O amadurecimento experimental de Japanese Breakfast em ‘Soft Sounds from Another Planet’
Michelle Zauner primeiramente recebeu notoriedade por encabeçar Little Big League, banda de punk rock/rock alternativo norte-americana. Mas foi em 2013, com o regresso à sua cidade natal de Eugene, Oregon, para ajudar a cuidar da sua mãe doente, que decidiu criar um projeto próprio, distanciando-se das temáticas e também de certa forma das características sónicas da banda com quem estava (e ainda está) associada. O primeiro full-lenght sobre o alias Japanese Breakfast surge em 2016, após a fatídica perda da sua mãe, como meio de lidar com os seus demónios pessoais. Liricamente carregado, “Psychopomp” é um álbum que entrega melodias e progressões de indie rock comuns e recorrentemente utilizadas – Alvvays, Deerhunter e Lotus Plaza vêm à cabeça quando ouvindo o single “Everybody Wants to Love You” ou em “Heft”, por exemplo –, não deixando de ser por isso marcantes: muito pop/rock alternativo segue uma receita comum que só continua a existir precisamente por resultar.
Com “Soft Sounds from Another Planet”, Zauner dá um salto na direção correta, na medida em que este é um álbum estilisticamente mais carregado, com a etereadade enquanto plano de fundo e capaz de evocar o que o seu título promove: melodias suaves e espaciais. “Diving Woman”, primeiro tema do álbum, encarrega-se de personificar esse salto. Ambicionando o reconhecimento e independência, Zauner metaforiza-o recorrendo às mergulhadoras de Jeju, na Coreia do Sul, capazes de mergulhar até 30 metros de profundidade com 3 minutos de respiração sustida, para pesca de crustáceos; a própria refere ainda a utilização desta música enquanto mecanismo de cooperação com a culpa associada à dificuldade que tem em articular a vida profissional e pessoal. A linha de sintetizador oscilante ao longo do tema, a distorção e reverberação das guitarras, criam um tom que será preponderante sobretudo na primeira metade do álbum. “Road Head” utiliza drum machines, overdubs e prolongações vocais para reafirmar essa ideia de sonoridade celeste, que culmina no single “Machinist”, onde o autotune procura traduzir a historia de amor entre uma mulher e um robot, consistindo num track de dreampop futurista.
Começando esperançoso, este é um LP que se torna triste e melancólico com a sucessão temporal. Essa transição faz-se entre o interlúdio “Planetary Ambience” e o tema que dá o nome ao álbum, “Soft Sounds From Another Planet”.Tal como em muitas das suas canções, esta é uma em que Zauner revolve em torno de uma passada relação amorosa, neste caso dos ciúmes e insegurança constantes na mesma. A sua relevância vem por ser a reinvenção do tema “Day 30” do EP de 2013 “June”, com a introdução da guitarra havaiana, que faz recordar as cordas de Alex Scally em temas seletivos dos Beach House, tais que “Master of None” ou “Auburn and Ivory”.
“Boyish”, “Jimmy Fallon Big!” e “Till Death” enquadram-se no mesmo estilo, com a última a destacar-se por ter a mais emocional componente lírica do álbum, intensificada tanto pelos instrumentos de sopro como pela lamuriosa voz de Zauner. Segundo a própria, é uma canção de amor e um agradecimento ao seu marido pela resiliência durante os tempos difíceis – “Your voice, in the night / Sing me to sleep, soothe this insomnia / Haunted dreams, stages of grief / Repressed memories / Anger and bargaining”.
“The Body is a Blade” é um culminar estético no álbum em todas as vertentes: é a composição mais consistente e também a mais bonita; há um contraste entre persistência e vulnerabilidade no som que a compõe, que consegue transpor sonoramente a dicotomia corpo-alma que vem com a cicatrização das feridas, tal como referido em “Try your best to slowly withdraw / From the darkest impulses of your heart / Try your best to feel and receive / Your body is a blade that cuts a path from day to day”. O sintetizador surge a meio do tema, e soa a incentivo para a continuação por entre as dificuldades. Zauner faz assim uma das mais preponderantes e relevantes músicas da sua carreira, garantindo ainda a sua plena articulação com o resto do álbum.
De espírito notavelmente magoado, Michelle Zauner continua a fazer os seus ritmos pop e rock sonhadores, desta transpondo-se para um estado de maior consciencialização com o seu próprio futuro. Desejando que a felicidade volte a visitar a sua vida – felicidade que no presente álbum é apenas verdadeiramente tátil em “12 Steps” – é inegável como o taciturno tom da sua música se começa a tornar característico; aguarda-se o futuro para ver como a alegria pode contribuir para fazer prevalecer o valor de Japanese Breakfast, e torná-la, como desejado pela própria, uma voz influente para a junção de mais ásio-americanos no panorama musical atual.