O desconforto frenético em ‘Distância de Segurança’, de Samanta Schweblin

por Miguel Fernandes Duarte,    28 Dezembro, 2017
O desconforto frenético em ‘Distância de Segurança’, de Samanta Schweblin

Poucos livros conseguem aliar, a uma sensação de incógnita constante ao longo da leitura, uma que também se mantenha já depois de lida a última página. Chegada ao fim a leitura de Distância de Segurança, o livro da argentina Samanta Schweblin, recém-publicado pela Elsinore, continua a ser difícil clarificar o que realmente nos traz de diferente esta novela.

São pouco mais de cem páginas em diálogo constante entre duas personagens, com várias narrativas intercaladas. Desde logo o do dito diálogo, entre Amanda, uma mulher acamada, e David, um pequeno rapaz, onde a sinalização de quem fala se faz através do uso do itálico nas falas do rapaz, por oposição às de Amanda. Não sabemos qual é o problema que a leva a estar naquela posição, mas é-nos imediatamente perceptível que há algo de estranho a acontecer.

“Não me consigo mexer, digo.

É por causa dos vermes. Temos de ser pacientes e aguardar. E enquanto esperamos temos de encontrar o ponto exacto em que nascem os vermes.”

Precisamente para ir de encontro a esse tal “ponto exacto em que nascem os vermes”, Amanda começa o seu relato de uma tarde passada com a mãe de David, Carla, que conhece quando aluga, com a sua filha Nina, uma casa de férias na aldeia onde Carla vive com o seu marido Omar, criador de cavalos, e o filho David. Desta confluência nasce o outro laço da narrativa, o relato repleto de lágrimas de Carla a Amanda – que, não nos esqueçamos, está por sua vez a relatar a David – do porquê de ter medo do próprio filho, história que começa há seis anos atrás, quando David bebe da água de um ribeiro que, depreendemos, estaria infectado com químicos fertilizantes, deixando-o doente e, posteriormente, alterado ao ponto de praticamente não mais os membros da família se reconhecerem entre si.

A autora

Perante este relato, o sentimento de urgência aumenta o já inerente medo de Amanda perante uma possível tragédia. A distância de segurança para a qual o título remete é explicada pela própria como “a distância variável que me separa da minha filha”, o tempo que decorreria até Amanda conseguir socorrer Nina caso algo acontecesse, uma obsessão pela segurança e, ao mesmo tempo, pelo perigo. Em nome da protecção maternal, há uma constante vigilância dos actos da filha, mas acaba por ser especialmente aterrador que, mesmo quando o fio dessa distância de segurança se encontra o menos esticado possível, tudo possa correr mal. Ao longo do livro, há sempre essa sensação de um mal ao virar da esquina, algo que nem sequer chega a ser suspense, e que parte de uma sensação de desconforto frenético que nos leva ao longo deste intercalar de narrativas para perceber o que de estranho se passa, praticamente lendo tudo de um só trago que, finalizado, deixa um amargo na boca, não de desgosto, mas de incómodo.

Não sendo clara a forma como Samanta Schweblin alcança semelhante efeito, já que à partida a narrativa não encerraria nada de extraordinário em si, é inegável que, ao lermos Distância de Segurança, estamos perante um feito da técnica e da forma. Se todo este relato parece muito confuso, a verdade é que, ao ler, fruto do enorme talento da autora, não o é, e nos passa de forma cristalina tudo o que se vai passando. No entanto, num livro onde nos sentimos sempre fechados dentro de um túnel de possibilidades horrorosas, por muito cristalina que seja a forma, a percepção do significado da narrativa não tem como não permanecer ofuscada; e isso nada tem de mau.

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