O desporto em Portugal: o que os portugueses precisam de saber (em 11 pontos)

por André Reis,    12 Agosto, 2024
O desporto em Portugal: o que os portugueses precisam de saber (em 11 pontos)
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1 – Segundo os dados do último Eurobarómetro de desporto e atividade física, Portugal é o país da UE com pior atividade física: 73% dos portugueses dizem não praticar atividade física ou desportiva. Se queremos aumentar o número de atletas que chegam ao topo da pirâmide (alto rendimento), precisamos de alargar a sua base, isto é, aumentar rapidamente o nosso índice de prática desportiva;

2 – Segundo o INE, Portugal investe no desporto cerca de 40€/habitante, enquanto a média na UE é 113€/habitante. No Orçamento de Estado (OE) para 2024, o Governo dedicou cerca de 50M€ para o desporto. Se é verdade que o valor é superior ao ano anterior, também é verdade que só em 2024 o valor previsto para o desporto no OE atingiu os valores pré-pandemia (2019). Para além disso, para termos uma melhor noção da realidade do financiamento ao sistema desportivo, só o orçamento da Federação Portuguesa de Futebol (120M€), para o mesmo período, é mais do dobro do que o Estado investe em todo o desporto nacional;

3 – Há uma ideia generalizada que os contratos de desenvolvimento desportivo entre os Municípios e os clubes desportivos servem para financiar a formação desportiva. Quem anda no desporto sabe a verdade: são as famílias que estão a suportar os custos de formação desportiva das crianças e jovens portugueses, por via do pagamento de mensalidades. Uma larga maioria dos clubes desportivos aloca os apoios financeiros provenientes dos Municípios para os plantéis/atletas seniores;

4 – Em 2015, o Governo de Portugal aprovou o Decreto-Lei n.º 66/2015 que veio criar o IEJO – Imposto Especial de Jogo Online nas apostas desportivas. Apesar de se dever exclusivamente ao sistema desportivo as receitas geradas por este imposto (pois sem eventos desportivos não há apostas desportivas), a verdade é que apenas 37,5% das receitas deste imposto especial são transferidas para organizações desportivas;

5 – Apesar do Decreto-Lei, referido no ponto anterior, instituir que parte das receitas provenientes do imposto especial é atribuída à federação desportiva que organiza o evento alvo de aposta, a verdade é que o Estado está a fazer uma interpretação além da lei. Por exemplo, não é a Federação de Desportos de Inverno de Portugal que organiza a maior competição mundial de hóquei no gelo (a NHL – National Hockey League), mas é essa federação que está a receber as receitas provenientes do IEJO aplicadas às apostas desportivas dessa competição. Para termos noção do que está a acontecer, isto significa que, só nos últimos 4 anos, a Federação de Desportos de Inverno recebeu mais de 4 milhões de euros provenientes deste imposto especial. A injustiça que este Decreto-Lei está a criar no sistema desportivo sente-se ainda mais quando umas das modalidades desportivas menos praticadas em Portugal, por razões óbvias, são precisamente os desportos de inverno.

Neste ponto, e a título de curiosidade, os 4 milhões de euros que a Federação de Desportos de Inverno recebeu de receitas com apostas desportivas dariam para pagar, durante 4 anos, 1141€, todos os meses, aos 73 atletas que participaram nestes Jogos Olímpicos;

6 – Cerca de 75% das receitas provenientes do Imposto Especial de Jogo Online são para a Federação Portuguesa de Futebol e para a Liga de Portugal, isto é, mais de 50M€. As consequências são óbvias: desequilíbrios no sistema. Enquanto uns vivem com milhões, outros (sobre)vivem com tostões, e por mais esforço que outras federações desportivas possam fazer, sem capacidade financeira estarão sempre limitadas. Note-se que na vizinha Espanha, foi celebrado o Pacto de Viana, em abril de 2020, que veio criar um mecanismo solidário que faz com que o futebol abdique todos os anos de vários milhões de euros para os programas de preparação olímpica e paralímpica espanhóis. Em Portugal, desde 2015 que este é um tema tabu. Os sucessivos governos, conscientemente, têm fechado os olhos;

