O dia em que Alex Ferguson deixou Van Nistelrooy sem a Bota de Ouro da Premier League
Desde que se reformou, Sir Alex Ferguson tem tido mais tempo para dar entrevistas, ensinar o que aprendeu sobre liderança, publicar um livro, dedicar mais tempo à sua coleção de vinhos, contribuir para missões de mecenato e claro estar com a família. Vencedor nato, continuou a trabalhar em função dos seus novos objetivos.
Falamos de um treinador que em 27 anos ao serviço do Manchester United, ganhou 38 títulos, entre os quais 13 campeonatos e 2 Champions League. A estes, podemos somar 1 no St. Mirren e 10 no Aberdeen, ou seja, um total de 49 títulos, um recorde absoluto para um treinador de futebol. Ninguém ganhou mais. Os seus métodos de liderança foram alvos de um estudo intenso (Ferguson’s Formula, por Anita Elberse, Outubro 2013) pela famosa Universidade Americana de Harvard. O ponto central da investigação era entender se Sir Alex provocava amor ou medo em quem trabalhava com ele.
Quem trabalhou com ele em diversos momentos sentiu ambas as coisas, mas a conclusão é que Sir Alex provocava um sentimento que se situa exatamente entre estes dois: respeito. Para isso, ele era um exemplo como profissional, era um verdadeiro homem do clube como um todo, muito para além da equipa principal de futebol. Gostava de conversar com os cozinheiros, dar conselhos aos mais jovens da academia e sabia o nome de absolutamente toda a gente dentro do clube. Era o primeiro e último a ir para casa. A sua liderança assentava nos mesmos valores do clube e dos quais não se podiam renunciar. Dizia aos jogadores que estes representavam o clube dentro e fora do campo. E acima de tudo estava a equipa. Ninguém podia achar-se acima do resto, não havia espaço para desrespeito. E entre todos, o líder era ele e nenhum jogador. Nunca abdicou desse controlo. Se algum jogador se tornava tóxico tinha que ir embora, tão simples quanto isso. Muitos jogadores, incluindo Cristiano Ronaldo dizem que ele era como um Pai, queria o melhor de cada um deles, estava lá quando o jogador mais precisava, mas também era bem capaz de dar um valente raspanete quando alguém estava a sair fora dos comportamentos que ele esperava dentro e fora do campo.
Como não seria de estranhar, continuam a sair para a imprensas alguns desses episódios que mostram o carácter de Ferguson. Na época de 2001/02, o avançado holandês Ruud Van Nistelrooy juntava-se ao Manchester United, que já contava com um plantel brilhante, repleto de grandes jogadores como Barthez, Gary Neville, Verón, Giggs, Scholes, Roy Keane, Forlán ou Beckham. As expectativas eram altas, já que Van Nistelrooy tinha feito 62 golos em 67 jogos com o seu antigo clube, o PSV. O holandês estava radiante por cumprir um dos seus sonhos de jogar na Premier League contra alguns dos seus ídolos como o francês Henry, principal jogador do Arsenal durante vários anos.
As expectativas cumpriram-se e Ruud Van Nistelrooy estava a fazer uma das melhores épocas de estreia em termos de golos marcados e era um dos melhores marcadores da liga. Antes do último jogo do campeonato, vários jogadores estavam separados por 1 golos, entre os quais o francês Henry. O último jogo era em casa contra o Charlton, uma equipa modesta, ou seja, o holandês tinha boas hipóteses de marcar e ganhar a Bota de Ouro da Premier League. No entanto, o Manchester United já tinha perdido o campeonato, estava em terceiro e o título já pertencia ao Arsenal de Henry. O que fez Ferguson? Antes do jogo falou em privado com Van Nistelrooy e disse-lhe: “Não vais ganhar a Bota de Ouro, filho! Não ganhámos a liga!”. O jogador nem para o banco de suplentes foi. Escusado será dizer que este ficou furioso com a decisão… No entanto, Sir Alex tinha claro, o que interessa são os títulos coletivos, os individuais só têm sentido como consequência disso. Um indivíduo pode ter feito a diferença, mas quem ganha é a equipa. No Manchester United, ele teria que aliar os golos aos títulos. Uma decisão dura que só iria funcionar com um jogador com personalidade ganhadora e forte como Van Nistelrooy. Ferguson foi avançado no seu tempo como jogador e compreende bem a cabeça deles… veja-se como ele teve sempre uma grande capacidade para contratar bons finalizadores.
Os jogadores de futebol costumam ser muito competitivos e gerir uma emoção como esta não deve ter sido fácil para o holandês, mas como Ferguson sempre dizia, os campeões reagem com mais força depois das derrotas. O treinador escocês soube maximizar a fome, a fúria que o holandês tinha por ganhar esse troféu em prol do objetivo de equipa de voltar a ser campeão. Qual foi o resultado desta decisão? No ano seguinte, o Manchester United foi campeão à frente do Arsenal e Van Nistelrooy ganhou a sua Bota de Ouro da Premier League com 25 golos, à frente de Henry, com 24. Sir Alex mais uma vez mostrava a todos o porquê de o respeitarem.