O amadurecer de Luís Severo
Luís Severo está de regresso e coloca-se no centro dos holofotes da nova música portuguesa com o brilhante sucessor de Cara d’Anjo, disco de 2015. O álbum homónimo Luís Severo, lançado agora através da Cuca Monga – a editora formada pelos Capitão Fausto -, tem uma produção mais arranjada que o anterior e tal tem de ser claramente um elogio, com pequenos pormenores deliciosos a serem audíveis ao longo de todo o álbum. Neste (autoapelidado pelo próprio) sacro pop, somos conduzidos ao longo dos arranjos e das variações na música com a delicadeza, não só da própria voz de Severo, mas também dos coros que povoam lindamente todo o álbum – ao mesmo tempo que marcam o ambiente da música, envolvem-na, dando-lhe textura.
Escola, o primeiro single, já tinha deixado as expectativas bem elevadas, e Boa Companhia, o novo single, veio por os pontos nos is e completar o belo bouquet de apresentação. E mesmo se estas forem as melhores canções do álbum (Cabeça de Vento e Olho de Lince também competem), o resto do álbum está cheio de suminho para que se beba frequentemente o álbum sem nos ficarmos pelos singles. Isto também porque, aliás, o álbum não é grande (as 8 canções parecem estar na moda na cena musical portuguesa) e é tão fácil ouvi-lo que apetece estar sempre a fazê-lo.
Se há coisa na qual o talento de Severo abunda, essa é mesmo a qualidade de escrever refrões, fazendo dele, claro está, o cantautor pop que merece ser. É incrível como todos os refrões, dos mais dançáveis aos mais relaxantes, nos ficam na cabeça e a vontade que fica é a de ir já para o concerto de lançamento no Teatro Ibérico (no próximo dia 29 de Março, em Lisboa), cantar e dançar.
Amor e Verdade dá início ao álbum num uivo reminescente de Ainda é Cedo, faixa inicial do anterior álbum, pedindo esperança na cidade de Lisboa, tema central do álbum. É desta Lisboa que nasce Luís Severo, álbum e artista, indissociável da muito promissora cena musical actual da cidade, da qual faz parte, juntamente com nomes como Filipe Sambado, Primeira Dama, Éme, Capitão Fausto e tantos outros.
Lisboa não o seria sem a sua componente boémia e nocturna, e Cabeça de Vento leva-nos para esse lugar, não só associado aos artistas, “lugar onde parece que não passa o tempo”, mas, ao mesmo tempo, para uma festa que também já aborrece, “que lembre da vida que já não interessa”. A Lisboa onde “para sair de casa mais uma hora/mais outra a andar a pé”. Quantos de nós não se revêm nisso?
Ao lado da capital portuguesa, também o amor está omnipresente ao longo do álbum. Mais obviamente em canções como Meu Amor e Lamento, que marcam as principais incursões do álbum em temas ao piano, a primeira mais em jeito de balada, a segunda etérea, fruto também dos belíssimos sopros que se vão ouvindo ao longo da música.
Olho de Lince, equipada com uma guitarra a lembrar Mac DeMarco, encerra o álbum com a mais bem-feita junção destes dois temas omnipresentes, revelando-nos esse deslumbramento que acompanhou Severo na sua iniciação tanto ao amor como à cidade de Lisboa. É dessa iniciação que chega, inevitavelmente, a perda da sua ingenuidade, culminando em Luís Severo, este tão bom álbum. E, numa crítica à postura actual de emitir opinião acerca de tudo (“à mesa do café tu só tens de ter certezas/se não tens não faz mal ou imitas ou inventas”), relembra-nos que “Isto aqui é Lisboa, cada qual que se defenda”.