de Janeiro de 1986 que vitimou mortalmente os sete astronautas a bordo. Feynman recebera uma chamada do chefe da NASA, que teria sido seu ex-aluno, para participar nas investigações do acidente. Após uma breve explicação do que aconteceu, mostrando alguns dos componentes do foguetão e os efeitos que originaram o acidente, Feynman concluiu que os anéis-O (O-rings), componentes de borracha do foguetão, que tendem a expandir quando as temperaturas eram elevadas, contrariam-se com temperaturas baixas provocando assim os estrangulamento das paredes dos propulsores, resultando numa fuga de gás que causaria uma explosão. Feynman comprovaria este feito ao colocar um dos anéis em água gelada nas audições sobre o acidente, verificando a ausência de resiliência a baixa temperatura, sendo a razão pelo resultante estrangulamento que provocaria a explosão do vaivém. Nesta secção é feita uma abordagem de todos os constituintes envolvidos, mostrando ao leitor como efectivamente funciona um vaivém o como uma viagem pode correr mal.
Ainda é descrito todo o resultado da avaliação bem como a relação que Richard Feynman teve com os jornalistas ao longo de todo o processo, onde acabou por se reunir também com o presidente Ronald Reagan, e uma reflexão profunda sobre os acontecimentos e como a sua avaliação poderia evitar desastre futuros em missões espaciais. Um apêndice adicional confere-nos as suas considerações pessoais sobre a segurança do vaivém, tendo como base a sua experiência na investigação que contou com outros físicos e engenheiros. No final, Richard Feynman introduz-nos aquele que para si é o “Valor da Ciência”, com base num discurso seu feito em 1955 na Academia Nacional das Ciências, onde conclui que os cientistas devem estar a par “do enorme progresso que é fruto da liberdade de pensamento”, tendo como dever exigir “esta liberdade para as gerações vindouras”.
Em “Nem sempre a Brincar, sr. Feynman!“, conhecemos um lado mais íntimo e também racional de um dos mais brilhantes cientistas de todos os tempos. Nunca fugindo ao seu sentido de humor e à sua habilidade para lidar com temas complexos de forma simples e divertida, trata-se de uma sequela de “Está a Brincar Senhor Feynman!”, que descreve os seus últimos anos de vida, com ênfase no acidente do vaivém Challenger e com algumas histórias interessantes que ainda tinha por revelar. Richard Feynman deixou-nos aos 69 anos no ano de 1988, após uma longa batalha contra um linfoma, quando ainda tinha muito para nos ensinar a nós e ao mundo. Mas o seu legado permanece eterno, ao continuarem a ser publicadas e reeditadas obras da sua autoria que fazem as delícias dos leitores, inspirando outros tantos cientistas e cidadãos comuns, pelo interessa na ciência e pela paixão pela vida.