7 – Ao longo dos últimos dias, fruto das medalhas históricas do ciclismo de pista nos Jogos Olímpicos Paris 2024, muitas foram as pessoas que relembraram (e muito bem!) a importância do investimento no Velódromo de Sangalhos (um Centro de Alto Rendimento do ciclismo, inaugurado há 15 anos no concelho de Anadia). O que os portugueses precisam de saber é que essa infraestrutura desportiva, como o Centro de Alto Rendimento da canoagem em Montemor-o-Velho e outras, foram esmagadoramente comparticipadas por fundos europeus. O problema é que nem o Portugal 2020, nem o Portugal 2030 (a decorrer) criaram, até ao momento, qualquer oportunidade de financiamento para a construção de novas infraestruturas desportivas. Como se não bastasse, o famoso PRR, com valor total superior a 20 mil milhões de euros, não tem qualquer verba prevista para construção ou requalificação de infraestruturas desportivas;

8 – O desporto em Portugal sobrevive quase exclusivamente na base do voluntariado. Os portugueses precisam de saber que a esmagadora maioria dos dirigentes desportivos responsáveis por tomarem decisões fundamentais no desenvolvimento das diferentes modalidades desportivas são voluntários e não se podem dedicar à sua federação desportiva (ou clube desportivo) a tempo inteiro;

9 – é possível comparar o desporto escolar ou o desporto universitário dos EUA com o existente em Portugal. Nos EUA, a formação desportiva está nos liceus e nas universidades, em Portugal está nos clubes desportivos. Claro que é possível melhorar o trabalho que é feito no desporto escolar e universitário, mas quem anda no mundo do desporto sabe a verdade: a esmagadora maioria dos atletas que participam nas competições escolares e universitárias são na realidade atletas federados já filiados nas suas federações desportivas. Para o desporto escolar e universitário servirem para alargamento da base da pirâmide desportiva, isto é, para atraírem para o sistema mais praticantes desportivos (em vez de serem espaços de competição dirigidos para atletas já federados), teriam que rever os seus modelos competitivos de forma a organizarem competições regulares o ano inteiro, em vez de competições esporádicas (realidade atual). Isso implica uma mudança brutal de paradigma e um enorme investimento financeiro (que só é possível com o apoio do Estado);

10 – São os agrupamentos escolares que definem a carga horária da disciplina de Educação Física no primeiro ciclo de ensino (1.º ao 4.º ano de escolaridade). O Decreto-Lei n.º 55/2018 estabelece 5 horas de carga horária semanal para Educação Física, Artes Visuais, Expressão Dramática/Teatro, Dança e Música. O que os portugueses precisam de saber é que não existe uma carga horária mínima para a disciplina de Educação Física no primeiro ciclo e que, portanto, como o Estado se coloca de fora de definir a obrigatoriedade de carga horária para esta disciplina, tal facto fica à consideração exclusiva das direções dos agrupamentos escolares. Isto num país que hoje se lamenta de ter os piores índices de prática desportiva na UE;

11 – O serviço público de rádio e televisão é atribuído pelo Estado à RTP, por via de um contrato de concessão. Este contrato de concessão, no que diz respeito à cobertura dos eventos desportivos, é demasiado aberto e dá espaço ao Conselho de Administração da RTP para definir a sua política de cobertura ao desporto nacional. A consequência é cada vez mais óbvia: a RTP colocou o desporto nacional como uma prioridade secundária. Para além disso, o que os dirigentes das federações desportivas sabem, mas o que a maioria dos portugueses não sabe, é que a RTP, ao longo dos últimos anos, tem exigido às federações desportivas comparticipações financeiras para cobertura dos seus eventos desportivos.

Muito outros tópicos poderiam ser referidos neste texto sobre a realidade atual do sistema desportivo, mas o que todos os portugueses precisam de saber é que o principal problema do desporto nacional não é a falta de financiamento, mas antes a falta de coragem política. Venha ela!

André Reis é dirigente na Federação Internacional do Desporto Universitário (FISU). Entre 2019 e 2022 foi membro do Conselho Nacional do Desporto e presidente da Federação do Desporto Universitário (FADU).

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